Prescrição da Pretensão Punitiva

Introdução

Já vimos que a prescrição é a perda do direito de punir do Estado, pelo decurso de tempo, em razão do seu não exercício, dentro do prazo previamente fixado. Quando falamos da prescrição da pretensão punitiva (PPP) temos que ter em mente uma prescrição que só ocorre antes da sentença penal transitar em julgado. A PPP tem como resultado a eliminação de todos os efeitos do crime, como se este nunca tivesse existido. 

Espécies 

Existem 3 espécies de prescrição da pretensão punitiva (PPP):

  1. Prescrição da pretensão punitiva propriamente dita ou abstrata
  2. Prescrição da pretensão punitiva intercorrente, superveniente ou subsequente
  3. Prescrição da pretensão punitiva retroativa

Prescrição da pretensão punitiva abstrata ou propriamente dita

Essa PPP recebe o nome de abstrata, porque ainda não existe uma pena concretizada na sentença. O prazo da PPP propriamente dita é regulado pela pena máxima cominada ao delito abstratamente, segundo o art. 109 do Código Penal. 

Vejamos a tabela do art. 109, CP: 

Art. 109.  A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1o do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se: (Redação dada pela Lei nº 12.234, de 2010).

I - em vinte anos, se o máximo da pena é superior a doze;

II - em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze;

III - em doze anos, se o máximo da pena é superior a quatro anos e não excede a oito;

IV - em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois anos e não excede a quatro;

V - em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois;

VI - em 3 anos, se o máximo da pena é inferior a 1 ano. (Redação dada pela Lei nº 12.234, de 2010).

Parágrafo único - Aplicam-se às penas restritivas de direito os mesmos prazos previstos para as privativas de liberdade.  

Assim, o crime de furto simples, que tem pena máxima abstrata de 4 anos, segundo art. 155, caput, do CP, prescreve em 8 anos, conforme art. 109, IV, CP. 

Mas devemos nos atentar às causas de aumento e de diminuição obrigatórias, pois elas devem ser incluídas na pena máxima cominada abstratamente ao delito, para fins de PPP abstrata. 

Aqui, as majorantes do concurso formal próprio e do crime continuado não entram em jogo, pois a prescrição é calculada sobre a pena máxima abstrata de cada um dos crimes, isoladamente (art. 119, CP). 

Também devemos lembrar das causas que reduzem os prazos prescricionais pela metade, quais sejam, menoridade relativa e senilidade (art. 115, CP). 

Prescrição da pretensão punitiva intercorrente, superveniente ou subsequente

Na PPP intercorrente se utiliza a pena aplicada concretamente na sentença condenatória, com exceção da majoração em razão de concurso formal próprio e crime continuado. 

Essa prescrição dirige-se para o futuro, para períodos posteriores à sentença condenatória ainda passível de recurso. 

A PPP superveniente começa a correr a partir da sentença condenatória, até o trânsito em julgado para acusação e defesa. 

Ela só será calculada depois de verificado que não ocorreu a PPP abstrata e a PPP retroativa. 

Ainda, essa espécie de PPP pressupõe sentença condenatória e trânsito em julgado para a acusação ou que seu recurso seja improvido, ou seja, o recurso da acusação não foi acatado. 

As causas redutoras do prazo prescricional do art. 115, CP, também devem ser observadas. 

Prescrição da pretensão punitiva retroativa 

A PPP retroativa leva em consideração a pena aplicada, in concreto, na sentença que condena, assim como a PPP intercorrente. Recebe o nome de retroativa porque é contada para trás. 

Tem por fundamento o princípio da pena justa. Isso significa que se utiliza a pena efetivamente aplicada na sentença, porque, ausente recurso da acusação ou improvido este, era essa a pena, desde a prática da infração penal, a necessária e suficiente naquele caso concreto, devendo servir, então, como parâmetro para a prescrição. 

Dessa pena efetivamente aplicada na sentença, assim como nas outras espécies de prescrição da pretensão punitiva, a majoração que vem do concurso formal próprio e do crime continuado deve ser retirada, mantendo-se todas as outras majorantes e as minorantes que compõem o quantum de pena. 

Com a Lei n. 12.234/2010, a PPP retroativa não pode ser aplicada entre a data do fato delituoso e o recebimento da denúncia ou queixa.

Vejamos o art. 110, §1º, CP: 

Art. 110 (...) 

§ 1º  A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa. 

