Homicídio Simples e Privilegiado

O homicídio simples está previsto no caput do art.121, e tem pena de reclusão de seis a vinte anos. O conceito se dá por exclusão, ou seja, é simples o homicídio que não é qualificado nem privilegiado. Essa análise na prática, entretanto, não é tão simples. Por isso, fica uma dica: analise sempre a jurisprudência.

Registre-se um exemplo real de homicídio simples: o “caso do cooler”. Um motorista danificou um cooler, o que levou a uma briga generalizada e ocasionou a morte de uma pessoa por golpe de faca. Nesse caso, entendeu-se configurado homicídio simples. Mas podemos nos perguntar se não poderia ser caracterizado motivo fútil. O entendimento foi de que não, uma vez que não foi apenas o dano ao cooler que levou à morte, mas a briga desencadeada.

Já o homicídio privilegiado está previsto no art. 121, §1º do CP, que tem a seguinte redação:

Art.121. [...]

§1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.

Tem a natureza jurídica de causa de diminuição de pena, que incide na terceira fase da dosimetria.  A redução da pena nesses casos é uma faculdade ou um dever do juiz? Entende-se que o homicídio privilegiado é um direito do réu. Assim, se houver adequação aos requisitos da legislação, o juiz deve aplicá-lo.

Há possibilidade de concurso de pessoas? Vamos analisar a partir de um exemplo: um pai, ao descobrir que sua filha foi estuprada, contrata um pistoleiro para matar o estuprador. Como fica a responsabilidade de cada um nesse caso? O pai fará jus ao privilégio, pois seu crime é motivado por relevante valor moral. Já o pistoleiro responderá por homicídio qualificado, pois matou a vítima mediante paga ou promessa de recompensa, sem incidência do privilégio.

Essa imputação se justifica, uma vez que o privilégio é uma circunstância pessoal ou subjetiva, que não se caracteriza como elementar do tipo. Portanto, ela não se comunica no concurso de pessoas (art. 30, CP). O homicídio privilegiado pode decorrer de:

  1. Relevante valor moral – tutela interesse particular do agente. Exemplos: agente mata a pessoa que assassinou seu filho; agente auxilia na eutanásia de ente querido (lembrando que o privilégio não se aplica ao médico, por vedação do código de ética médica);
  2. Relevante valor social – tutela interesse da sociedade na qual o agente se insere. Exemplos: agente que mata assassino em série; agente que mata espião estrangeiro; agente que mata chefe de quadrilha que aterroriza uma região. 
  3. Domínio de violenta emoção – é emoção passageira, tão intensa que modifica a forma como a pessoa agiria no momento. Por previsão do CP, deve ser uma reação imediata a injusta provocação. Esse imediatismo será aferido no caso concreto, não se admitindo intervalo relevante entre a provocação e a ação. Exemplos: caso da piscadinha pós sequestro (provocação de estuprador ao pai da vítima, após sua prisão, que leva o pai a matá-lo, logo após a provocação); golpe na empresa (sócio que mata o outro após descobrir que o último pegou todo o dinheiro da empresa). 

Uma das alegações presentes em júris é a chamada legítima defesa da honra, muito comum em casos de feminicídio, em que (ex) companheiros das vítimas as matam após descobrir traições ou outros fatos que, em tese, atentariam sua honra. Nesses casos, a defesa questionava a moral e vida íntima da vítima para justificar o crime e pleitear teses de legítima defesa. Tal tese, entretanto, era muito criticada por seu viés machista, pautada em uma ideia de superioridade masculina.

Na ADPF 779, julgada em 2021, o STF limitou o alcance constitucional da plenitude de defesa para rechaçar a tese da legítima defesa da honra no plenário do júri. Na decisão, a corte argumentou pela discordância dessa tese e o direito fundamental de proteção à dignidade da pessoa humana, bem como pela necessidade de proteção do direito à vida e à igualdade de gênero. Vale a pena ler a decisão na íntegra.

E os casos de homicídio após flagrante em traições? Nesses casos, ao autor do homicídio pode ser aplicado o homicídio privilegiado, se comprovada a violenta emoção, não se falando em legítima defesa da honra.

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