Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
O bem jurídico tutelado nesse crime é a propriedade. O entendimento majoritário inclui na tutela desse tipo também a posse do bem.
Qualquer pessoa poderá incorrer nesse tipo, desde que a coisa subtraída seja alheia. Ou seja, a coisa não pode pertencer ao próprio agente, pois o crime será o de exercício arbitrário das próprias razões (arts. 345 e 346, CP), e não o de furto.
Algumas observações:
art. 312, § 1º, CP).art. 156, CP).Qualquer pessoa, seja física, seja jurídica, é passível de ser vítima do delito.
O núcleo desse tipo penal é o ato de se apoderar da coisa. Ou seja, é necessário que haja, por algum momento, a inversão da posse – a tomada do bem para si, ou para um terceiro. Esse apoderamento diz respeito a uma coisa alheia móvel.
Parte da doutrina afirma que essa coisa precisa ser economicamente apreciável. Portanto, estariam excluídas, num primeiro momento, aquelas coisas de interesse meramente moral ou sentimental. No entanto, esse tema é polêmico e não encontra consenso doutrinário.
Algumas observações:
art. 14). É, portanto, um crime específico.art. 169, p. ú., II, CP).Para que se conflagre o crime, é imprescindível que haja dolo, ou seja, a vontade consciente de apoderar-se definitivamente da coisa alheia, seja para si, seja para outra pessoa.
A partir disso, podemos concluir que o furto de uso (apoderar-se para depois devolver nas mesmas condições) não configura crime de furto. Na realidade, é pacífico que esse “furto” não tem relevância penal, por carência na definitividade da subtração. É, portanto, uma conduta atípica.
A jurisprudência considera o furto famélico (subtrair coisa alheia móvel para se alimentar) hipótese de estado de necessidade (excludente de ilicitude). Por isso, é preciso demonstrar a situação de fome e falta de recursos suficientes para saciá-la.
A doutrina se divide com relação ao momento de consumação do crime de furto. Há quatro teorias que tentam explicar qual o momento consumativo desse crime:
Sistema de vigilância realizado por monitoramento eletrônico ou por existência de segurança no interior de estabelecimento comercial, por si só, não torna impossível a configuração do crime de furto. (Súmula 567, Terceira Seção, julgado em 24/02/2016, DJe 29/02/2016)
Eventualmente, se no local onde houver a coisa que foi furtada houver sistema de monitoramento de vigilância ou a presença de segurança no interior do estabelecimento, isso não torna impossível a configuração do crime de furto.
Essa súmula surgiu diante do debate de parte da doutrina acerca da impossibilidade de consumação do crime de furto quando houvesse vigilância sobre a coisa a ser furtada. Os tribunais entendem que a vigilância é um fator que torna relativamente ineficaz o meio de configuração do crime, não tendo a possibilidade de, por si só, afastar completamente a conduta, mas apenas de dificultá-la.
O § 1º do art. 155 prevê acréscimo de pena, de 1/3, no caso de o furto ter ocorrido durante o repouso noturno. Mas afinal, o que seria repouso noturno? Não há um critério temporal certo para defini-lo. É preciso que o juiz observe os costumes da cidade ou localidade para definir se haverá a incidência da majorante ou não.
A jurisprudência do STJ afirma que, para incidir a majorante de repouso noturno, basta que a conduta delitiva tenha sido praticada durante o período do repouso noturno, não sendo necessário que as vítimas estejam dormindo.
Apesar de a majorante estar no § 1º do art. 155 (furto simples), a jurisprudência considera possível a incidência dessa majorante também no furto qualificado (§ 4º).
O § 2º do art. 155 dispõe que, se o agente for réu primário e a coisa furtada for de pequeno valor, o juiz poderá substituir a pena de reclusão do art. 155 pela de detenção, diminuir essa pena de 1/3 a 2/3, ou então aplicar somente a pena de multa.
Por “coisa de pequeno valor”, a jurisprudência entende ser os bens de até um salário mínimo.