Sobre essa proibição, vale dizer que alguns doutrinadores entendem que a Lei n. 12.234/2010, nessa parte, é materialmente inconstitucional, pois viola os princípios da proporcionalidade e da culpabilidade e a garantia constitucional da razoável duração do processo. 

O STF, em habeas corpus que levantou tese defensiva sobre a inconstitucionalidade do §1º, do art. 110, CP, decidiu pela sua constitucionalidade: 

EMENTA Habeas corpus. Penal. Prescrição da pretensão punitiva, na modalidade retroativa, com base na pena aplicada na sentença. Incidência entre a data do fato e a do recebimento da denúncia. Inadmissibilidade. Inteligência do art. 110, § 1º, do Código Penal, com a redação dada pela Lei nº 12.234/10. Abolição, apenas parcial, dessa modalidade de prescrição. Exame da proporcionalidade em sentido amplo. Submissão da alteração legislativa aos testes da idoneidade (adequação), da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito. Constitucionalidade reconhecida. Liberdade de conformação do legislador. Inexistência de ofensa aos princípios da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF), da humanidade da pena, da culpabilidade, da individualização da pena (art. 5º, XLVI, CF), da isonomia (art. 5º, II, CF) e da razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, CF). Análise de legislação comparada em matéria de prescrição penal. Ordem denegada.

1. A Lei nº 12.234/10, ao dar nova redação ao art. 110, § 1º, do Código Penal, não aboliu a prescrição da pretensão punitiva, na modalidade retroativa, fundada na pena aplicada na sentença. Apenas vedou, quanto aos crimes praticados na sua vigência, seu reconhecimento entre a data do fato e a do recebimento da denúncia ou da queixa.

2. Essa vedação é proporcional em sentido amplo e não viola os princípios da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF), da humanidade da pena (art. 5º, XLVII e XLIX, CF), da culpabilidade, da individualização da pena (art. 5º, XLVI, CF), da isonomia (art. 5º, II, CF) ou da razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, CF).

3. A Lei nº 12.234/10 se insere na liberdade de conformação do legislador, que tem legitimidade democrática para escolher os meios que reputar adequados para a consecução de determinados objetivos, desde que eles não lhe sejam vedados pela Constituição nem violem a proporcionalidade. 4. É constitucional, portanto, o art. 110, § 1º, do Código Penal, com a redação dada pela Lei nº 12.234/10. 5. Ordem de habeas corpus denegada.

(HC 122694, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 10/12/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-032  DIVULG 18-02-2015  PUBLIC 19-02-2015)

A PPP retroativa só será calculada depois de verificado que não ocorreu a PPP abstrata. Ainda, ela pressupõe sentença condenatória e trânsito em julgado para a acusação ou que seu recurso seja improvido.

As causas redutoras do prazo prescricional do art. 115, CP, a menoridade relativa e a senilidade, também devem ser observadas. 

Causas impeditivas da prescrição

A prescrição poderá encontrar obstáculos pelo surgimento de determinadas causas. 

As causas impeditivas da prescrição são causas suspensivas. Quando o impedimento que surgiu for superado, a prescrição volta a correr normalmente, somando-se ao prazo que já havia corrido antes do impedimento. Isso quer dizer que a prescrição recomeça a ser contada pelo tempo que falta. 

As causas impeditivas estão previstas no art. 116, CP, que foi alterado recentemente pela Lei n. 13.964/2019 (Pacote Anticrime). Vejamos: 

Art. 116 - Antes de passar em julgado a sentença final, a prescrição não corre: 

I - enquanto não resolvida, em outro processo, questão de que dependa o reconhecimento da existência do crime;  

II - enquanto o agente cumpre pena no exterior; (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)

III - na pendência de embargos de declaração ou de recursos aos Tribunais Superiores, quando inadmissíveis; e (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

IV - enquanto não cumprido ou não rescindido o acordo de não persecução penal. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

Parágrafo único - Depois de passada em julgado a sentença condenatória, a prescrição não corre durante o tempo em que o condenado está preso por outro motivo.  

Questão Prejudicial 

O que o inciso I, do art. 116, CP, diz é que a prescrição fica suspensa enquanto não resolvida questão prejudicial. As questões prejudiciais são reguladas pelo Código de Processo Penal, nos arts. 92 a 94. No momento, interessa-nos saber que essas questões têm relação profunda com o próprio delito, podendo determinar até mesmo sua inexistência. Por isso, até que sejam decididas, em outro juízo, a prescrição da infração penal está impedida de correr. 

