A Constituição Federal de 1988 prevê mecanismos específicos para lidar com situações de grave anormalidade institucional ou calamidade pública, denominados mecanismos constitucionais de resolução de crises. Esses mecanismos permitem ao Estado atuar de forma mais incisiva para preservar a ordem pública e a integridade nacional sem romper com a própria Constituição.
São três os instrumentos previstos:
Todos estão sob competência privativa do Presidente da República, conforme o art. 84, IX, da Constituição Federal.
Esses institutos não significam a suspensão da Constituição, mas a sua aplicação em regime excepcional. A doutrina costuma afirmar que, mesmo em momentos de crise, a Constituição não se suspende — ela se adapta.
Tanto o Estado de Defesa quanto o Estado de Sítio são pautados por princípios fundamentais que limitam o poder estatal:
Essas medidas só podem ser adotadas mediante procedimento constitucional estrito, com requisitos formais expressos nos arts. 136 a 141 da CF.
São medidas transitórias, vigentes por prazo determinado, renovável apenas nas hipóteses constitucionais.
Devem ser adotadas somente quando esgotados os meios ordinários de preservação da ordem, constituindo a última ratio da atuação estatal.
Art. 136, CF/88: O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, decretar o Estado de Defesa para: I – preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional; II – atingir regiões atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza.
Controle judicial: o Poder Judiciário continua a funcionar normalmente, sendo possível o ajuizamento de habeas corpus, mandado de segurança e outros remédios constitucionais para coibir abusos.
Nos termos do art. 136, §1º, CF, podem ser limitados:
Também é possível a requisição temporária de bens e serviços particulares (com indenização se houver dano), conforme o art. 5º, XXV, CF.
Art. 137, CF/88: O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, solicitar autorização ao Congresso Nacional para decretar o Estado de Sítio nos casos de: I – comoção grave de repercussão nacional ou ineficácia do Estado de Defesa; II – declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira.
Medida mais grave do que o Estado de Defesa.
Pode ter duas modalidades:
Além das restrições do Estado de Defesa, o art. 139, CF/88 prevê:
Vedação absoluta: mesmo em Estado de Defesa ou Sítio, é proibida a incomunicabilidade do preso (art. 136, §3º, IV, CF).
Durante ambos os estados:
STF, ADPF 347/DF, Rel. Min. Marco Aurélio (2015): Reafirmou que situações de grave violação a direitos fundamentais exigem atuação dentro dos limites constitucionais, não cabendo ao Executivo “autoatribuir” poderes de exceção fora do modelo previsto na CF.
STF, MS 23.452/DF, Rel. Min. Celso de Mello (1996): O Tribunal reconheceu que os remédios constitucionais não podem ser suprimidos mesmo sob regime de exceção constitucional.
Durante Estados de Exceção, o Brasil deve respeitar os tratados internacionais de direitos humanos dos quais é parte, especialmente a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica, 1969), incorporada pelo Decreto nº 678/1992.
Art. 27 da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH): Permite a suspensão de certas garantias em situações de emergência, mas proíbe a suspensão de direitos essenciais, como:
- Direito à vida (art. 4º);
- Proibição da tortura (art. 5º);
- Reconhecimento da personalidade jurídica (art. 3º);
- Liberdade de consciência e religião (art. 12);
- Princípio da legalidade e da retroatividade (art. 9º);
- Direito à nacionalidade (art. 20);
- Direitos da criança (art. 19).
Essas garantias não podem ser suspensas, mesmo durante o Estado de Defesa ou de Sítio, conforme o controle de convencionalidade reconhecido pelo STF (ex.: RE 466.343/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes).
| Elemento | Estado de Defesa | Estado de Sítio |
|---|---|---|
| Fundamento | Art. 136 CF | Arts. 137–139 CF |
| Finalidade | Calamidade natural ou grave instabilidade local | Guerra, comoção nacional ou falência do Estado de Defesa |
| Decreto presidencial | Sim, com comunicação posterior ao Congresso | Sim, com autorização prévia do Congresso |
| Duração | 30 dias + 30 | 30 dias renováveis / indeterminado (guerra) |
| Controle Legislativo | Concomitante e posterior | Prévio, concomitante e posterior |
| Direitos restringíveis | Locomoção, reunião, sigilo de comunicações | Todos os do Estado de Defesa + imprensa, residência, permanência em localidade |
| Comissão parlamentar | 5 membros do Congresso | 5 membros do Congresso |
| Incomunicabilidade do preso | Vedada | Vedada |