Introdução ao Direito do Consumidor

É evidente que vivemos em uma sociedade de consumo, em que há uma produção de bens e serviços em massa, com publicidade em larga escala em todos os setores do comércio. Nesse sentido, a sociedade de consumo foi sendo criada paulatinamente, e com a globalização cada vez maior, aquela tomou proporções incomensuráveis.

Dessa forma, cada vez mais as relações de fornecedores e consumidores se tornavam desiguais, havendo a necessidade da proteção legal específica do consumidor. As leis existentes antes da Constituição Federal de 1988 tratavam o consumidor e o fornecedor em patamares iguais, algo que não condizia com a realidade.

Diante disso, na Constituição Federal de 1988 foi estabelecido como direito fundamental a necessidade do Estado promover a defesa do consumidor, além de torna-la um dos princípios da ordem econômica.  Além disso, obrigou o legislador ordinário a criar um Código de Defesa do Consumidor no prazo de 120 dias a contar a partir da promulgação da Carta Maior.  Todavia, o prazo não foi cumprido, mas contribuiu para que o Congresso Nacional editasse a Lei Nº 8.078/90: o Código de Defesa do Consumidor.



Política Nacional das Relações de Consumo (PNRC)

A Política Nacional das Relações de Consumo é abarcada nos artigos 4º e 5º do Código de Defesa do Consumidor, e possui como objetivo atender as necessidades dos consumidores, garantindo dignidade, saúde, segurança, proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, além da transparência e harmonia das relações de consumo.

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

Princípios da Política Nacional das Relações de Consumo

A Política Nacional das Relações de Consumo possui alguns princípios que servirão como base para que seja cumprida a aplicação da lei.

Princípio da Vulnerabilidade do Consumidor

O primeiro princípio é o expresso no artigo 4º, I; em que reconhece a vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo e serve de base para todo o raciocínio em torno do Direito do Consumidor. Diante disso, o consumidor sempre será mais fraco que o fornecedor, sendo uma condição de fato.

I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;

Princípio da Defesa do Consumidor pelo Estado (Intervenção Estatal)

 II - ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor:

a) por iniciativa direta;
b) por incentivos à criação e desenvolvimento de associações representativas;
c) pela presença do Estado no mercado de consumo;
d) pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho.

Sobre este princípio, destacam-se os seguintes pontos:

  • Determina que o Estado deve agir nas relações de consumo com o objetivo de proteger a parte mais vulnerável (consumidor), através da legislação e das medidas administrativas possíveis.
  • O Estado pode atuar diretamente, usando de seu poder de polícia, ou seja, através de ordens, proibições, apreensões, sanções e fiscalizações.
  • O Estado pode atuar indiretamente, utilizando políticas governamentais de educação para o consumo ou incentivando a criação de entidades ou associações de proteção e defesa do consumidor.
  • Está previsto também no artigo 5º, inciso XXXII e no artigo 170 da Constituição Federal

Princípio da Boa-Fé Objetiva e do Equilíbrio nas Relações

 III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;

Este princípio busca harmonizar os interesses intrínsecos às relações de consumo, evitando que a proteção do consumidor seja um fator que impeça o desenvolvimento econômico. Fazendo com que o consumidor e o fornecedor ajam com a “boa-fé objetiva”, ou seja, manter uma relação de consumo afastada de atitudes de má-fé.

Princípio da Informação e Educação

IV - educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo;

Este princípio busca enaltecer a importância da educação e informação de fornecedores e consumidores, em relação aos seus direitos e deveres.

Princípio da Confiança

 V - incentivo à criação pelos fornecedores de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços, assim como de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo;

Este princípio busca incentivar os fornecedores a adquirirem um controle de qualidade eficiente, garantindo a segurança e satisfação dos consumidores, além de proporcionar meios de comunicação para resolver problemas. 

Princípio do Combate ao Abuso

 VI - coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores;

Busca evitar que consumidores sejam enganados por abusos no mercado de consumo, como a utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos.

Princípio da Eficiência dos Serviços Públicos

 VII - racionalização e melhoria dos serviços públicos;

Este princípio diz respeito à necessidade de fornecimento de serviços públicos adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.

Princípio do Estudo Constante das Modificações do Mercado de Consumo

 VIII - estudo constante das modificações do mercado de consumo.

Este princípio busca que os estudos sobre os pontos de conflito encontrados no mercado de consumo sejam constantes, contribuindo para a divulgação de informações verídicas e para o fornecimento de serviços e produtos de qualidade.

Educação Financeira

IX - fomento de ações direcionadas à educação financeira e ambiental dos consumidores;

X - prevenção e tratamento do superendividamento como forma de evitar a exclusão social do consumidor.

Princípio inserido pela Lei 14.181/21 que trata da importância da informação e da educação financeira do consumidor, objetivando a prevenção e o combate ao endividamento.

Instrumentos do Poder Público

Para que a Política Nacional das Relações de Consumo possam ocorrer, o poder público  possui alguns instrumentos que asseguram a aplicação dos princípios acima expostos.

Art. 5° Para a execução da Política Nacional das Relações de Consumo, contará o poder público com os seguintes instrumentos, entre outros:

I - manutenção de assistência jurídica, integral e gratuita para o consumidor carente;

II - instituição de Promotorias de Justiça de Defesa do Consumidor, no âmbito do Ministério Público;

III - criação de delegacias de polícia especializadas no atendimento de consumidores vítimas de infrações penais de consumo;

IV - criação de Juizados Especiais de Pequenas Causas e Varas Especializadas para a solução de litígios de consumo;

V - concessão de estímulos à criação e desenvolvimento das Associações de Defesa do Consumidor.

