Anistia, Graça e Indulto
Anistia
A anistia é o esquecimento jurídico do ilícito e tem por objeto fatos definidos como crimes, em regra, crimes políticos, militares ou eleitorais. Ela pode ser concedida antes ou depois da condenação e também pode ser total ou parcial. Esse instituto extingue todos os efeitos penais, inclusive a reincidência. No entanto, os efeitos civis permanecem, como por exemplo o dever de indenizar do agente.
A concessão de anistia é de competência exclusiva da União (CRFB, art. 21,XVII) e privativa do Congresso Nacional (CRFB, art. 48, VIII).O anistiado não precisa aceitar o benefício e a anistia concedida não pode ser revogada. Exemplo famoso de anistia é a Lei n. 6.683/79, que incide sobre o período de ditadura militar:
Art. 1º É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares.
Em julgados recentes, o STF tratou sobre a anistia de infrações disciplinares cometidas por servidores públicos. Sim! É possível também anistiar infrações disciplinares, mas nesses casos, é preciso lembrar que a Constituição Federal reserva ao chefe do Poder Executivo (Presidente da República, Governadores e Prefeitos) a iniciativa de leis que tratem do regime jurídico de servidores desse Poder ou que modifiquem a competência e o funcionamento de órgãos administrativos (art. 61, § 1º, II, “c” e “e”) e que a concessão de anistia aos servidores públicos se encaixa nessa disposição.
Então, foram julgadas inconstitucionais leis que concederam anistia à policiais civis, militares e bombeiros que praticaram infração disciplinar por participar de greve, porque essas leis foram de iniciativa de Deputados Estaduais:
Ementa: CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA. PROCESSO LEGISLATIVO. LEI 7.428/2012 DO ESTADO DE ALAGOAS. ANISTIA DE INFRAÇÕES ADMINISTRATIVAS A POLICIAIS CIVIS, POLICIAIS MILITARES E BOMBEIROS MILITARES PELA PARTICIPAÇÃO EM MOVIMENTOS REIVINDICATÓRIOS. INICIATIVA PARLAMENTAR. MATÉRIA RESERVADA À INICIATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. REGIME JURÍDICO E DISCIPLINAR DE SERVIDORES PÚBLICOS. RESERVA DE ADMINISTRAÇÃO. AÇÃO DIRETA JULGADA PROCEDENTE.
1. A Constituição Federal (art. 61, § 1º, II, c e e) reserva ao chefe do Poder Executivo a iniciativa de leis que tratem do regime jurídico de servidores desse Poder ou que modifiquem a competência e o funcionamento de órgãos administrativos, no que se enquadra a lei de iniciativa parlamentar que concede anistia a infrações administrativas praticadas por servidores civis e militares de órgãos de segurança pública.
2. Ação Direta julgada procedente.
(ADI 4928, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 11/10/2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-018 DIVULG 01-02-2022 PUBLIC 02-02-2022)
Graça
A Constituição Federal não consagra a graça como instituto autônomo, mas ele continua relacionado no Código Penal e, por isso, na prática, a graça tem sido chamada de indulto individual. A graça é direcionada a um indivíduo determinado, condenado irrecorrivelmente.
A iniciativa do pedido de graça pode ser do próprio condenado, do Ministério Público, do Conselho Penitenciário ou da autoridade administrativa (art. 188 da Lei de Execução Penal).
A concessão de graça é prerrogativa do Chefe do Executivo (art. 84, XII, CF). Essa prerrogativa pode ser delegada aos Ministros, conforme parágrafo único, do art. 84, CF. É concedida mediante decreto.
Também pode ser concedida total ou parcialmente, mas somente a graça total ocasiona a extinção da punibilidade, enquanto a parcial enseja redução de pena.
A graça não extingue todos os efeitos penais da condenação, como a reincidência, que permanece. Geralmente, o decreto traz os efeitos penais que pretende extinguir, que são referentes à sanção penal em si, para fins de decretação de extinção da punibilidade. Os efeitos extrapenais subsistem.
Vale dizer que são insuscetíveis de graça a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os crimes definidos como hediondos (art. 5º, XLIII, da CF e Lei n. 8.072/90). A graça tem por objeto crimes comuns.
O procedimento está descrito na Lei de Execução Penal:
Art. 189. A petição do indulto, acompanhada dos documentos que a instruírem, será entregue ao Conselho Penitenciário, para a elaboração de parecer e posterior encaminhamento ao Ministério da Justiça.
