Abolitio Criminis
Conceito
Toda lei nova que descriminalizar o fato praticado pelo agente extingue o próprio crime.
Assim, como consequência, se iniciado o processo, este não prossegue; se já houver condenação, a sentença deve ser rescindida.
O fundamento constitucional da abolitio criminis está disposto no art. 5º, XL:
Art. 5º (...)
XL – a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;
O Código Penal destrincha melhor:
Art. 2º - Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória.
Parágrafo único - A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado.
A retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso implica na extinção de todos os efeitos penais, até mesmo a reincidência (art. 2º, caput, CP). Os efeitos extrapenais, no entanto, são mantidos.
Exemplo recente de abolitio criminis que tem sido cobrado bastante em provas aconteceu com a publicação da Lei n. 13.654/2018, que alterou o Código Penal. Antes dessa lei de 2018, o crime de roubo circunstanciado em razão da violência ou da grave ameaça ser exercida com emprego de arma abrangia arma de fogo e arma branca. Ocorre que com a publicação da Lei n. 13.654/2018, o inciso que trazia a previsão genérica arma, entendida pela jurisprudência como arma de fogo e arma branca, foi revogado. Ainda, essa lei incluiu inciso prevendo aumento de pena para o crime de roubo quando a violência ou a grave ameaça é exercida com emprego de arma de fogo. Perceberam? Com o advento da Lei n. 13.654/2018 o roubo praticado com arma branca não era mais roubo circunstanciado, mas roubo simples! Isso porque o inciso acrescentado dispôs exclusivamente sobre arma de fogo.
Podemos dizer, então, que com a Lei n. 13.654/2018 houve abolitio criminis do emprego de arma branca no delito de roubo, o que majorava sua pena.
Vejamos a jurisprudência sobre o assunto:
RECURSO ESPECIAL. ROUBO MAJORADO. PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO ENTRE A DENÚNCIA E A SENTENÇA. OFENSA. NÃO OCORRÊNCIA. DESCRIÇÃO. ROUBO CONSUMADO. POSSE MANSA E PACÍFICA. DESNECESSIDADE. RECURSO PROVIDO. (…) 5.Extrai-se dos autos, ainda, que o delito foi praticado com emprego de arma branca, situação não mais abrangida pela majorante do roubo, cujo dispositivo de regência foi recentemente modificado pela Lei n. 13.654/2018, que revogou o inciso I do § 2º do art. 157 do Código Penal. 6 . Diante da abolitio criminis promovida pela lei mencionada e tendo em vista o disposto no art. 5º, XL, da Constituição Federal, de rigor a aplicação da novatio legis in mellius, excluindo-se a causa de aumento do cálculo dosimétrico. 7. Recurso provido para reconhecer a forma consumada do delito de roubo, com a concessão de ordem de habeas corpus de ofício para readequação da pena.
(REsp n. 1.519.860/RJ, relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 17/5/2018, DJe de 25/5/2018.)
Mas atenção, com a Lei n. 13.964/2019, conhecida popularmente como Pacote Anticrime, o emprego de arma branca volta a ser circunstância que autoriza o aumento de pena do crime de roubo (art. 157, §2º, VII, CP).
Princípio da Continuidade Normativo Típica
O princípio da continuidade normativa típica acontece quando uma norma penal é revogada, mas a mesma conduta que estava nela descrita continua sendo crime no tipo penal revogador. Isso significa que a infração penal continua sendo crime, somente mudando de lugar, porque tipificada em outro dispositivo.
Para entendermos melhor esse fenômeno, voltemos ao caso da Lei n. 13.654/2018, que alterou o CP. Como já explicado, essa lei de 2018 provocou abolitio criminis quanto ao roubo circunstanciado pela violência ou grave ameaça ser exercida com emprego de arma branca. Assim, o roubo praticado com uma faca durante a vigência da Lei n. 13.654/2018 não era mais roubo majorado, mas roubo simples.
Falamos também que o inciso acrescentado por essa legislação de 2018 dispôs exclusivamente sobre arma de fogo. Nessa parte houve continuidade normativo típica, pois o roubo praticado com emprego de arma de fogo já era roubo circunstanciado antes da Lei n. 13.654/2018, e após ela, continuou sendo roubo majorado, mas em outro parágrafo do art. 157, CP.
Para melhor fixação do conteúdo sobre essa situação específica, vejamos a tabela abaixo:
Antes da Lei n. 13.654/2018 | Depois da Lei n. 13.654/2018 até a Lei n. 13.964/2019 |
Depois da Lei n. 13.964/2019 até os dias atuais |
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Arma de fogo e arma branca eram causas de aumento de pena. |
Arma branca não é mais causa de aumento de pena. Arma de fogo continua sendo causa de aumento de pena. |
Arma de fogo e arma de fogo são causas de aumento de pena. |
O aumento era de 1/3 até metade. | O emprego de arma de fogo aumenta a pena em 2/3. |
Para o emprego de arma de fogo, aumenta-se a pena em 2/3. Para o emprego de arma branca, aumenta-se a pena de 1/3 até metade. |
Abolitio Criminis Temporária, descriminalização temporária ou vacatio legis indireta
Pode acontecer da lei nova descriminalizar apenas temporariamente a conduta tipificada como crime. Exemplo muito comentado ocorreu em 2003, com o advento do Estatuto do Desarmamento.
Com o objetivo de estimular a regularização das armas de fogo existentes no país, a Lei n. 10.826/2003 trouxe a possibilidade para aqueles que tinham armas ilegais de resolver tal situação (art. 30).
Inicialmente, o Estatuto estabeleceu que os possuidores e proprietários de arma de fogo de uso permitido não registradas tinham um prazo de 180 dias após a publicação da Lei, em 23 de dezembro de 2003 para solicitar o registro da arma. Se a arma tivesse sua numeração raspada ou fosse de uso restrito e, por isso, não pudesse ser regularizada, a pessoa tinha a opção de entregá-la à Polícia Federal, recebendo indenização.
Durante esse período, a pessoa que era encontrada em sua casa ou em seu trabalho com uma arma de fogo de uso permitido ou de uso restrito não cometia os crimes do Estatuto do Desarmamento. Vale anotar que esse período inicial foi estendido por várias medidas provisórias convertidas em lei. A posse irregular de arma de fogo de uso permitido, por exemplo, foi descriminalizada temporariamente por bastante tempo.
Norma penal em branco
Algumas normas penais incriminadoras são incompletas, com preceitos genéricos ou indeterminados. Por essa razão, elas precisam da complementação de outras normas, sendo conhecidas como normas penais em branco.
Um exemplo clássico de norma penal em branco é a Lei n. 11.343/2006, nossa Lei de Drogas. As substâncias consideradas ilícitas e, portanto, aptas a tipificar os crimes previstos na Lei de Drogas, estão elencadas em Portaria da Secretaria de Vigilância em Saúde (n. 344/1998), atualizada periodicamente.
Aqui, fiquemos atentos, pois se uma substância não mais constar como ilícita na Portaria SVS/MS n. 344/1998, o indivíduo que, por exemplo, estiver cumprindo pena privativa de liberdade por tráfico de drogas (art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006), porque vendia tal matéria, deverá ter sua situação reavaliada, para fins de extinção da punibilidade, já que vender aquela substância não é mais considerado fato criminoso.