Organização da Administração

O estudo da organização da administração pública federal está diretamente ligado às competências privativas do Presidente da República, especialmente aquelas previstas no art. 84, incisos VI, “a” e “b” da Constituição Federal de 1988.

Essas competências permitem ao Chefe do Poder Executivo dispor, mediante decreto, sobre a organização e o funcionamento da administração pública federal, dentro de limites constitucionais bem definidos, garantindo a eficiência administrativa e a separação de poderes.

Base Constitucional

O art. 84 da CF/88 estabelece as competências privativas do Presidente da República. Para o tema desta aula, interessam especialmente os seguintes dispositivos:

Compete privativamente ao Presidente da República: VI – dispor, mediante decreto, sobre: a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos; b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos.

Administração Direta e Indireta

Antes de compreender o alcance desses dispositivos, é essencial recordar a estrutura da administração pública federal.

Administração Direta

É o conjunto de órgãos integrados à estrutura da União, sem personalidade jurídica própria, que exercem atribuições do Poder Executivo. São os ministérios, secretarias, departamentos, autarquias subordinadas, entre outros.

Exemplo: Presidência da República, Ministérios, Advocacia-Geral da União, Controladoria-Geral da União.

Administração Indireta

É composta por entidades com personalidade jurídica própria, criadas para descentralizar atividades estatais, podendo ser de direito público ou direito privado:

Tipo Natureza Jurídica Exemplo
Autarquias Direito público INSS, IBAMA
Fundações Públicas Direito público ou privado FUNAI, Fiocruz
Empresas Públicas Direito privado Correios
Sociedades de Economia Mista Direito privado Petrobras, Banco do Brasil

Desconcentração e Descentralização

Esses dois conceitos explicam como o Estado organiza e distribui suas funções administrativas.

Desconcentração

É o repasse interno de competências dentro de uma mesma pessoa jurídica. Ocorre, portanto, no interior da União, criando órgãos — que não têm personalidade jurídica própria, mas exercem atribuições em nome do ente central.

Exemplo: dentro do Ministério da Economia, há secretarias e departamentos especializados.

Descentralização

É a transferência de execução de atividades do Estado para outras pessoas jurídicas, dotadas de autonomia administrativa. A descentralização pode ser:

  • Por serviço (ou funcional) → criação de autarquias e fundações.
  • Por colaboração → concessão, permissão ou autorização a particulares.

Exemplo: a União descentraliza o serviço postal à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (empresa pública).

  • A desconcentração ocorre dentro da mesma pessoa jurídica;
  • A descentralização ocorre entre pessoas jurídicas distintas.

Uma autarquia (entidade descentralizada) pode também se desconcentrar internamente, criando seus próprios órgãos — como conselhos ou departamentos.

O Decreto e o Poder Regulamentar

O decreto presidencial é um ato normativo secundário que complementa e especifica a lei, garantindo sua execução prática. Ele decorre do poder regulamentar, que é uma competência administrativa do Presidente.

Fundamento:

Art. 84, IV, CF/88:

Compete privativamente ao Presidente da República sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução.

Tipos de decreto:

Tipo Fundamento Finalidade
Decreto regulamentar (art. 84, IV) Complementar a lei Executar a lei, detalhar procedimentos
Decreto autônomo (art. 84, VI, “a” e “b”) Dispor diretamente sobre matérias constitucionais Organizar a administração pública sem lei prévia (dentro de limites)

Limites do Decreto Autônomo

O Presidente pode editar decretos autônomos, mas não de forma irrestrita. A Constituição impõe dois limites centrais:

Limite Explicação
Sem aumento de despesa O decreto não pode criar impacto orçamentário. Alterações que impliquem aumento de gastos exigem lei formal.
Sem criação ou extinção de órgãos públicos O decreto não pode alterar a estrutura orgânica da administração. Essa competência depende de lei de iniciativa privativa do Presidente (art. 61, §1º, II, “e”).

Extinção de Cargos e Funções Vagos

A alínea “b” do inciso VI do art. 84 autoriza o Presidente a extinguir cargos ou funções públicas quando vagos, por decreto.

  • Cargos vagos são aqueles sem ocupante, portanto sem ônus financeiro.
  • Extingui-los não gera aumento de despesa, logo não requer lei.
  • Já a criação de cargos ou funções, ou a extinção de cargos ocupados, depende de lei.

Cargos x Funções:

Categoria Características Exemplo
Cargo público efetivo Vinculado a servidor concursado, com estabilidade Analista da Receita Federal
Cargo em comissão Livre nomeação e exoneração, sem estabilidade Chefe de gabinete
Função de confiança Destinada a servidores efetivos para direção, chefia ou assessoramento Coordenador de departamento

Necessidade de Lei e Iniciativa Privativa

Quando a alteração na estrutura da administração implicar aumento de despesa, criação ou extinção de órgãos públicos, será indispensável lei formal, de iniciativa privativa do Presidente da República.

Fundamento:

Art. 61, §1º, II, “e”, CF/88:

São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que: dispõem sobre a criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública.

Doutrina

  • José dos Santos Carvalho Filho:

    “O poder regulamentar é a faculdade conferida ao Chefe do Executivo de detalhar o conteúdo da lei, tornando-a exequível. Já o decreto autônomo é exceção, admitido apenas nos casos expressamente previstos na Constituição.”

  • Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

    “A organização e o funcionamento da Administração Pública Federal podem ser disciplinados por decreto, desde que não envolvam criação ou extinção de órgãos, nem aumento de despesa.”

  • Alexandre de Moraes:

    “O decreto autônomo introduzido pela Constituição de 1988 é manifestação direta do poder normativo do Executivo, dentro de hipóteses taxativamente delimitadas pelo texto constitucional.”

Jurisprudência do STF

ADI 2.138/DF (Rel. Min. Sydney Sanches, 2002)

O STF reconheceu a validade dos decretos autônomos, mas enfatizou que somente podem tratar das hipóteses expressamente previstas no art. 84, VI, “a” e “b” da CF. Qualquer ampliação dessa competência configuraria violação ao princípio da legalidade.

MS 26.547/DF (Rel. Min. Cármen Lúcia, 2008)

O Tribunal entendeu que a criação ou extinção de órgãos públicos exige lei formal, ainda que o ato tenha partido de decreto presidencial.

ADI 6.828/DF (Rel. Min. Rosa Weber, 2021)

O STF reiterou que a reorganização administrativa via decreto só é legítima se não implicar aumento de despesa ou criação/extinção de órgãos, reforçando os limites do poder regulamentar autônomo.