Abuso de Poder Político

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Introdução

No caso das eleições, o abuso deve ser direcionado ao resultado prático almejado pelo candidato, ou seja, o acúmulo de votos, ou ainda, invertida a relação para o “não-voto” no oponente, têm-se o mesmo resultado. 

Ele se dá afetando a liberdade da escolha do eleito, comprometendo a legitimidade do pleito, pautada no princípio da liberdade do voto. De um modo geral, quando alguém se vale de uma posição privilegiada para obter votos, estamos diante de uma situação de abuso de poder político.

A Constituição trata o abuso de poder sob formas estritas, descuidando de seu “caráter polimórfico”, em seu artigo 14, §9º, que assim dispõe:

Art. 14. (...)
§ 9º  Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

Lei Complementar Nº 64/1990

Imediatamente referenciada, já em 1990, a Lei Complementar Nº 64/1990, popularmente de chamada de “Lei das Inelegibilidades”, trouxe o instituto em seu artigo 22, caput:

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou  abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito: 

Em que pese o dispositivo trazer o verbo “representar”, ele não se refere a ação de Representação. A ação própria para discutir abuso de poder é a Ação de Investigação Judicial Eleitoral, apelidada de “AIJE”, que possui natureza eleitoral, entretanto, segue rito semelhante ao do Direito Civil, podendo resultar em cassação e inelegibilidade.

Conceito de Abuso de Poder Político

Na concepção de Max Weber, o poder burocrático pode se confundir com o poder carismático, culminando assim no abuso do primeiro para atrair votos. Resultado disso é o que comumente se trata por “uso da máquina pública”, metáfora pertinente para ilustrar o caráter mecânico e impessoal, mas que se supõe totalmente controlável, das funções públicas.

Superada a abordagem sociológica do tema, a forma normativa de identificação do abuso de poder político é a verificação de se o candidato, adotando práticas, mesmo em condições objetivamente legais, procede de tal modo que possa atingir efeitos contrários aos protegidos pelo princípio da vontade popular. 

A fim de oferecer sistematicidade, José Jairo Gomes utiliza uma tipologia geral dos atos jurídicos para estudar os ilícitos eleitorais. Assim, enumera os elementos:
1.    Conduta abusiva;
2.    Resultado;
3.    Relação causal;
4.    Ilicitude ou antijuridicidade.

Tais elementos encontram guarida na locução do artigo 22, inciso XVI da Lei Complementar Nº 64/1990, que dispõe:

XVI – para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam. 

Essa mudança foi paradigmática, pois, anteriormente, para determinar se houve o abuso de poder político era necessário olhar para a potencialidade do ato mudar o resultado do pleito, mas, com essa mudança, a gravidade das circunstâncias é suficiente para a caracterização do abuso. 

Essa inovação trazida pele Lei da Ficha Limpa foi no sentido de superar a difícil prova demonstrativa da potencialidade em alterar o resultado, introduzindo um critério valorativo centrado na ação em si.

Pensar em “potencialidades” enseja o difícil problema jurídico da contrafactualidade, ou seja, o que “poderia ter acontecido” seja pela presença ou pela ausência de determinado ato.

Na aplicação prática, a lei se torna centrada na gravidade, que é o enfoque na interpretação sobre o bem jurídico tutelado e o quão grave foi a sua violação. Gravidade substitui potencialidade.

Sanções

As punições para a prática de abuso de poder político são aquelas previstas no artigo 73 da Lei Eleitoral, quais sejam:

§4º O descumprimento do disposto neste artigo acarretará a suspensão imediata da conduta vedada, quando for o caso, e sujeitará os responsáveis a multa no valor de cinco a cem mil UFIR.
§5º  Nos casos de descumprimento do disposto nos incisos do caput e no § 10, sem prejuízo do disposto no § 4o, o candidato beneficiado, agente público ou não, ficará sujeito à cassação do registro ou do diploma. 
§6º As multas de que trata este artigo serão duplicadas a cada reincidência.
§7º As condutas enumeradas no caput caracterizam, ainda, atos de improbidade administrativa, a que se refere o art. 11, inciso I, da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, e sujeitam-se às disposições daquele diploma legal, em especial às cominações do art. 12, inciso III.

Importante ressaltar que todas as punições acima dispostas poderão ser aplicadas cumulativamente. Além disso, as condutas vedadas possuem uma limitação a circunscrição do pleito (definido no artigo 86 do Código Eleitoral), conforme já definido na Consulta 1.065/2004.

Não se prevê a inelegibilidade. Porém, com a Lei Complementar Nº 135/2010 alterando os dispositivos da Lei Complementar Nº 64/1990, apenas as condutas vedadas que forem punidas por órgão colegiado com cassação, ensejarão também a inelegibilidade por 8 anos. 

Ação de Investigação Judicial Eleitoral

A Ação de Investigação Judicial Eleitoral (“AIJE”) é, portanto, um instrumento processual eleitoral, com regramento disposto na Lei Complementar Nº 64/1990, voltado a coibir o abuso de poder, em suas diferentes formas.

O valor jurídico tutelado é a garantia da lisura e equiparação nas condições de disputa dos candidatos, fazendo valer tanto quanto possível a vontade popular desinibida de forças que atuem para seu convencimento legítimo. 

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