Competência em Razão da Matéria: Militar

Para que a Justiça Militar seja competente, também se exige a adequação formal e material. A adequação formal ocorre quando o crime é previsto no Código Penal Militar como crime militar propriamente dito, ou seja, a lei define como crime militar aquele caso. A adequação material, assim como ocorre na Justiça Eleitoral, é a análise se o bem jurídico protegido se relaciona à ordem militar.

O art. 9º do CPM determina as situações em que o crime será de sua competência, dentre as quais aqueles cometidos por militares contra militar ou assemelhado e crimes cometidos por militar em atividade contra o patrimônio da administração militar ou a ordem administrativa militar.

Existem os crimes militares propriamente ditos, aqueles que somente os militares podem praticar, como traição e motim (que não causam reincidência defronte um crime comum). Ainda, existem os crimes militares impróprios, aqueles não previstos especificamente no Código Penal Militar, mas praticado em algumas circunstâncias específicas acima ditas, como quando militar pratica contra militar ou contra o patrimônio da administração militar ou a ordem administrativa militar.

Os crimes dolosos contra a vida praticados por militares contra civis são de competência de qual Justiça? Em regra, será competente o Tribunal do Júri, conforme previsão do art. 9º, § 1º, CPM. Contudo, se for cometido pelas Forças Armadas no contexto do art. 9º, § 2º, CPM, será competente a Justiça Militar da União.

§ 2º Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos por militares das Forças Armadas contra civil, serão da competência da Justiça Militar da União, se praticados no contexto:

I – do cumprimento de atribuições que lhes forem estabelecidas pelo Presidente da República ou pelo Ministro de Estado da Defesa;

II – de ação que envolva a segurança de instituição militar ou de missão militar, mesmo que não beligerante; ou

III – de atividade de natureza militar, de operação de paz, de garantia da lei e da ordem ou de atribuição subsidiária, realizadas em conformidade com o disposto no art. 142 da Constituição Federal e na forma dos seguintes diplomas legais:

a) Lei no 7.565, de 19 de dezembro de 1986 - Código Brasileiro de Aeronáutica;

b) Lei Complementar no 97, de 9 de junho de 1999;

c) Decreto-Lei no 1.002, de 21 de outubro de 1969 - Código de Processo Penal Militar; e

d) Lei no 4.737, de 15 de julho de 1965 - Código Eleitoral. 

Para que a competência seja da Justiça Militar da União, portanto, é necessário que seja caso com Forças Armadas (diferente de Polícia Militar) no contexto acima. É necessário conjugar ambos os critérios.

O quadro abaixo resume as principais diferenças entre a Justiça Militar da União e a Justiça Militar dos Estados. 

Justiça Militar da União Justiça Militar dos Estados
Art. 124, CF/1988 Art. 125, §§ 4º e 5º, CF/1988
Crimes militares Crimes militares
Acusados: civis e militares Acusados: militares dos Estados
Competência fixada pelo critério ratione materiae. Competência fixada com base em dois critérios: ratione materiae e ratione personae.
Não tem competência cível. Tem competência cível, segundo art. 125, § 4º, CF.
Órgãos jurisdicionais:
- Conselho de Justiça;
- Juiz Federal da JMU.
Órgãos jurisdicionais:
- Juiz de Direito do Juízo Militar;
- Conselho de Justiça.
Juízo ad quem: STM Juízo ad quem: TJM (MG, SP e RS) ou TJ (demais Estados)

O art. 124 deixa claro que a JMU trata dos crimes militares definidos em lei e não faz nenhuma ressalva quanto aos acusados. Logo, ao menos em tese, a Justiça Militar da União poderia julgar tanto militares quanto civis. O constituinte, no art. 125, §§ 4º e 5º, restringe a competência da Justiça Militar Estadual apenas aos militares dos Estados, ou seja, ela não julga civis, mas somente os integrantes da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros (GCM não é militar do Estado). 

JMU e JME julgam, a princípio, crimes militares. E se ele foi praticado em conexão ou continência com crime comum? Haverá, obrigatoriamente, separação dos processos, ou seja, o crime comum será julgado pela Justiça Comum.

E se um civil e um soldado do Exército cometerem crime militar em concurso? A JMU pode julgar militares e civis, de forma que pode julgar ambos. Porém, se tal exemplo envolvesse a PM, a JME não julga civis – neste caso, o civil será julgado separadamente.

