Relações com estados estrangeiros

Introdução

O artigo 84 da Constituição Federal de 1988 elenca as competências privativas do Presidente da República, ou seja, aquelas que não podem ser delegadas, salvo nas hipóteses expressamente previstas. Entre essas atribuições, destaca-se a prevista no inciso VII, que dispõe:

Art. 84, VII, CF/88Compete privativamente ao Presidente da República manter relações com Estados estrangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos.

Esse dispositivo insere o Chefe do Poder Executivo Federal no âmbito das relações internacionais, não apenas como gestor da União, mas como representante máximo da República Federativa do Brasil perante a comunidade internacional.

O Presidente da República como Chefe de Estado e Chefe de Governo

O Presidente da República exerce duas funções essenciais:

  • Chefe de Governo: dirige a Administração Pública Federal, com base nas competências administrativas previstas na Constituição (como decretos de organização e funcionamento, art. 84, VI).
  • Chefe de Estado: representa a República Federativa do Brasil em suas relações internacionais, atuando em nome da nação e não apenas da União.

Essa distinção é fundamental. Enquanto o Chefe de Governo atua nos interesses federais (âmbito interno), o Chefe de Estado fala em nome do país como um todo, incluindo União, Estados, Distrito Federal e Municípios — todos integrados sob o interesse nacional.

União x República Federativa do Brasil

É comum confundir os conceitos de União e República Federativa do Brasil, mas eles têm naturezas jurídicas distintas:

Entidade Natureza Abrangência Finalidade
União Pessoa jurídica de direito público interno Representa os interesses federais Atua dentro do território nacional
República Federativa do Brasil Estado soberano (sujeito de direito internacional público) Representa o interesse nacional Atua nas relações internacionais

A União é uma das pessoas jurídicas que compõem a República Federativa do Brasil (art. 18, CF), junto com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Já a República Federativa do Brasil é o todo, o Estado soberano que se relaciona com outras nações.

Competência internacional

Quando o Presidente da República mantém relações com Estados estrangeiros, ele o faz como Chefe de Estado, representando o Brasil soberano, e não apenas a União. Sua atuação está pautada pelo princípio da soberania, um dos fundamentos da República (art. 1º, I, CF/88).

Art. 4º, I, CF/88A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos princípios da independência nacional e da igualdade entre os Estados.

Esse princípio decorre da igualdade formal entre os Estados soberanos, consagrada também na Carta das Nações Unidas (1945), da qual o Brasil é signatário. Assim, todos os países, grandes ou pequenos, ricos ou pobres, gozam de igual dignidade jurídica perante a comunidade internacional.

Representação diplomática

A representação do Brasil no exterior é exercida por meio de missões diplomáticas e consulares.

Missões diplomáticas

Tratam de assuntos de interesse público, isto é, das relações entre Estados soberanos. São conduzidas por embaixadores e diplomatas, que representam o Estado brasileiro.

Missões consulares

Tratam de assuntos de interesse privado dos cidadãos brasileiros no exterior, como casamentos, registros civis, assistência jurídica, etc. São conduzidas por cônsules, que representam os interesses privados do Brasil em outro país.

O processo de "acreditar representantes diplomáticos"

O ato de “acreditar representantes diplomáticos” significa reconhecer formalmente o diplomata indicado por outro Estado como representante legítimo perante o governo brasileiro.

Esse processo envolve a troca de cartas credenciais, denominadas agrément (ou agreement).

  • O Estado acreditante é aquele que envia o diplomata.
  • O Estado acreditado é aquele que recebe e aceita o diplomata.

O agrément é uma manifestação de soberania, pois o Estado acreditado pode recusar o diplomata proposto, sem necessidade de justificar sua decisão.

Autorização do Senado Federal

A Constituição exige, em certos casos, a aprovação do Senado Federal para a designação de chefes de missão diplomática de caráter permanente:

Art. 52, IV, CF/88Compete privativamente ao Senado Federal aprovar, por voto secreto, após arguição em sessão secreta, a escolha dos chefes de missão diplomática de caráter permanente.

Esse dispositivo garante controle político sobre a atuação diplomática e protege o interesse nacional em questões sensíveis de política externa.

Missões diplomáticas temporárias e permanentes

  • Missões permanentes: embaixadas e consulados estabelecidos de forma contínua em outro Estado.
  • Missões temporárias: criadas para objetivos específicos (ex.: negociações pontuais, conferências, mediações). Ambas dependem de autorização do Senado Federal, em sigilo, quando envolverem interesses estratégicos da nação.

Fundamento internacional: soberania e igualdade entre os Estados

O Direito Internacional Público reconhece a soberania como o elemento essencial do Estado. Segundo a Convenção de Montevidéu (1933), o Estado é sujeito de direito internacional se possuir:

  1. População permanente;
  2. Território determinado;
  3. Governo;
  4. Capacidade de entrar em relações com outros Estados.

A capacidade de se relacionar internacionalmente é justamente o exercício da soberania previsto no art. 84, VII, da CF/88, materializado pelo Presidente da República.

Jurisprudência relevante

STF – ADI 1.480/DF

O Supremo Tribunal Federal reconheceu que as competências do Presidente da República nas relações internacionais são indelegáveis e se inserem no campo da representação soberana do Estado brasileiro, não se confundindo com as atribuições administrativas da União.

STF – MS 22.962/DF (Rel. Min. Celso de Mello)

A Corte reafirmou que o Chefe de Estado exerce, em matéria internacional, poderes de representação em nome da República Federativa do Brasil, e não apenas da União, cabendo-lhe firmar tratados, indicar diplomatas e conduzir negociações internacionais.

STF – RE 229.096/RS**

O STF reconheceu que atos do Presidente da República na condução das relações exteriores possuem natureza política, sujeitando-se a controle judicial apenas em caso de manifesta violação constitucional.