Súmula 511-STJ: É possível o reconhecimento do privilégio previsto no § 2º do
art. 155do CP nos casos de crime de furto qualificado, se estiverem presentes a primariedade do agente, o pequeno valor da coisa e a qualificadora for de ordem objetiva.
O que seriam qualificadoras de ordem objetiva? As qualificadoras do crime de furto estão dispostas no art. 155, § 4º e seguintes. As qualificadoras de ordem objetiva são aquelas relativas ao fato do furto em si, e não à motivação interna do agente. As únicas subjetivas são a fraude e o abuso de confiança. O restante das qualificadoras são todas de ordem objetiva.
O § 3º equipara a energia elétrica ou qualquer outra energia que tenha valor econômico a coisa móvel. Importante destacar que o furto de energia elétrica (“gato”) é diferente do estelionato (fraude no medidor de energia). No furto, o agente desvia a energia elétrica de sua fonte natural por meio de ligação clandestina, sem passar pelo medidor.
O STJ entende que o adimplemento do débito antes do recebimento da denúncia não extingue a punibilidade. Isso porque a remuneração do serviço de energia elétrica é realizada mediante tarifa, de natureza não tributária. Portanto, não se aplica o raciocínio dos crimes tributários ao furto de energia elétrica.
As qualificadoras do crime de furto estão previstas de forma taxativa no § 4º do art. 155 do CP. A seguir, a análise de cada uma delas.
A jurisprudência tem entendido que o obstáculo rompido deve ser exterior ao objeto furtado. Por exemplo, no caso de furto de carro em que a pessoa quebra o vidro para adentrar o veículo e ligar o motor, o autor não incidiria em furto qualificado, pois o vidro não é exterior ao bem furtado (é o próprio bem furtado). Já no furto de pertences do carro realizado mediante o rompimento do vidro, haveria a incidência da qualificadora, pois o objeto do furto não é o carro todo, mas sim o que há dentro dele.
A violência contra a coisa, no caso da destruição, deve ser sempre anterior à consumação do delito. Caso a destruição ocorra depois da consumação, haverá concurso material do crime de furto simples com o crime de dano.
No abuso de confiança, é necessário que haja um vínculo especial de lealdade ou de fidelidade entre o autor e a vítima. Difere da apropriação indébita, pois nesta a coisa não está sob sua posse. O dolo na apropriação indébita é superveniente à posse, ou seja, é depois da posse que surge no agente o animus de se apropriar do bem confiado a ele. No caso do furto qualificado por abuso de confiança, o dolo é anterior à posse (a posse só se dá em razão do dolo).
Na qualificadora fraude, o agente ludibria ou distrai a vítima para que consiga subtrair o bem. Não podemos confundir com estelionato, uma vez que, neste, a vítima, em razão de erro, transfere espontaneamente o bem ao agente. Incorreria em fraude o agente que distrai a vítima para furtar sua carteira no bolso. Por outro lado, incorre em estelionato o agente que aplica o golpe do bilhete premiado, no qual a vítima transfere dinheiro de forma espontânea.
A escalada se configura pela escolha, pelo agente, de um meio anormal para ingressar no local em que se encontra a coisa a ser subtraída. Apesar de “escalada” remeter a uma subida, não se trata apenas dessa hipótese. Qualquer meio atípico de adentrar um local configura a escalada, como por exemplo por túnel.
A destreza se configura pela prática de um crime sem que a pessoa perceba, por meio de peculiar habilidade física ou manual. Por exemplo, na subtração de um celular que se encontra na mochila por meio do rompimento do tecido, sem que a pessoa perceba.
É equiparado a chave falsa qualquer outro instrumento destinado a abrir fechadura (ex.: gazua), ainda que não seja a função primordial do objeto, como grampos, pregos, chave de fenda, etc.
Presentes pelo menos duas pessoas, haverá incidência dessa qualificadora. Ela subsistirá inclusive se o comparsa for inimputável ou não identificado.
O § 4º-A do Código Penal traz outra hipótese de qualificadora, com penas base diferentes, em razão da gravidade da conduta que a qualifica.
