Aplicabilidade Imediata e Plena Eficácia das Normas Definidoras dos Direitos Fundamentais
Introdução
Segundo a previsão do §1º do art. 5º da CF/88, as normas que definem os direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. Porém, surgem uma dúvida quanto à sua abrangência: essa norma possui força para, por si só, transformar todos os direitos fundamentais em normas imediatamente aplicáveis e dotadas de plena eficácia, ainda que se cuide de preceitos que reclamem a intervenção do legislador?
Podemos encontrar diversas posições na doutrina sobre o tema, desde as mais restritivas até as mais ampliativas. Assim, existe argumento apontando que boa parte dos direitos fundamentais só alcança a eficácia nos termos da lei e também existe posição doutrinária que defende que todas as normas de direitos fundamentais independem de lei para sua aplicabilidade.
Posições doutrinárias sobre o tema
Para Celso Bastos, os direitos fundamentais são diretamente aplicáveis, na medida do possível. O autor aponta as seguintes exceções:
- Quando a CF expressamente remete a concretização do direito ao legislador;
- Quando a norma de direito fundamental não contiver elementos mínimos indispensáveis que lhe possam assegurar aplicabilidade. Caso em que não possui normatividade suficiente para gerar seus efeitos principais sem que seja necessária a assunção, pelo Poder Judiciário, da posição reservada ao legislador.
Eros Roberto Grau afirma a inexistência, na Constituição, de normas programáticas (que determinam certos objetivos, finalidades). Além do art. 5º, §1º, o legislador inseriu instrumentos processuais aptos a combater a omissão por parte do legislador ordinário e demais órgãos estatais, com destaque ao mandado de injunção e à ADO (Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão).
Todos os direitos fundamentais, portanto, poderiam ser considerados normas diretamente aplicáveis e alcançar sua plena eficácia, independentemente de ato concretizador.
A posição da Flávia Piovesan e do Ingo W. Sarlet é de que a melhor interpretação do art. 5º, §1º, é de enxergar a norma com cunho principiológico, considerando-a um mandamento de otimização - os órgãos estatais devem reconhecer a maior eficácia possível aos direitos fundamentais. Dentre os direitos fundamentais, é possível que haja distinções no que concerne à graduação desta aplicabilidade e eficácia, dependendo da forma de positivação do objeto e da função que cada preceito desempenha.
Significado da aplicabilidade imediata
A partir do entendimento de Ingo W. Sarlet, representado acima, o jurista também desenvolveu uma base para a interpetação da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais, de acordo com cada categoria.
Parte-se da premissa de que o art. 5º, §1º é um dispositivo otimizador da máxima eficácia possível para os direitos fundamentais, possuindo presunção em favor da aplicabilidade deles. Além disso, há uma distinção entre a eficácia dos direitos de defesa e dos direitos prestacionais.
Eficácia dos Direitos de Defesa
Entende-se que o caráter de imposição de um comportamento omissivo do Estado é compatível com a aplicabilidade imediata, tornando desnecessário o intermédio de uma norma concretizadora. Isso porque, lembrando, os direitos de defesa impõem uma abstenção do Estado de ingeirir na esfera da autonomia pessoal ou, de modo geral, no âmbito de proteção do direito fundamental.
Embora os direitos de defesa possam estar previstos mediante expressões vagas e abertas, que pedem um recurso de interpretação, seu conteúdo pode ser objeto de determinação pelos tribunais através de técnicas, por exemplo, de interpretação conforme a Constituição. Da mesma forma, os direitos sociais de defesa possuem uma função essencialmente defensiva, não dependem da alocação de recursos e da concretização legislativa.
Para exemplificar essa posição e suas exceções, temos uma decisão do STF no julgamento conjunto dos Mandados de Injunção 712-PA, 670-ES e 708-DF. A interpretação do Supremo foi no sentido de que o direito de greve dos servidores públicos (art. 37, VII, CF) é uma norma de eficácia limitada, dependendo de concretização legislativa.
Mesmo diante de um típico direito de defesa, o STF sustentou a necessidade de regulamentação por lei nos casos em que o próprio Constituinte considerou essa concretização como pressuposto do exercício do direito fundamental. Por fim, o STF aplicou ao setor público, no que couber, a lei de greve vigente no setor privado, dando prestígio a maior eficácia dos direitos fundamentais.
Eficácia dos Direitos Prestacionais
Em função do objeto principal desses direitos (conduta positiva do destinatário) e da forma como são positivados (normas de fins e tarefas do Estado), existem controvérsias envolvendo a sua aplicabilidade, eficácia e efetividade. Em regra, é necessária a concretização legislativa, dependendo também de circunstâncias socioeconômicas, visto que os dispositivos são vagos e abertos.
A doutrina majoritária costuma destacar os seguintes efeitos (níveis de eficácia) das normas de direitos prestacionais:
- Acarretam a revogação de atos normativos anteriores e contrários ao conteúdo da norma de direito fundamental. Inexistindo incompatibilidade, as normas anteriores são recepcionadas;
- Contém imposições que vinculam o legislador, obrigando-o a concretizar programas, tarefas, fins e ordens, ficando também restrito aos parâmetros preestabelecidos nas normas de direitos fundamentais prestacionais;
- Impõem a declaração de inconstitucionalidade de todos os atos normativos editados após a vigência da Constituição, caso colidentes com o conteúdo dos direitos fundamentais;
- Constituem parâmetro para a interpretação, integração e aplicação das normas jurídicas - contém princípios, diretrizes e fins que condicionam os órgãos estatais e influenciam toda a ordem jurídica;
- Geram uma posição jurídico-subjetiva em sentido amplo, um direito subjetivo individual a uma determinada prestação estatal (no mínimo um direito subjetivo de cunho negativo);
- Quando concretizados pelo legislador, geram a proibição de retrocesso, impedindo que o legislador venha a abolir determinadas posições jurídicas criadas por ele próprio.