Art. 190. O Conselho Penitenciário, à vista dos autos do processo e do prontuário, promoverá as diligências que entender necessárias e fará, em relatório, a narração do ilícito penal e dos fundamentos da sentença condenatória, a exposição dos antecedentes do condenado e do procedimento deste depois da prisão, emitindo seu parecer sobre o mérito do pedido e esclarecendo qualquer formalidade ou circunstâncias omitidas na petição.
Art. 191. Processada no Ministério da Justiça com documentos e o relatório do Conselho Penitenciário, a petição será submetida a despacho do Presidente da República, a quem serão presentes os autos do processo ou a certidão de qualquer de suas peças, se ele o determinar.
Art. 192. Concedido o indulto e anexada aos autos cópia do decreto, o Juiz declarará extinta a pena ou ajustará a execução aos termos do decreto, no caso de comutação.
Indulto
O indulto propriamente dito, também chamado de indulto coletivo, é destinado a um grupo indeterminado de sentenciados e é delimitado pela natureza do crime e a quantidade da pena aplicada, além de outros requisitos que o decreto elencar.
Ele pode ser total ou parcial. O indulto parcial recebe o nome de comutação, não ocasionando a extinção da punibilidade, como o total, mas apenas a redução da pena.
O indulto é prerrogativa do Chefe do Executivo, que, pode ser delegada aos Ministros de Estado (art. 84, XII e parágrafo único, da CF).
É considerado um ato discricionário do Chefe do Executivo, ou seja, é concedido segundo critérios de conveniência e oportunidade. Por isso, o Supremo já decidiu que o Poder Judiciário apenas pode analisar a constitucionalidade do decreto que concede indulto, sem adentrar no mérito:
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO PENAL E PROCESSO PENAL. INDULTO. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA (CF, ART. 84, XII) PARA DEFINIR SUA CONCESSÃO A PARTIR DE REQUISITOS E CRITÉRIOS DE CONVENIÊNCIA E OPORTUNIDADE. PODER JUDICIÁRIO APTO PARA ANALISAR A CONSTITUCIONALIDADE DA CONCESSÃO, SEM ADENTRAR NO MÉRITO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA IMPROCEDENTE.
1. A Constituição Federal, visando, principalmente, a evitar o arbítrio e o desrespeito aos direitos fundamentais do homem, previu a existência dos Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, repartindo entre eles as funções estatais.
2. Compete ao Presidente da República definir a concessão ou não do indulto, bem como seus requisitos e a extensão desse verdadeiro ato de clemência constitucional, a partir de critérios de conveniência e oportunidade.
3. A concessão de indulto não está vinculada à política criminal estabelecida pelo legislativo, tampouco adstrita à jurisprudência formada pela aplicação da legislação penal, muito menos ao prévio parecer consultivo do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, sob pena de total esvaziamento do instituto, que configura tradicional mecanismo de freios e contrapesos na tripartição de poderes. 4. Possibilidade de o Poder Judiciário analisar somente a constitucionalidade da concessão da clementia principis, e não o mérito, que deve ser entendido como juízo de conveniência e oportunidade do Presidente da República, que poderá, entre as hipóteses legais e moralmente admissíveis, escolher aquela que entender como a melhor para o interesse público no âmbito da Justiça Criminal. 5. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada improcedente.
(ADI 5874, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Relator(a) p/ Acórdão: ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 09/05/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-265 DIVULG 04-11-2020 PUBLIC 05-11-2020)
Essa clemência extingue efeitos penais primários da condenação, ou seja, extingue a pena em si, mas não atinge os efeitos secundários, penais, como a reincidência, ou extrapenais, como o dever de indenizar (Súmula n. 631, STJ).
Expedido o decreto, o juiz pode declarar extinta a punibilidade do sentenciado beneficiado de ofício, o que não impede seu requerimento pelo interessado, MP, Conselho Penitenciário ou pela autoridade administrativa (art. 193, LEP).
Anistia |
Graça (indulto individual) |
Indulto (indulto coletivo) |
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Extingue todos os efeitos penais. | Extingue os efeitos penais principais, apenas. | Extingue apenas os efeitos penais principais da condenação. |
Competência exclusiva do Congresso Nacional, por meio de lei ordinária. | Prerrogativa do Chefe do Executivo | Prerrogativa do Chefe do Executivo |
Vamos lembrar um pouco dos efeitos da pena?
- Efeitos Penais: São todos os efeitos decorrentes diretamente da pena. Se dividem em principais (primários), que é o cumprimento da pena em si, e secundários, que é a consequência direta da pena, como a reincidência, a interrupção da prescrição, maus antecedentes, etc.
- Efeitos Extrapenais: São os efeitos que extrapolam a esfera penal. Podem se dividir em Genéricos, que são aplicados de forma automática (art. 91, CP) e Específicos, que são dados pelo juiz de forma motivada.