Intodução ao Proc. Legislativo

Nesta aula, analisaremos a complexa relação entre o Presidente da República e o Congresso Nacional no que tange ao processo legislativo, ou seja, a "atividade legiferante" (a função de criar leis).

O Congresso Nacional, como sabemos, adota o modelo bicameral, sendo formado pela Câmara dos Deputados (representantes do povo) e pelo Senado Federal (representantes dos Estados e do Distrito Federal), conforme o Art. 44 da Constituição Federal (CF/88).

Embora a função de legislar seja a atividade primordial do Parlamento, o Presidente da República participa ativamente deste processo em dois momentos cruciais:

  1. Na fase inicial (Fase Introdutória): Apresentando projetos de lei.
  2. Na fase final (Fase de Deliberação Executiva): Ao sancionar (aprovar) ou vetar (rejeitar) os projetos aprovados pelo Congresso.

A Iniciativa das Leis: Quem Pode Propor?

A Constituição divide aqueles que podem propor leis (os "legitimados") em duas categorias principais, conforme uma classificação doutrinária:

  • Legitimados Universais: Podem propor leis sobre quaisquer assuntos de competência da União, desde que não sejam de iniciativa privativa de outro poder. O Presidente da República é um legitimado universal, assim como os Deputados, Senadores e Comissões do Congresso (Art. 61, caput).
  • Legitimados Temáticos (ou Específicos): Só podem propor leis sobre assuntos vinculados às suas áreas de atuação. Por exemplo, o Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e os Tribunais Superiores só podem propor leis sobre a organização do Poder Judiciário (Art. 96, II).

A Competência Privativa do Presidente

O ponto que mais nos interessa é a competência privativa do Presidente. A Constituição determina que apenas ele pode iniciar o processo legislativo em certos casos.

Art. 84 da CF/88. Compete privativamente ao Presidente da República:

III - iniciar o processo legislativo, na forma e nos casos previstos nesta Constituição;

Os "casos previstos" estão detalhados no Artigo 61, § 1º, sendo o núcleo da reserva de iniciativa do Executivo.

Art. 61 da CF/88. (...)

§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;

II - disponham sobre:

a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;

e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública (...);

f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva.

Em suma: qualquer alteração na estrutura, remuneração, carreira ou regime de aposentadoria dos servidores públicos federais (Administração Direta ou Indireta) deve, obrigatoriamente, ser proposta pelo Presidente da República.

Jurisprudência: O Vício de Iniciativa

Se um Deputado ou Senador apresentar um projeto de lei sobre uma dessas matérias (por exemplo, propondo um aumento para servidores do Executivo), o processo legislativo estará "viciado".

Isso gera uma inconstitucionalidade formal, conhecida como vício de iniciativa. Mesmo que o projeto seja aprovado pelo Congresso e sancionado pelo Presidente da República, ele continuará inconstitucional. O STF entende que a sanção presidencial não "cura" o vício de origem.

Jurisprudência (ADI 3.394/DF): O STF declarou a inconstitucionalidade de uma lei, de origem parlamentar, que tratava da remuneração de militares. O Tribunal reafirmou que a matéria é de iniciativa privativa do Chefe do Executivo (Art. 61, § 1º, "f"), configurando um vício formal insanável.

Propositura e Quóruns

Uma lei não nasce pronta. Ela passa por uma "gestação":

  1. Propositura Legislativa: A "ideia" inicial (o projeto de lei) é apresentada.
  2. Deliberação Parlamentar: A proposta tramita nas Comissões (temáticas e de Constituição e Justiça - CCJ) e, em regra, é votada pelo Plenário das duas Casas (Câmara e Senado).
  3. Projeto de Lei: Se aprovada pelas duas Casas, a propositura se transforma em um "Projeto de Lei" e é enviada ao Presidente.

Durante a tramitação, a proposta é classificada conforme sua matéria, o que define o rito de aprovação:

Lei Ordinária (LO)

  • Critério: Residual. Tudo o que deve ser tratado por lei, mas que a Constituição não exigiu expressamente uma Lei Complementar, será uma Lei Ordinária.
  • Quórum de Aprovação: Maioria Relativa (ou Simples). Ou seja, a maioria dos votos dos parlamentares presentes no dia da votação, desde que a sessão tenha sido iniciada com a maioria absoluta dos membros da Casa (Art. 47 da CF/88).

Lei Complementar (LC)

  • Critério: Material. Trata de assuntos específicos que a Constituição expressamente determinou que fossem regulamentados por LC (ex: normas gerais de Direito Tributário, Art. 146).
  • Quórum de Aprovação: Maioria Absoluta. Ou seja, o voto favorável da maioria total dos membros da Casa (ex: 257 Deputados e 41 Senadores), independentemente de quantos estejam presentes no dia (Art. 69 da CF/88).

Jurisprudência (RE 377.457/PR): O STF há muito tempo pacificou o entendimento de que não existe hierarquia entre Lei Complementar e Lei Ordinária. A diferença entre elas não é de superioridade, mas sim de campo de atuação (matéria) e de rito de aprovação (quorum). Uma não pode invadir o campo da outra.

Proposta de Emenda à Constituição (PEC)

O Presidente da República também pode apresentar uma PEC (Art. 60, I). Contudo, o poder de emenda é limitado pelas Cláusulas Pétreas, que não podem ser abolidas (restringidas):

Art. 60 da CF/88. (...)

§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I - a forma federativa de Estado;

II - o voto direto, secreto, universal e periódico;

III - a separação dos Poderes;

IV - os direitos e garantias individuais.

Promulgação e Veto

Após a aprovação pelo Congresso, o projeto segue para o Presidente da República, onde ocorre a distinção mais importante:

Leis Ordinárias e Complementares

O projeto é enviado ao Presidente, que pode sancionar (aprovar) ou vetar (rejeitar, total ou parcialmente) (Art. 66).

  • Se sancionar, ele deve promulgar a lei. A promulgação é o ato que atesta a existência da lei e ordena sua execução.

Propostas de Emenda à Constituição (PEC)

Uma PEC aprovada pelo Congresso (em dois turnos, por 3/5 dos votos em cada Casa) não passa pelo Presidente da República.

O Presidente da República não sanciona, não veta e não promulga uma Emenda Constitucional.

Art. 60 da CF/88. (...)

§ 3º A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem.