Negócio Jurídico

Introdução


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Negócio jurídico é todo fato jurídico que consiste em uma declaração de vontade à qual o ordenamento jurídico atribuirá os efeitos designados como desejados, desde que sejam respeitados os pressupostos de existência, os requisitos de validade e os fatores de eficácia (impostos pela norma jurídica).

É, assim, a expressão máxima do princípio da autonomia privada, a qual dá a liberdade ao indivíduo de regir sua vida com as normas particulares que desejar. Para isso a vontade do Estado deve ser igualmente respeitada. Conclui-se que o negócio jurídico é formado pela vontade do indivíduo somada à vontade do Estado.

O negócio jurídico pode criar, modificar ou extinguir direitos. A doutrina construiu os planos de análise do negócio jurídico, esquema chamado de escada ponteana, uma vez que foi trazido para o Brasil por Pontes de Miranda. Os planos de análise são a existência, validade e eficácia.

  • Existência: elementos sem os quais não há negócio jurídico, sendo eles o agente (pessoa), a vontade, objeto, forma (exteriorização da vontade) e caráter substantivo;
  • Validade: exigências que a lei estabelece para que um negócio existente possa receber a chancela do ordenamento jurídico. As exigências são: agente com plena capacidade de fato, vontade livre e consciente (sem dolo, coação, erro, estado de perigo e lesão), objeto lícito, possível e determinado ou determinável; forma prescrita ou não defesa em lei, caráter adjetivo;
  • Eficácia: são os fatores que afetarão de alguma forma a produção de efeitos do negócio existente. Assim, tem-se a eficácia simples (se inserida uma condição ou termo, pode ser que os efeitos produzidos pelo negócio fiquem submetidos ao advento de certos fatos, havendo, assim, ineficácia simples) e a eficácia relativa (os efeitos não se produzem em face de um sujeito determinado, sendo o negócio a este inoponível, isto é, ineficaz relativamente a alguém).

Observações sobre os Requisitos de Validade

1. Os requisitos gerais de validade são previstos no art. 104 do CC. Aplicam-se a qualquer negócio jurídico (testamento, contrato, casamento, etc). Além destes, a lei pode estabelecer requisitos especiais de validade, como acontece nos arts. 489, 496, 548 e 549 do CC.

2. O não atendimento dos requisitos gerais ou especiais acarretará a invalidade do negócio jurídico. A invalidade pode ser na forma de nulidade ou anulabilidade.

3. Princípio da conservação dos negócios jurídicos (da preservação ou da continuidade dos negócios): a lei estabelecerá uma série de regras para que o juiz possa, diante do caso concreto, ao verificar o não atendimento de um requisito de validade, evitar a aplicação da sanção de invalidade, preservando-se a vontade declarada. Assim, invalidade é a ultima ratio, isto é, só deve ser aplicada quando o negócio não puder ser salvo. Algumas hipóteses de conservação são:

  • Confirmação ou ratificação: a própria parte (confirmação) ou seu assistente (ratificação) podem confirmar o negócio a fim de afastar a anulabilidade. Assim, após a prática do negócio com uma causa de anulabilidade, a parte ou seu assistente, de maneira expressa ou tácita, podem declarar que concordam com aquilo que foi praticado.
  • Redução (art.184, CC): o negócio eivado de invalidade poderá passar por uma redução. Ela é como uma cirurgia no negócio jurídico, em que a parte ruim é retirada. Dessa forma, declara-se nula somente a cláusula que tiver maculada, ocorrendo então uma declaração parcial de invalidade do negócio, como no exemplo de uma multa abusiva dentro do contrato de consumo. Porém, isso só pode ser feito caso a cláusula não seja essencial ao negócio jurídico, caso contrário, ferir-se-ia a existência do negócio como um todo.

Art. 184. Respeitada a intenção das partes, a invalidade parcial de um negócio jurídico não o prejudicará na parte válida, se esta for separável; a invalidade da obrigação principal implica a das obrigações acessórias, mas a destas não induz a da obrigação principal.

  • Revisão: é uma forma de evitar a nulidade do negócio jurídico a partir da revisão das cláusulas. Ocorre geralmente quando as prestações forem desproporcionais, como no caso de contratação por inexperiência ou premente necessidade (art.157, CC) ou para salvar-se ou salvar pessoa próxima de perigo iminente conhecido pela outra parte (art.156, CC). Assim, tais cláusulas devem ser alteradas para que se estabeleça o equilíbrio entre as prestações.

Art. 156. Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa.

Parágrafo único. Tratando-se de pessoa não pertencente à família do declarante, o juiz decidirá segundo as circunstâncias.

Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.

  • Conservação substancial (recategorização ou transinterpretação); art. 170 do CC: As partes, por vezes, ao emitirem suas vontades, ignoram que a lei exige certos requisitos. Se o juiz entender que se a parte soubesse do requisito iria cumpri-la, a lei permite que ele possa recategorizar o negócio jurídico a fim de que a vontade manifestada venha a se amoldar à exigência legal. O juiz deve atentar para não alterar a vontade das partes.

Art. 170. Se, porém, o negócio jurídico nulo contiver os requisitos de outro, subsistirá este quando o fim a que visavam as partes permitir supor que o teriam querido, se houvessem previsto a nulidade.

Defeitos do Negócio Jurídico

Erro ou ignorância

Ocorre quando a pessoa se engana quanto a um dos elementos essenciais do negócio jurídico. Quem erra erra sozinho, sem indução de terceiros. O erro deve ser substancial/essencial para acarretar a nulidade do negócio; caso seja acidental, somente haverá a obrigação de pagar perdas e danos.

