Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988
Características da Constituição de 1988
A CF/88 foi a primeira Constituição brasileira a tratar do tema de direitos fundamentais com maior destaque e aprofundamento. Acerca das suas características, é uma Constituição:
- Analítica: extensa e com grande detalhamento de cada uma das matérias;
- Pluralista: concilia diferentes valores, mesmo aqueles que não são completamente compatíveis;
- Programática/Dirigente: constrói diretrizes através de normas que necessitam de complementação da legislação ordinária.
Os Direitos Fundamentiais estão posicionados logo no início da CF, ganhando maior relevância. Uma inovação importante dessa carta magna foi a aplicação imediata das normas definidoras de direitos e garantias (art. 5º, §1º).
Outro aspecto que deve ser ressaltado é a inclusão dos direitos fundamentais enquanto cláusulas pétreas, ou seja, como um dos pontos irrevogáveis da Constituição. O art. 60, §4º, elenca as matérias que não podem ser alvo de dimunuição ou revogação por Emenda Constitucional:
Art. 60
[...]
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais.
Vale dizer que a amplitude de direitos fundamentais elencados na Constituição apresenta certas fragilidades para o texto constitucional:
- Falta de rigor científico e técnica legislativa adequada (contradições e ausência de tratamento lógico da matéria);
- Ausência de sistematização;
- Inclusão de preceitos que não revelam as características dos direitos fundamentais (impressão de que tudo é direito fundamental);
- Ausência de previsão de normas genéricas expressas sobre restrições aos direitos fundamentais.
Fundamentalidade
A "fundamentalidade" do direito é a característica que o torna fundamental, é o critério que ajuda a delinear o enquadramento de determinado direito como fundamental ou não. Nesse sentido, de acordo com Robert Alexy, a fundamentalidade pode ser dividida em formal e material.
A fundamentalidade formal está atrelada ao direito constitucional positivo, ou seja, à positivação das normas na Constituição escrita. Além disso, faz parte dessa característica a submissão do direito a limites formais e materiais de reforma (não é facilmente revogável ou mutável). Aponta-se também como integrante da fundamentalidade formal a qualidade das normas vincularem de forma imediata as entidades públicas e privadas.
Por outro lado, a fundamentalidade material está ligada ao conteúdo da norma. Nesse sentido, são consideradas fundamentais as decisões sobre a estrutura básica do Estado e da sociedade, permitindo a abertura da Constituição a outros direitos fundamentais não expressamente constantes de seu texto. Sob a ótica material, a conceituação de direitos fundamentais exige tanto uma determinação hermenêutica (interpretação da norma) quanto uma construção dogmática vinculada ao contexto constitucional vigente (análise do contexto do Estado no momento da consagração do determinado direito).
A partir dessa análise em separado das fundamentalidades formal e material, é possívle destacar a definição de direitos fundamentais propagada por Robert Alexy:
"Direitos fundamentais, são, portanto, todas aquelas posições jurídicas concernetes às pessoas que, do ponto de vista do direito constitucional positivo, foram, por seu conteúdo e importância (fundamentalidade em sentido material), integradas ao texto da Constituição e, assim, retiradas da esfera de disponibilidade dos poderes constituídos (fundamentalidade formal), bem como, por seu conteúdo e significado, possam lhes ser equiparados, agregando-se à Constituição material, tendo, ou não, assento na Constituição formal".
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 1986.
De maneira resumida, temos que a consagração de certos direitos no contexto social e humanitário, juntamente de sua positivação nos textos constitucionais formam o conjunto de direitos fundamentais.
Significado e Alcance dos Direitos Fundamentais
Corroborando com as ideias expostas até o momento, o §2º do art. 5º da Constituição torna explícito o entendimento de que os direitos fundamentais estão restritos ao texto constitucional, ou seja, à mera formalidade. Existe, portanto, um conceito material daquilo que é direito fundamental e protegido pelo Estado brasileiro:
Art. 5º [...]
§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
Esse dispositivo permite a consagração de direitos fundamentais "implícitos" ou "decorrentes" através da interpretação das normas constitucionais em conjunto com o contexto fático (função hermenêutica). Importante notar que a aplicação dessa norma não está restrita aos direitos individuais, mas se estende aos capítulos dos direitos sociais, econômicos e culturais.
Pode-se chamar o §2º do art. 5º de "norma geral inclusiva", porque ele estabelece a Constituição como uma espécie de moldura, onde são incluídos permanentemente novos direitos fundamentais. Essa "moldura" da Constituição não tem um rol exaustivo de possibilidades de tutela por parte do Estado porque a pessoa humana também está exposta a uma infinidade de riscos - onde houver risco ao ser humano, a tutela do Estado deve existir.
Tratados e Convenções Internacionais
Art. 5º [...]
§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.
O dispositivo acima valoriza a celebração de tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, fortalecendo a ideia de bloco de constitucionalidade. Esse termo se refere ao conjunto de instrumentos normativos (não só a Constituição) que possuem força e status constitucionais, podendo ser utilizados de parâmetro para controle de constitucionalidade.
Isso significa que uma certa convenção de direitos humanos celebrada pelo Estado brasileiro pode ser internalizada seguindo o mesmo rito de aprovação de emendas constitucionais e com a força delas. Por um lado, essa necessidade de aprovação no Congresso torna a regra mais sólida, segura, mas por outro dificulta a positivação de direitos fundamentais. Essa dualidade retoma o debate acerca da fundamentalidade material dos direitos humanos: se não é preciso formalizar um direito fundamental, porque estabelecer um quórum de aprovação para isso?
Apesar de ainda existirem divergências doutrinárias sobre essa parte mais teórica, o STF possui um posicionamento sobre a adoção dos tratos internacionais: a chamada tripla hierarquia.
De acordo com o STF, os tratados estão "rankeados" da seguinte forma:
- Tratados de Direitos Humanos aprovados no rito das emendas constitucionais possuem o mesmo status que as emendas;
- Tratados de Direitos Humanos aprovados pelo procedimento ordinário possuem status supralegal (entre as leis e a Constituição), como o Pacto de São José da Costa Rica;
- Tratados que não versam sobre Direitos Humanos possuem força de lei ordinária.