Introdução à Prescrição
Conceito
Sabemos que quando uma infração penal ocorre nasce para o Estado seu direito de punir, ou seja, o Estado passa a ter pretensão punitiva.
Esse ius puniendi não pode se eternizar. Por isso, o próprio Estado estabelece critérios que limitam seu exercício.
Levando em consideração a gravidade da conduta delituosa e da sanção correspondente, o Estado fixa um prazo. Dentro desse lapso temporal o Estado estará legitimado a aplicar a sanção penal adequada. Quando esse prazo fixado em lei termina, observadas causas que o modificam, o direito estatal à punição do infrator prescreve.
Assim, a prescrição é conceituada como a perda do direito de punir do Estado, pelo decurso de tempo, em razão do seu não exercício, dentro do prazo previamente fixado.
Fundamentos
Existem fundamentos políticos para a legitimidade da prescrição.
Um desses fundamentos é a ideia de que o decurso do tempo leva ao esquecimento do fato criminoso. Por essa razão, quando já decorreu determinado período de tempo da prática do crime, sem sua repressão, cessando a exigência de uma reação, por parte do Estado, contra o delito.
Também se fala que o decurso do tempo leva à recuperação do agente criminoso, pois com a inércia do Estado, a pena perde seu fundamento. É por esse motivo que nosso Código Penal interrompe a prescrição da pretensão executória pela reincidência, entendendo que o passar do tempo não foi capaz de regenerar o indivíduo infrator.
Outro fundamento é de que o Estado deve arcar com sua inércia. Aqui, a prescrição funciona como um obstáculo à ineficiência estatal no exercício de seu direito de punir, assim como atua como elemento de segurança jurídica para o sujeito que pratica um delito.
Pode-se mencionar ainda o enfraquecimento das provas pelo decurso do tempo.
Natureza jurídica
A prescrição é causa de extinção da punibilidade, conforme art. 107, IV, CP.
É matéria de ordem pública. Portanto, pode ser alegada e reconhecida em qualquer grau de jurisdição, inclusive de ofício pelo juiz.
Vale dizer que a prescrição é instituto de direito material no Brasil, contando-se o dia do seu início.
A prescrição é uma preliminar de mérito. Isso significa que ocorrida a prescrição, o juiz não poderá enfrentar o mérito.
Imprescritibilidade
A regra é a prescritibilidade. Porém, a Constituição Federal declarou que são imprescritíveis a prática do racismo e a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (art. 5º, XLII e XLIV).
Sobre os crimes contra o Estado Democrático de Direito, importante mencionar que a Lei n. 7.170/83, antiga Lei de Segurança Nacional, foi revogada pela Lei n. 14.197/2021, que acrescentou ao Código Penal tais delitos.
Lembrando as aulas passadas, a Lei n. 14.197/21 não ocasionou a abolitio criminis de todas as condutas típicas dispostas na Lei n. 7.170/83, ocorrendo continuidade normativo-típica em alguns casos, conforme julgado do STF sobre o caso do ex-Deputado Federal Daniel Silveira:
Ementa: AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. DEPUTADO FEDERAL. NÃO INCIDÊNCIA DE LIBERDADE DE EXPRESSÃO OU DE IMUNIDADE PARLAMENTAR (ART. 53, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL) NAS HIPÓTESES DE PROPAGAÇÃO DE DISCURSOS DE ÓDIO, IDÉIAS CONTRÁRIAS À ORDEM CONSTITUCIONAL E AO ESTADO DE DIREITO. INEXISTÊNCIA DE ABOLITIO CRIMINIS. DEMONSTRAÇÃO INEQUÍVOCA DA MATERIALIDADE E DA AUTORIA DELITIVAS. CONDENAÇÃO PELOS DELITOS PREVISTOS NO ART. 18 DA LEI 7.170/83 (ULTRATIVIDADE BENÉFICA) – CONTINUIDADE NORMATIVO-TÍPICA COM O ART. 359-L DO CÓDIGO PENAL – E ART. 344 DO CÓDIGO PENAL. PRELIMINARES AFASTADAS. AÇÃO PENAL JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE. SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS ENQUANTO DURAREM OS EFEITOS DA CONDENAÇÃO (ART. 15, III, DA CF/88). PERDA DO MANDATO PARLAMENTAR (ART. 55, VI E § 2º, DA CF/88 E ART. 92 DO CÓDIGO PENAL). (...) 6. Inexistência de abolitio criminis das figuras típicas previstas na Lei 7.170/83, pois a evolução legislativa produzida pelo Congresso Nacional em defesa da Democracia, do Estado de Direito e de suas Instituições efetuou o fenômeno jurídico conhecido como “continuidade normativo-típica”, estabelecendo na nova lei as elementares dos tipos penais utilizados pelo Ministério Público no momento do oferecimento da denúncia; mantendo, dessa forma, as condutas descritas no campo da ilicitude penal.
(AP 1044, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 20/04/2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-121 DIVULG 22-06-2022 PUBLIC 23-06-2022)
Também precisamos nos atentar para os crimes de racismo, previstos na Lei n. 7.716/89.
STJ e STF entendem que a injúria racial, prevista no art. 140, §3º, do CP, também é imprescritível, pois configura espécie do gênero racismo. Vejamos a ementa da decisão proferida pelo Supremo:
Ementa: HABEAS CORPUS. MATÉRIA CRIMINAL. INJÚRIA RACIAL (ART. 140, § 3º, DO CÓDIGO PENAL). ESPÉCIE DO GÊNERO RACISMO. IMPRESCRITIBILIDADE. DENEGAÇÃO DA ORDEM. 1. Depreende-se das normas do texto constitucional, de compromissos internacionais e de julgados do Supremo Tribunal Federal o reconhecimento objetivo do racismo estrutural como dado da realidade brasileira ainda a ser superado por meio da soma de esforços do Poder Público e de todo o conjunto da sociedade. 2. O crime de injúria racial reúne todos os elementos necessários à sua caracterização como uma das espécies de racismo, seja diante da definição constante do voto condutor do julgamento do HC 82.424/RS, seja diante do conceito de discriminação racial previsto na Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial. 3. A simples distinção topológica entre os crimes previstos na Lei 7.716/1989 e o art. 140, § 3º, do Código Penal não tem o condão de fazer deste uma conduta delituosa diversa do racismo, até porque o rol previsto na legislação extravagante não é exaustivo. 4. Por ser espécie do gênero racismo, o crime de injúria racial é imprescritível. 5. Ordem de habeas corpus denegada.
(HC 154248, Relator(a): EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 28/10/2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-036 DIVULG 22-02-2022 PUBLIC 23-02-2022)
Prescrição e decadência: quais as semelhanças e diferenças?
Prescrição e decadência se assemelham, porque os dois institutos ocasionam a extinção da punibilidade do agente, conforme art. 107, IV, do CP.
Também se parecem na ideia de que ambas geram a perda de um direito, em razão do decurso do tempo.
São diferentes quanto à ação penal. A prescrição pode ocorrer em todas as espécies de ação penal. Por sua vez, a decadência ocorre apenas nas ações penais privadas e nas ações penais públicas condicionadas à representação.
A prescrição pode ocorrer a qualquer tempo, enquanto a decadência apenas ocorre antes de iniciada a ação penal privada ou condicionada à representação do ofendido.
Quanto à afetação do direito, temos que a prescrição afeta diretamente o ius puniendi do Estado. Já a decadência afeta diretamente o direito de ação que o ofendido possui, atingindo apenas indiretamente, de forma mediata, o direito de punir do Estado.