ENQUANTO O AGENTE CUMPRE PENA NO EXTERIOR

Começamos dizendo que o Pacote Anticrime apenas alterou a palavra “estrangeiro” por “exterior”, no inciso II, do art. 116, CP, o que não traz nenhuma mudança significativa de entendimento. 
Assim, enquanto o agente criminoso estiver cumprindo pena no exterior, por não ser possível sua extradição, a prescrição do crime cometido no Brasil fica suspensa. 

PENDÊNCIA DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OU DE RECURSOS AOS TRIBUNAIS SUPERIORES, QUANDO INADMISSÍVEIS

O inciso III, do art. 116, do Código Penal, foi acrescentado pelo Pacote Anticrime. 
Enquanto pendentes embargos de declaração, recurso especial e recurso extraordinário, não admitidos, seja na origem, seja nos tribunais superiores, a prescrição fica suspensa. 
O fundamento dessa causa impeditiva da prescrição é a consideração de que os recursos especial e extraordinário são protelatórios. 
Alguns doutrinadores dizem que esse inciso III funciona como uma punição à defesa, sustentando que não se deve falar em suspensão do prazo prescricional quando os embargos declaratórios, o recurso especial e o recurso extraordinário forem interpostos pela acusação.  

ENQUANTO NÃO CUMPRIDO OU NÃO RESCINDIDO O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL (ANPP)

O inciso IV, do art. 116, CP, foi acrescentado pelo Pacote Anticrime, que também acrescentou ao CPP o acordo de não persecução penal (ANPP) (art. 28-A). 

O acordo de não persecução penal, resumidamente, é um negócio jurídico celebrado entre o investigado e seu defensor, e o Ministério Público, com posterior homologação pelo juiz. 

É cabível apenas para infrações penais praticadas sem violência ou grave ameaça à pessoa e com pena mínima inferior a 4 anos. 

O investigado que confessou formal e circunstanciadamente a pratica da infração penal se compromete a cumprir determinadas condições. Cumprido integralmente o acordo, o juiz competente declarará extinta a punibilidade. 
Assim, durante o cumprimento do ANPP, até que sobrevenha decisão de que ele foi cumprido ou até que ocorra sua rescisão pelo descumprimento, a prescrição fica suspensa. 

OUTRAS CAUSAS IMPEDITIVAS DA PRESCRIÇÃO

Existem causas que suspendem o prazo prescricional que não estão no art. 116 do Código Penal. 

Na Lei n. 9.099/95, temos que durante o cumprimento das condições determinadas na suspensão condicional do processo, também chamada de sursis processual, a prescrição fica suspensa (art. 89, §6º). 
Agora, vejamos o art. 366, CPP: 

Art. 366. Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312.             

Desse modo, quando o acusado é citado por edital e não comparece, nem constitui advogado, ocorrendo inatividade processual ficta, o processo criminal fica suspenso, sendo suspensa também a prescrição. 

Sobre essa situação, o STF fixou o Tema 438 de Repercussão Geral, reforçando a Súmula 415 do Superior Tribunal de Justiça e fixando a seguinte tese: 

Em caso de inatividade processual decorrente de citação por edital, ressalvados os crimes previstos na Constituição Federal como imprescritíveis, é constitucional limitar o período de suspensão do prazo prescricional ao tempo de prescrição da pena máxima em abstrato cominada ao crime, apesar de o processo permanecer suspenso. 

O CPP também fala que o prazo prescricional fica suspenso até o cumprimento da carta rogatória que citará o acusado que está em lugar sabido no estrangeiro (art. 368). 

O art. 53, §5º, da Constituição Federal diz que a sustação do processo criminal contra Senador ou Deputado Federal suspende a prescrição enquanto durar o mandato. Essa causa impeditiva tem relação com a imunidade parlamentar processual. 

Resumidamente, a imunidade parlamentar processual ocorre quando um parlamentar comete crime após a diplomação, é acusado e o STF recebe a denúncia, deve a Corte Suprema dar ciência à casa respectiva. O Senado Federal ou a Câmara dos Deputados, por iniciativa de partido político nela representado, pode sustar o andamento desse processo criminal, até decisão final, pelo voto da maioria de seus membros, ou seja, por maioria absoluta (art. 53, §3º, CF). 

Por fim, na Lei de Organizações Criminosas, Lei n. 12.850/2013, o prazo para o oferecimento da denúncia ou o próprio processo podem ser suspensos, com a suspensão também do prazo prescricional, por até 6 meses, prorrogáveis por mais 6 meses, a fim de que sejam cumpridas as medidas de colaboração (art. 4º, §3º). Essa suspensão diz respeito apenas ao colaborador, obviamente. 

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