Na aula anterior, vimos que a Constituição Federal de 1988 prevê mecanismos constitucionais de resolução de crises, instrumentos destinados a restabelecer a normalidade institucional sem que se altere o texto constitucional. Esses mecanismos são três:
Hoje, trataremos do terceiro deles — a Intervenção Federal, regulada pelos arts. 34 a 36 da Constituição Federal de 1988.
A Intervenção Federal é medida excepcional, temporária e de última ratio, pela qual a União suspende a autonomia de um Estado ou de um Município localizado em território federal, com o objetivo de preservar a integridade nacional, a observância dos princípios constitucionais e o cumprimento das leis federais.
Ela representa uma exceção à forma federativa de Estado, já que, durante a intervenção, há limitação da autonomia política e administrativa do ente federado atingido.
A Intervenção Federal está disciplinada nos seguintes dispositivos:
A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:
I – manter a integridade nacional;
II – repelir invasão estrangeira ou de um Estado em outro;
III – pôr termo a grave comprometimento da ordem pública;
IV – garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação;
V – reorganizar as finanças da unidade da Federação que:
a) suspender o pagamento da dívida fundada por mais de dois anos consecutivos; b) deixar de entregar aos Municípios as receitas tributárias fixadas na Constituição;
VI – prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial;
VII – assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais sensíveis:
a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático; b) direitos da pessoa humana; c) autonomia municipal; d) prestação de contas da administração pública; e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde.
A União não pode intervir diretamente nos municípios situados em Estados, pois isso violaria a autonomia estadual. Nesses casos, cabe ao Estado intervir no respectivo Município (intervenção estadual). A União somente intervém em municípios localizados em territórios federais.
O procedimento varia conforme o motivo da intervenção:
Decretação direta pelo Presidente da República, nos casos dos incisos I, II, III e V, art. 34. → É ato discricionário e político, precedido da oitiva do Conselho da República e do Conselho de Defesa Nacional.
Por requisição do Poder Judiciário, nos casos dos incisos IV e VI, art. 34. → Aqui, o Presidente não tem discricionariedade para deixar de intervir, pois trata-se de requisição (obrigatória), e não de mero pedido.
Por representação interventiva do Procurador-Geral da República, nos casos do inciso VII, art. 34. → O PGR propõe ação de intervenção perante o STF, que, se julgar procedente, requisitará a intervenção ao Presidente da República.
Decretação
O Presidente da República decreta a intervenção.
O decreto deve especificar:
Deve ser submetido ao Congresso Nacional, que pode aprovar, modificar ou rejeitar o decreto.
Execução
Controle político e judicial
| Situação | Quem solicita | Natureza do ato | Discricionariedade do Presidente |
|---|---|---|---|
| Pedido de intervenção (Poder Executivo/Legislativo Estadual) | Pedido | Ato político | Sim, o Presidente avalia |
| Requisição do STF/STJ/TSE | Requisição | Ato vinculado | Não há discricionariedade |
| Representação interventiva (PGR → STF → Presidente) | Requisição após decisão judicial | Vinculado | Parcial (apenas tempo e modo) |
Em 2018, o então Presidente Michel Temer decretou intervenção federal na área de segurança pública do Estado do Rio de Janeiro, nomeando o General Braga Netto como interventor. O caso gerou debate sobre a necessidade de oitiva prévia do Conselho da República e do Conselho de Defesa Nacional.
O STF entendeu que a oitiva é obrigatória, mas de caráter opinativo, ou seja, não vincula a decisão presidencial (ADPF 527, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 2018).
O STF reafirmou que a intervenção é medida excepcional, de interpretação restritiva, e que deve sempre respeitar o princípio da autonomia dos entes federativos.
O Supremo reconheceu que, durante o período de intervenção, não é possível alterar a Constituição Federal, pois o regime é excepcional e visa restaurar a ordem, não reformar o texto constitucional.
Tratou da constitucionalidade do decreto de intervenção federal no Rio de Janeiro. O STF entendeu que o decreto não é passível de controle jurisdicional amplo, por se tratar de ato político, salvo evidente abuso ou desvio de finalidade.