§ 4º-A. A pena é de reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos e multa, se houver emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum.
Essa qualificadora foi introduzida pela Lei 13.654/18, em razão do grande aumento no número de delitos realizados com explosivos. Antes dessa lei, por não haver tipo específico, a jurisprudência considerava esse tipo de crime como qualificado pelo rompimento de obstáculo, cumulado materialmente com o crime de explosão majorada pelo intuito de vantagem pecuniária. O Pacote Anticrime inseriu essa qualificadora no rol dos crimes hediondos.
O § 4º-B do Código Penal traz hipótese de qualificadora com pena base específica:
§ 4º-B - A pena é de reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa, se o furto mediante fraude é cometido por meio de dispositivo eletrônico ou informático, conectado ou não à rede de computadores, com ou sem a violação de mecanismo de segurança ou a utilização de programa malicioso, ou por qualquer outro meio fraudulento análogo.
É o típico caso do furto de conta bancária por meio de banco digital. Essa alteração, ocorrida em 2021, surgiu em razão do aumento de práticas dessa natureza, em decorrência da pandemia e da maior demanda por transações digitais.
Essa pena será ainda maior em algumas situações:
§ 4º-C - A pena prevista no § 4º-B deste artigo, considerada a relevância do resultado gravoso:
I – aumenta-se de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), se o crime é praticado mediante a utilização de servidor mantido fora do território nacional;
II – aumenta-se de 1/3 (um terço) ao dobro, se o crime é praticado contra idoso ou vulnerável.
A relevância do resultado gravoso se refere ao tamanho do prejuízo verificado pelo delito. Portanto, é preciso que haja extremo prejuízo para que a fração máxima da causa de aumento seja aplicada.
Para a incidência das causas de aumento também é preciso que o autor do delito tenha ciência das condições em que o crime se deu.
§ 5º - A pena é de reclusão de 3 (três) a 8 (oito) anos, se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior.
Não é todo e qualquer furto de veículo que é qualificado. É preciso que o agente de fato ultrapasse a fronteira do Estado ou país para consumar o crime. Caso seja capturado antes, responderá por furto simples.
A tentativa é possível, segundo a doutrina, quando o autor consegue ultrapassar a fronteira mas não consegue terminar de consumar o ato, por não conseguir manter o carro em local seguro. Ou seja, a tentativa é possível no caso de captura do agente com o carro logo após a ultrapassagem da fronteira.
§ 6º - A pena é de reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos se a subtração for de semovente domesticável de produção, ainda que abatido ou dividido em partes no local da subtração.
Semoventes são os animais domesticados para produção, seja para abate (gado, galinha, porco), seja para trabalho (cavalo, égua).
§ 7º - A pena é de reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos e multa, se a subtração for de substâncias explosivas ou de acessórios que, conjunta ou isoladamente, possibilitem sua fabricação, montagem ou emprego.
O furto de coisa comum está previsto no art. 156.
Art. 156 - Subtrair o condômino, coerdeiro ou sócio, para si ou para outrem, a quem legitimamente a detém, a coisa comum:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.
O furto de coisa comum é quando ocorre a usurpação da posse de um bem comum por um dos seus possuidores ou detentores. A coisa comum é aquela que pertence a mais de uma pessoa. Se um dos possuidores ou detentores dessa coisa toma para si o bem, incorrerá nesse tipo penal.
O crime é punido de forma mais branda em razão da menor gravidade da conduta, já que o bem não é totalmente alheio ao agente. Por isso, é considerado um crime próprio, pois só pode ser praticado por quem é um dos possuidores da coisa em questão.
Importante destacar que não incorrerá em crime o agente que se apodera de coisa fungível que não excede a cota parte do agente, conforme disposição expressa do § 2º. Trata-se de excludente de antijuridicidade.
O crime se consuma com a retirada dolosa da coisa da esfera de posse e disponibilidade da(s) vítima(s). Por isso, não há necessidade de posse tranquila para que se configure.
Por fim, a lei estabelece, no § 1º, que o crime em questão se processará mediante representação.