Nesta aula, analisaremos a complexa relação entre o Presidente da República e o Congresso Nacional no que tange ao processo legislativo, ou seja, a "atividade legiferante" (a função de criar leis).
O Congresso Nacional, como sabemos, adota o modelo bicameral, sendo formado pela Câmara dos Deputados (representantes do povo) e pelo Senado Federal (representantes dos Estados e do Distrito Federal), conforme o Art. 44 da Constituição Federal (CF/88).
Embora a função de legislar seja a atividade primordial do Parlamento, o Presidente da República participa ativamente deste processo em dois momentos cruciais:
A Constituição divide aqueles que podem propor leis (os "legitimados") em duas categorias principais, conforme uma classificação doutrinária:
O ponto que mais nos interessa é a competência privativa do Presidente. A Constituição determina que apenas ele pode iniciar o processo legislativo em certos casos.
Art. 84 da CF/88. Compete privativamente ao Presidente da República:
III - iniciar o processo legislativo, na forma e nos casos previstos nesta Constituição;
Os "casos previstos" estão detalhados no Artigo 61, § 1º, sendo o núcleo da reserva de iniciativa do Executivo.
Art. 61 da CF/88. (...)
§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:
I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;
II - disponham sobre:
a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;
b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;
c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;
d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;
e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública (...);
f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva.
Em suma: qualquer alteração na estrutura, remuneração, carreira ou regime de aposentadoria dos servidores públicos federais (Administração Direta ou Indireta) deve, obrigatoriamente, ser proposta pelo Presidente da República.
Se um Deputado ou Senador apresentar um projeto de lei sobre uma dessas matérias (por exemplo, propondo um aumento para servidores do Executivo), o processo legislativo estará "viciado".
Isso gera uma inconstitucionalidade formal, conhecida como vício de iniciativa. Mesmo que o projeto seja aprovado pelo Congresso e sancionado pelo Presidente da República, ele continuará inconstitucional. O STF entende que a sanção presidencial não "cura" o vício de origem.
Jurisprudência (ADI 3.394/DF): O STF declarou a inconstitucionalidade de uma lei, de origem parlamentar, que tratava da remuneração de militares. O Tribunal reafirmou que a matéria é de iniciativa privativa do Chefe do Executivo (Art. 61, § 1º, "f"), configurando um vício formal insanável.
Uma lei não nasce pronta. Ela passa por uma "gestação":
Durante a tramitação, a proposta é classificada conforme sua matéria, o que define o rito de aprovação:
Jurisprudência (RE 377.457/PR): O STF há muito tempo pacificou o entendimento de que não existe hierarquia entre Lei Complementar e Lei Ordinária. A diferença entre elas não é de superioridade, mas sim de campo de atuação (matéria) e de rito de aprovação (quorum). Uma não pode invadir o campo da outra.
O Presidente da República também pode apresentar uma PEC (Art. 60, I). Contudo, o poder de emenda é limitado pelas Cláusulas Pétreas, que não podem ser abolidas (restringidas):
Art. 60 da CF/88. (...)
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais.
Após a aprovação pelo Congresso, o projeto segue para o Presidente da República, onde ocorre a distinção mais importante:
O projeto é enviado ao Presidente, que pode sancionar (aprovar) ou vetar (rejeitar, total ou parcialmente) (Art. 66).
Uma PEC aprovada pelo Congresso (em dois turnos, por 3/5 dos votos em cada Casa) não passa pelo Presidente da República.
O Presidente da República não sanciona, não veta e não promulga uma Emenda Constitucional.
Art. 60 da CF/88. (...)
§ 3º A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem.