Aborto Provocado pela Gestante ou com o Seu Consentimento

Trata-se de crime de médio potencial ofensivo, uma vez que tem pena de detenção de um a três anos, admitindo a suspensão condicional do processo, prevista no art. 89 da Lei do JECRIM.

O tipo penal se divide em duas partes. A primeira é o chamado autoaborto. Nele, a gestante provoca aborto em si mesma, por meio de manobra abortiva. Exemplo: a gestante adquire e toma uma substância abortiva. Essa figura é crime de mão própria, uma vez que somente pode ser praticada pela gestante (a pessoa indicada no tipo).

Assim, não existe coautoria no crime de autoaborto. Entretanto, seria possível a participação. É o caso, por exemplo, do parceiro que adquire remédio abortivo e entrega para a gestante, dizendo para que ela decida se quer tomar ou não. Como não há prática de atos de execução pelo participante, ele responderá pelo mesmo delito da gestante (autoaborto, do art. 124, primeira parte, do CP), mas como partícipe:

Art. 124 - Provocar aborto em si mesma [...]

Entretanto, se há participação, e o participante praticou atos de execução (por exemplo, ele espeta uma agulha de tricô no feto), ele responderá pelo delito do art. 126 do CP. Já a gestante responderá pelo crime de consentimento para que terceiro pratique o aborto (segunda parte do art. 124, CP). 

Art. 124 - [...] ou consentir que outrem lho provoque. [...]

Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante: [...]

Nesse segundo exemplo já adentramos na segunda parte do art. 124 do CP, que trata da conduta da gestante que consente para que terceiro pratique o aborto. Nessa hipótese, ela não pratica a manobra abortiva, mas autoriza que um terceiro o faça. É o caso da gestante que vai até uma clínica para abortar. Este também é um crime de mão própria, uma vez que apenas a gestante pode dar consentimento.

Essa figura também é considerada uma exceção pluralista à teoria monista no concurso de pessoas. Isso porque, a regra no Código Penal é que todos que concorrem para o fato respondem pelo mesmo crime. Entretanto, nesse caso, a gestante e a pessoa que pratica o aborto responderão por delitos diversos: ela, pelo art. 124, segunda parte, do CP; o agente, pelo art. 126 do CP.

Para a configuração dessa hipótese, é necessário o consentimento válido da gestante. Isso significa que ele seja prestado de modo livre e voluntário. Além disso, a gestante precisa ter capacidade para prestar o consentimento.

Por isso, o parágrafo único do art. 126 do CP traz hipóteses em que a gestante não tem capacidade para dar consentimento, sendo elas: quando a gestante é menor de 14 anos; quando é alienada mental; quando o consentimento é obtido por meio de fraude, grave ameaça ou violência. Se algumas dessas hipóteses ocorrer, a gestante não responderá por crime algum, e o terceiro responderá por aborto provocado sem o consentimento da gestante, que tem pena bem mais alta.

Art.126. [...]

Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou debil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência.

Vamos dar alguns exemplos para ilustrar melhor. Imagine a hipótese em que uma mulher paga um médico para abortar o feto que está em seu útero. Ela responderá pelo crime do art. 124, segunda parte, do CP. Já o médico responderá pelo crime de provocação de aborto com consentimento, do art. 126 do CP. 

Uma segunda hipótese seria a que um parceiro, ameaçando a parceira, a obrigue a tomar remédio abortivo, consumando o delito. Nesse caso, o parceiro responderá pelo crime do art. 125 do CP (provocar aborto sem consentimento), e a parceira não responderá por crime, já que seu consentimento foi inválido (havia coação moral irresistível).

Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante: [...]

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