VI - instituição de mecanismos de prevenção e tratamento extrajudicial e judicial do superendividamento e de proteção do consumidor pessoa natural;

VII - instituição de núcleos de conciliação e mediação de conflitos oriundos de superendividamento.

Os incisos VI e VII são novidades trazidas pela Lei do Superendividamento (Lei 14.181/21).

Exame de Ordem Unificado - XX - Reaplicação Salvador (FGV) - 2016
Questão 1.
Inês, pretendendo fazer pequenos reparos e manutenção em sua residência, contrai empréstimo com essa finalidade. Ocorre que, desconfiando dos valores pagos nas prestações, procura orientação jurídica e ingressa com ação revisional de cédula de crédito bancário, questionando a incidência de juros remuneratórios, ao argumento de serem mais altos que a média praticada no mercado. Requereu a inversão do ônus da prova e, ao final, a procedência do pedido para determinar a declaração de nulidade da cláusula. A respeito desta situação, é correto afirmar que o Código de Defesa do Consumidor 
A
não é aplicável na relação jurídica entre Inês e a instituição financeira, motivo pelo qual o questionamento deve seguir a ótica dos direitos obrigacionais previstos no Código Civil, o que inviabiliza a inversão do ônus da prova.
B
é aplicável na relação jurídica entre Inês e a instituição financeira, cabível a inversão do ônus da prova, se preenchidos os requisitos legais e, em caso de nulidade da cláusula, todo contrato será declarado nulo, tendo em vista que prática abusiva é questão de ordem pública.
C
é aplicável na relação jurídica entre Inês e a instituição financeira, cabível a inversão do ônus da prova caso a consumidora comprove preenchimento dos requisitos legais, sendo certo que a declaração de nulidade da cláusula não invalida o contrato, salvo se importar em ônus excessivo para o consumidor, apesar dos esforços de integração.
D
não é aplicável na relação jurídica entre Inês e a instituição financeira, motivo pelo qual o questionamento orienta-se pela norma especial de direito bancário, em prejuízo da inversão do ônus da prova pleiteado, ainda que formalmente estivessem cumpridos os requisitos legais.
Exame de Ordem Unificado - IX (FGV) - 2012
Questão 2.
A sociedade empresária XYZ Ltda. oferta e celebra, com vários estudantes universitários, contratos individuais de fornecimento de material didático, nos quais garante a entrega, com 25% de desconto sobre o valor indicado pela editora, dos livros didáticos escolhidos pelos contratantes (de lista de editoras de antemão definidas). Os contratos têm duração de 24 meses, e cada estudante compromete-se a pagar valor mensal, que fica como crédito, a ser abatido do valor dos livros escolhidos. Posteriormente, a capacidade de entrega da sociedade diminuiu, devido a dívidas e problemas judiciais. Em razão disso, ela pretende rever judicialmente os contratos, para obter aumento do valor mensal, ou então liberar-se do vínculo. Acerca dessa situação, assinale a afirmativa correta.
A
A empresa não pode se valer do Código de Defesa do Consumidor e não há base, à luz do indicado, para rever os contratos.
B
Aplica-se o CDC, já que os estudantes são destinatários finais do serviço, mas o aumento só será concedido se provada a dificuldade financeira e que, ademais, ainda assim o contrato seja proveitoso para os compradores.
C
Aplica-se o CDC, mas a pretendida revisão da cláusula contratual só poderá ser efetuada se provado que os problemas citados têm natureza imprevisível, característica indispensável, no sistema do consumidor, para autorizar a revisão.
D
A revisão é cabível, assentada na teoria da imprevisão, pois existe o contrato de execução diferida, a superveniência de onerosidade excessiva da prestação, a extrema vantagem para a outra parte, e a ocorrência de acontecimento extraordinário e imprevisível.
Exame de Ordem Unificado - XXX (FGV) - 2019
Questão 3.
Durante período de intenso calor, o Condomínio do Edifício X, por seu representante, adquiriu, junto à sociedade empresária Equipamentos Aquáticos, peças plásticas recreativas próprias para uso em piscinas, produzidas com material atóxico. Na primeira semana de uso, os produtos soltaram gradualmente sua tinta na vestimenta dos usuários, o que gerou apenas problema estético, na medida em que a pigmentação era atóxica e podia ser removida facilmente das roupas dos usuários por meio de uso de sabão. O Condomínio do Edifício X, por seu representante, procurou você, como advogado(a), buscando orientação para receber de volta o valor pago e ser indenizado pelos danos morais suportados. Nesse caso, cuida-se de
A
fato do produto, sendo excluída a responsabilidade civil da sociedade empresária, respondendo pelo evento o fabricante das peças; não cabe indenização por danos extrapatrimoniais, por ser o Condomínio pessoa jurídica, que não sofre essa modalidade de dano.
B
inaplicabilidade do CDC, haja vista a natureza da relação jurídica estabelecida entre o Condomínio e a sociedade empresária, cabendo a responsabilização civil com base nas regras gerais de Direito Civil, e incabível pleitear indenização por danos morais, por ter o Condomínio a qualidade de pessoa jurídica.
C
aplicabilidade do CDC somente por meio de medida de defesa coletiva dos condôminos, cuja legitimidade será exercida pelo Condomínio, na defesa dos interesses a título coletivo.
D
vício do produto, sendo solidária a responsabilidade da sociedade empresária e do fabricante das peças; o Condomínio do Edifício X é parte legítima para ingressar individualmente com a medida judicial por ser consumidor, segundo a teoria finalista mitigada.
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