Tratados

Dentro da estrutura constitucional brasileira, a celebração de tratados, convenções e atos internacionais é uma das competências privativas do Presidente da República, conforme dispõe o artigo 84, inciso VIII, da Constituição Federal de 1988:

Art. 84, VIII, CF/88 – Compete privativamente ao Presidente da República celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional.

Essa atribuição coloca o Chefe do Poder Executivo no centro da política externa brasileira, conferindo-lhe a função de representar o Estado nas relações internacionais e de manifestar, em nome da República Federativa do Brasil, o consentimento em obrigar-se por tratados e convenções internacionais.

Tratados, Convenções e Atos Internacionais

A expressão “tratados e convenções” é considerada redundante pela maior parte da doutrina. Ambos os termos são utilizados pela Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (1969) — ratificada pelo Brasil por meio do Decreto nº 7.030/2009 — e designam acordos internacionais celebrados por escrito entre Estados e regidos pelo Direito Internacional.

Segundo o artigo 2º, §1º, “a” da Convenção de Viena:

“Entende-se por ‘tratado’ um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer conste de um instrumento único ou de dois ou mais instrumentos conexos, e qualquer que seja sua denominação específica.”

Assim, tratado e convenção são sinônimos para fins jurídicos.

Elementos constitutivos dos tratados

Os tratados possuem elementos formais semelhantes aos dos negócios jurídicos do direito civil:

  • Forma escrita, salvo disposição em contrário (Convenção de Viena, art. 3º);
  • Partes capazes (Estados ou organizações internacionais com capacidade jurídica internacional);
  • Consentimento livre e válido das partes (Convenção de Viena, arts. 11 a 17);
  • Objeto lícito, possível e determinado.

Distinção entre tratados e declarações

  • Tratados e convenções: instrumentos juridicamente vinculantes.
  • Declarações internacionais: possuem caráter político ou programático, geralmente não vinculantes.

Exemplo de exceção: A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (1948), embora não tenham natureza de tratado, adquiriram força normativa costumeira no direito internacional contemporâneo.

Classificação dos Tratados

Os tratados podem ser classificados conforme diferentes critérios:

Quanto ao número de partes

  • Bipartite: celebrado entre dois Estados (ex.: Brasil e França);
  • Multilateral: celebrado entre vários Estados (ex.: Convenção da ONU sobre o Direito do Mar).

Quanto aos efeitos no tempo

  • Efeitos estáticos: eficácia limitada a um momento ou situação específica;
  • Efeitos dinâmicos: evoluem com o tempo, podendo ser modificados (ex.: Tratado de Assunção – MERCOSUL).

Quanto ao conteúdo

  • Tratados-lei: alteram o ordenamento jurídico interno, criando obrigações normativas (ex.: Tratado de Extradição, Convenções de Direitos Humanos).
  • Tratados-contrato: regulam interesses específicos entre Estados, sem impacto direto no direito interno (ex.: tratados de cooperação técnica ou comercial).

Relevância processual

  • As causas decorrentes de tratados-contrato são de competência exclusiva da Justiça Federal.
  • Já as causas relativas a tratados-lei podem ser processadas também pela Justiça Estadual, conforme o caso concreto.

Outras Fontes e Atos Internacionais

Além dos tratados, o Direito Internacional reconhece outras formas normativas e instrumentos complementares:

Jus Cogens (Direito Imperativo Internacional)

São normas imperativas e inderrogáveis, que prevalecem sobre qualquer tratado ou costume contrário. De acordo com o art. 53 da Convenção de Viena, um tratado é nulo se contrariar uma norma de jus cogens.

Exemplos de jus cogens:

  • Proibição da escravidão;
  • Proibição da tortura;
  • Proibição do genocídio;
  • Proibição de desaparecimento forçado.

Essas normas possuem superioridade hierárquica e somente podem ser substituídas por outra norma de jus cogens posterior.

Obrigações Erga Omnes

São obrigações devidas à comunidade internacional como um todo, e não apenas a um Estado específico. Exemplo: dever de prevenir e punir o genocídio.

Soft Law

A soft law é composta por instrumentos não vinculantes, mas que exercem pressão política e moral sobre os Estados (“power of shame”). Exemplos:

  • Princípios Orientadores da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos (2011);
  • Declarações de Conferências Internacionais (como a Rio+20).

A Aprovação dos Tratados pelo Congresso Nacional

Segundo o art. 49, inciso I, da Constituição Federal, compete exclusivamente ao Congresso Nacional:

“Resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional.”

Portanto:

  • O Presidente da República negocia e celebra o tratado (art. 84, VIII);
  • O Congresso Nacional referenda ou aprova o tratado (art. 49, I);
  • Após aprovação, o Presidente ratifica o tratado e o promulga por decreto executivo.

Tipos de Tratados quanto à submissão ao Congresso

  • Tratados sujeitos a referendo (ratificação posterior): tratados que acarretam obrigações relevantes ou gravosas;
  • Acordos executivos (executive agreements): tratam de matérias secundárias, sem ônus expressivo para o Brasil, e não dependem de aprovação congressual (ex.: memorandos de entendimento, acordos de cooperação técnica).

Denúncia de Tratados (Desligamento do Brasil)

A denúncia é o ato pelo qual o Estado se desvincula de um tratado internacional.

O Supremo Tribunal Federal entende que, se o Congresso Nacional participou da aprovação do tratado, ele também deve participar da denúncia.

Jurisprudência relevante:

  • STF, ADI 1625/DF (Rel. Min. Celso de Mello, j. 1997):

    O Congresso Nacional deve participar da denúncia de tratados cuja aprovação tenha exigido sua manifestação legislativa.

  • STF, RE 466.343/SP (Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 2008):

    Reconheceu-se que tratados internacionais de direitos humanos aprovados em dois turnos por 3/5 dos votos de cada Casa legislativa têm status de emenda constitucional (art. 5º, §3º, CF).