Indulto e comutação

Dentro do estudo do Direito Constitucional Penal, um dos temas mais importantes é a análise dos instrumentos de clemência estatal, ou seja, mecanismos pelos quais o Estado renuncia total ou parcialmente ao exercício do jus puniendi.

Esses instrumentos são:

  • Indulto,
  • Graça, e
  • Anistia.

Todos têm como consequência a extinção da punibilidade, mas com alcances diferentes.

A Constituição Federal, no art. 84, XII, estabelece que compete privativamente ao Presidente da República:

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: (...) XII – conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei.

Indulto

Conceito e Natureza Jurídica

O indulto é uma forma de clemência coletiva, concedida por decreto presidencial, que extingue a punibilidade ou reduz a pena dos condenados que se enquadram nas condições estabelecidas no decreto.

Encontra-se previsto no art. 107, II, do Código Penal (CP):

Art. 107 – Extingue-se a punibilidade: (...) II – pela anistia, graça ou indulto;

Dessa forma, o indulto é uma hipótese de extinção da punibilidade, semelhante à graça e à anistia, mas com alcance coletivo (enquanto a graça é individual).

Efeitos do Indulto

A sentença penal condenatória gera três tipos de efeitos:

  1. Efeito penal primário: → A imposição da pena (privativa de liberdade, restritiva de direitos ou multa).

  2. Efeitos penais secundários:Reincidência, → Impossibilidade de concessão de benefícios que exigem bons antecedentes (ex.: sursis ou suspensão condicional do processo), → Interrupção ou início de prazos prescricionais (prescrição da pretensão executória).

  3. Efeitos extrapenais:Perda do cargo público, do poder familiar, da CNH, ou outras consequências legais previstas em normas específicas (ex.: Lei de Drogas, Lei de Falências).

O indulto atinge apenas o efeito primário da sentença penal condenatória — ou seja, a pena —, sem eliminar os efeitos penais secundários e extrapenais.

Exemplo: O condenado beneficiado com o indulto é liberado do cumprimento da pena, mas permanece reincidente, mantém as restrições extrapenais e não se apaga o registro da condenação.

Distinção entre Indulto e Graça

Aspecto Indulto Graça
Natureza Coletiva Individual
Forma Decreto presidencial com alcance geral Decreto presidencial com alcance específico
Efeitos Extingue a pena (efeito primário) Extingue a pena (efeito primário)
Competência Presidente da República (CF, art. 84, XII) Presidente da República (CF, art. 84, XII)

Anistia

A anistia, diferentemente do indulto e da graça, não é ato do Poder Executivo, mas do Poder Legislativo, mediante lei específica.

Art. 48, VIII, CF: Compete ao Congresso Nacional: (...) VIII – conceder anistia.

A anistia apaga o crime, extinguindo todos os efeitos penais primários e secundários, inclusive a reincidência e as restrições a benefícios.

No entanto, não elimina os efeitos extrapenais automáticos decorrentes de legislações específicas, a menos que a lei da anistia expressamente o determine.

Comutação de Penas

A comutação de penas é o ato de substituir uma pena imposta por outra menos severa, também concedido pelo Presidente da República, conforme o art. 84, XII, CF.

Pode ocorrer, por exemplo, reduzindo a pena privativa de liberdade ou convertendo-a em restritiva de direitos, conforme os critérios definidos em decreto presidencial.

Comutação x Detração

  • Comutação: → Substituição de pena definitiva por outra definitiva, por ato de clemência. → Exemplo: redução de 20 anos para 10 anos de reclusão.

  • Detração (art. 42 do CP):Desconto do tempo de prisão processual (preventiva ou temporária) do total da pena. → Exemplo: o condenado a 10 anos que ficou 2 anos preso preventivamente cumpre apenas 8 anos após a sentença.

Jurisprudência Relevante

STF – ADPF 347 MC (2015)

O STF reconheceu o estado de coisas inconstitucional no sistema penitenciário brasileiro e afirmou a importância do indulto como mecanismo constitucional de redução da superlotação carcerária.

STF – ADI 5874 (Indulto de Natal de 2017)

O STF confirmou a ampla discricionariedade do Presidente da República na concessão de indulto, entendendo que se trata de ato político e de natureza constitucional, não sujeito à interferência judicial, salvo abuso manifesto.

STF – HC 193.726/DF (2022)

O STF reconheceu a validade do indulto individual (graça) concedido ao deputado Daniel Silveira, reforçando que a concessão é competência exclusiva do Presidente da República, e o Poder Judiciário não pode revisar o mérito político da decisão, apenas sua regularidade formal.

STJ – HC 294.481/SP (2014)

A concessão do indulto extingue a punibilidade, mas não apaga os efeitos secundários da condenação, como a reincidência.

STJ – AgRg no HC 699.797/SP (2022)

A comutação de pena é ato de natureza discricionária do Presidente da República, não sendo direito subjetivo do condenado.