Dolo

Ocorre quando uma terceira pessoa, por fraude, faz com que o declarante se engane; é o erro provocado. Previsto nos arts. 145 a 150 do CC. O dolo acidental não enseja a anulação.

Coação (art.151, CC)

Quando alguém, por ato de violência ou de constrição moral, ameaçar alguém de dano iminente considerável a sua pessoa, a sua família ou aos seus bens. Para configurá-la a coação deve ser a causa do negócio jurídico.

Art. 151. A coação, para viciar a declaração da vontade, há de ser tal que incuta ao paciente fundado temor de dano iminente e considerável à sua pessoa, à sua família, ou aos seus bens.

Parágrafo único. Se disser respeito a pessoa não pertencente à família do paciente, o juiz, com base nas circunstâncias, decidirá se houve coação.

Coação exercida por terceiro (art.154, CC): deve-se analisar se a parte beneficiada tinha conhecimento da coação. Se tiver, o negócio não subsiste.

Art. 154. Vicia o negócio jurídico a coação exercida por terceiro, se dela tivesse ou devesse ter conhecimento a parte a que aproveite, e esta responderá solidariamente com aquele por perdas e danos.

Estado de Perigo

Nos termos do art. 156 do Código Civil de 2002:

Art.156. Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa.

Vários exemplos são dados pelos doutrinadores brasileiros, como o caso de um comandante de embarcação que, prestes a naufragar, propõe pagar qualquer quantia a quem venha a socorrê-lo. Ou um enfermo que, em grave situação de saúde, coloca-se em total acordo com quaisquer honorários pagos para o cirurgião.

É importante ressaltar que o estado de perigo não se confunde com a coação: no estado de perigo não se configura a hipótese de constranger o outro à prática de um determinado ato, ou a consentir na celebração de um determinado contrato.

Lesão

O art. 157 do Código Civil afirma que:

Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, obriga-se a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.

Este instituto tem um objetivo moral, na medida em que pretende eliminar a grande desproporção em benefício de apenas uma das partes. Na lesão, portanto, a parte decide por si, não por pressão externa, mas movida por circunstâncias de necessidade ou inexperiência.

Este vício do consentimento apresenta elemento objetivo, que é a manifesta desproporção entre as prestações e elemento subjetivo, que é a inexperiência ou premente necessidade. Como exemplo, um jovem de 18 anos que celebra pela primeira vez um contrato de locação em uma cidade grande e que desconhece a média dos preços cobrados na região em que se situa o imóvel. Este jovem pode acabar consentindo ser locatário do imóvel por valores muitos altos em relação aos outros imóveis de igual padrão do mesmo bairro.

Fraude Contra Credores

A fraude contra credores é a prática pelo devedor de ato ou atos jurídicos absolutamente legais em si mesmos mas prejudiciais aos interesses dos credores, frustrando conscientemente a regra jurídica que institui a garantia patrimonial dos credores sobre os bens do devedor. 

 O art. 158 do Código Civil 2002, diz que

Art. 158. Os negócios de transmissão gratuita de bens ou remissão de dívida, se os praticar o devedor já insolvente, ou por eles reduzido à insolvência, ainda quando o ignore, poderão ser anulados pelos credores quirografários, como lesivos dos seus direitos

Simulação 

Ocorre quando o sujeito, ao manifestar sua vontade, tem intenção de prejudicar terceiros ou fraudar lei imperativa (art.167, CC). A doutrina aponta para alguns tipos de simulação:

  • Simulação absoluta: as partes não chegam a celebrar qualquer negócio jurídico; há apenas aparência, com finalidade de iludir terceiros. Por exemplo, o locador que simula contrato de compra e venda com terceiro a fim de despejar o locatário;
  • Simulação relativa/dissimulação: há a celebração de dois negócios jurídicos: um que aparece e um que fica escondido (dissimulado). A intenção da parte é a celebração do negócio dissimulado, mas este ocorrerá com fraude à lei ou violação de interesses de terceiros. Assim, é celebrado um negócio aparente para ocultar a verdadeira intenção. O Código Civil, visando preservar a verdadeira vontade emitida, entende que o negócio dissimulado não será nulo se válido for na substância e na forma (art.167, CC). Por exemplo, o pai supostamente celebra uma doação de imóvel para um dos seus filhos, entretanto o real negócio celebrado é uma compra e venda. Ao contrato foi dado o nome de doação apenas para burlar a norma do art.496, CC, que exige o consentimento dos demais descendentes para a realização da compra e e venda. A doação é o negócio aparente; a compra e venda é o negócio efetivamente realizado.
  • Simulação inocente/tolerável: não há intenção ilícita, contudo, a pessoa declara sua vontade de outra forma, pois acredita que evitará a imposição de uma sanção legal. Por exemplo, um sujeito acreditando que a namorada tem direito a seus bens devido ao longo tempo de namoro, simula doação destes para um amigo. Esse ato simulado não prejudica direitos de terceiros nem frauda lei imperativa. Porém, mesmo essa simulação “inocente” terá nulidade conforme a doutrina majoritária.
  • Reserva mental: não é propriamente um tipo de simulação mas poderá ter efeitos equiparados. Ocorre quando uma das partes oculta sua verdadeira intenção. Se a outra parte não tiver conhecimento da reserva mental o ato subsistirá; caso contrário, não. Entretanto, o Código não trouxe a consequência para esse ato, deixando as correntes doutrináras argumentarem sobre o assunto.
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