Por fim, finalizando as competências por natureza, cabe relembrar as hipóteses de competência da Justiça Federal (o que “sobrar” será de competência da Justiça Estadual).  Ela julga os crimes federais e comuns conexos.

a) Crime Político

Aqueles praticados contra o Regime Democrático ou contra a Ordem Constitucional, com motivação política. Ex.: Lei 7.170/1983.

b) Infrações em detrimento de bens, serviços ou interesse da União

Vale para suas empresas públicas ou autarquias, ressalvadas as contravenções penais e a competência da Justiça Eleitoral e Militar.

Súmula 38 do STJ: todas as contravenções penais são de competência da Justiça Comum Estadual, mesmo que em detrimento de bens, serviços ou interesse da União, suas empresas públicas ou autarquias (mesmo se cometidas em conexão com crime federal). 
Súmula 122, STJ: Justiça Federal julga crimes federais e comuns conexos. Contudo, se houver contravenção, segue a regra da Súmula 38. 

Crime cometido contra sociedade de economia mista da União é da competência da Justiça Comum ESTADUAL (STJ, 42). Ex.: roubo praticado contra agência da Caixa Econômica Federal (empresa pública da União, Justiça Comum Federal) e contra Banco do Brasil (sociedade de economia mista, Justiça Comum Estadual). 

Quando a CF fala em “interesse” da União, está restringindo a competência federal para situações em que existe dano ao erário federal? Não, o interesse é colocado pela CF em sentido amplo, e não econômico, tanto assim que compete à Justiça Federal julgar os crimes cometidos POR ou CONTRA servidor federal em razão de suas funções.

c) Crimes à distância previstos em tratados ou convenções internacionais ratificados pelo Brasil

Nem todo crime à distância será de competência federal, será somente se estiver previsto internacionalmente. Crime à distância é aquele que atinge o território de 2 ou mais países. Ex.: tráfico internacional de drogas; de pessoas; corrupção ativa e tráfico de influência nas transações comerciais internacionais. 

Pedofilia pela internet (241-A, ECA): depende se há potencialidade de internacionalização. 

d) Crimes contra a organização coletiva do trabalho

Os crimes contra a organização do trabalho estão no Título IV da Parte Especial do CP (197 a 207).

Jurisprudência:

  • Crime contra a organização coletiva do trabalho: Federal.
  • Crime contra a organização individual do trabalho: Estadual.

Art. 149, CP: crime de redução à condição análoga à escravidão (plágio): crime federal, porque atinge o trabalhador na esfera máxima de proteção que a CF lhe confere. 

e) Crimes contra o sistema financeiro e contra a ordem econômica, nos casos previstos em lei

  • Os crimes contra o sistema financeiro são de competência federal. Ex.: Lei 7.492/1986; insider trading (art. 27-D, Lei de Mercado de Capitais).
  • No tocante aos crimes contra a ordem econômica, sua competência será federal quando a lei dispuser. Os da Lei 8.137/1990 são estaduais, da mesma maneira da Lei 8.176/1991, que fala sobre adulteração de combustível. 
  • Lei de lavagem de dinheiro: será, de regra, estadual, salvo quando houver lesão ao sistema financeiro, a bens, serviços ou interesse da União, empresas públicas ou autarquias ou; quando a infração antecedente for de competência federal. 

f) Crimes praticados a bordo de navio ou aeronave, ressalvada a competência da Justiça Militar

  • Navio: STJ diz que é a embarcação de médio ou grande porte, apta a realizar a cabotagem internacional.
  • Aeronave: Código Brasileiro de Aeronáutica define como um meio de transporte que desloque pelo ar através de reações aerodinâmicas.
  • Balão não é aeronave e plataforma de petróleo não é navio (STJ).

g) Crimes de ingresso e permanência irregular de estrangeiro

  • Reingresso de estrangeiro expulso (art. 338, CP).
  • Promoção de migração ilegal (art. 232-A).

h) Federalização (EC/2004)

É um incidente de deslocamento de competência ou hipótese de prorrogação da competência em razão da matéria (IDC).

  • Legitimidade para requerer: Procurador-Geral da República.
  • Competência para determinar: STJ
  • Requisitos: (i) Grave violação a direitos humanos; (ii) Necessidade de assegurar o cumprimento de obrigações assumidas pelo Brasil em documentos internacionais; (iii) Omissão das autoridades competentes para a apuração do fato. 

Crime cometido contra indígena é de competência estadual (Súmula 140, STJ), salvo se o delito tiver relação com disputa de direitos indígenas, sua cultura e etc.

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