Homicídio e Feminicídio
Homicídio simples
O crime de homicídio está no art. 121 do CP, situado no Capítulo I (Crimes contra a vida).
Homicídio simples
Art. 121. Matar alguém:
Pena - reclusão, de seis a vinte anos.
Vamos examinar a classificação deste crime:
- Bem jurídico tutelado: vida humana extrauterina, ou seja, o crime consuma-se pelo atentado contra a pessoa viva a qualquer momento após o parto.
- Sujeito ativo: é crime comum, ou seja, o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (não precisa ter nenhuma qualidade especial).
- Sujeito passivo: também pode ser qualquer pessoa.
- Conduta (objetividade): matar, tirar a vida de outrem.
- Subjetividade: exige o dolo (direto ou eventual)
- Consumação: é crime material, pois se consuma com a ocorrência de um resultado naturalístico – a morte do sujeito passivo, considerada no momento de cessação da atividade encefálica deste. Trata-se de crime plurissubsistente (admite fracionamento da execução), de modo que a tentativa é possível (só uma das condutas é realizada, por exemplo, a de atacar a vítima atirando contra ela, sem que se tenha sucesso na intenção de tirar-lhe a vida entretanto).
Outras observações relevantes:
- Competência: a competência para julgar crimes dolosos contra a vida é do Tribunal do Júri.
- Hediondo? O homicídio simples, em regra, não é hediondo. No entanto, será considerado hediondo se praticado em atividade típica de grupo de extermínio, conforme o inc. I, art. 1º da Lei 8.072/90 (Lei de crimes hediondos).
- Ação Penal: a ação Penal cabível será pública e incondicionada, ou seja, deverá ser intentada pelo Ministério Público sem a necessidade de representação da vítima ou do Ministro da Justiça.
Homicídio privilegiado
O crime de homicídio privilegiado está previsto no §1º do art. 121 do Código Penal, situado no Capítulo I (Crimes contra a vida).
Art. 121. Matar alguém:
Pena - reclusão, de seis a vinte anos.
Caso de diminuição de pena
§1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a uma injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.
Vamos entender melhor as hipóteses do §1º, em que dizemos haver homicídio privilegiado:
Motivo de relevante valor social ou moral
O valor social diz respeito aos interesses da coletividade em geral, um valor que se poderia ser visto como nobre e altruístico. Matar um traidor da pátria ou um serial killer, por exemplo, seriam hipóteses de homicídio privilegiado motivado por valor social.
O valor moral liga-se aos interesses individuais do agente, dentre eles, os sentimentos de piedade, misericórdia e compaixão. Exemplo: matar com o intuito de livrar um doente terminal dos sofrimentos que o atormentam (eutanásia), ou um pai matar o estuprador de sua filha.
Domínio de violenta emoção, logo após injusta provocação da vítima
A violenta emoção deve ser entendida como aquela que não é leve ou momentânea. Exemplo: entende-se que o cônjuge que flagra o seu marido ou esposa em ato de infidelidade se encontra em situação de violenta emoção.
A injusta provocação da vítima é a agressão ou qualquer conduta provocadora, incitante ou injuriosa da vítima contra o autor do crime, terceiro ou animal. Exemplo: maus tratos relevantes a cachorro cujo dono perde a cabeça, matando o agressor.
A violência deve ocorrer imediatamente após a injusta provocação da vítima. A demora na reação descaracteriza a privilegiadora e caracteriza mera vingança.
Privilegiadora: é uma circunstância do crime que diminui a pena-base de um tipo penal, interferindo na primeira fase de dosimetria da pena.
Causa de diminuição de pena: é uma circunstância do crime que permite a diminuição da pena já delimitada, interferindo na terceira fase de dosimetria da pena.
No entanto, tal crítica serve apenas para evitar possíveis confusões, uma vez que a doutrina, a jurisprudência, os operadores do direito e também o nosso curso continuarão usando o nome homicídio privilegiado para se referir a este dispositivo. Assim, nas hipóteses de homicídio privilegiado temos a diminuição da pena-base de 1/3 a 1/6.
Homicídio qualificado
O crime de homicídio qualificado se encontra previsto nos incisos I a V do §2º do art. 121 do Código Penal, situado no Capítulo I (Crimes contra a vida).
Primeiro cabe lembrar que a qualificadora é a circunstância que aumenta a pena-base do tipo penal, interferindo na primeira fase de dosimetria da pena. Agora, vamos observar em que hipóteses o homicídio recebe penas mais graves.
Homicídio qualificado
Art. 121, CP. [...]
§2° Se o homicídio é cometido:
I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;
O homicídio mediante recompensa, paga ou promessa de recompensa é o famoso caso do matador de aluguel.
O motivo torpe é aquele repugnante, sujo, que causa até asco pela sua falta de humanidade. Exemplo: matar a namorada porque descobriu que ela não era virgem, ou matar o pai para ficar com sua herança.
[...]
II - por motivo fútil;
O motivo fútil é aquele insignificante, mesquinho, totalmente desproporcional. Exemplo: matar porque se ofendeu com um mero xingamento, ou matar porque o dono de um bar não lhe vendeu fiado.
[...]
III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;
O meio indicioso é aquele dissimulado, disfarçado, cujo sujeito ativo age com ardil e desonestidade contra a vítima, ludibriando-a para poder matá-la.
O meio cruel é aquele que aumenta de forma desnecessária e sádica o sofrimento da vítima. Exemplo: uso de torturas para causar a morte.
O perigo comum é aquele que pode atingir uma pluralidade de pessoas.
[...]
IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido;
Um exemplo é o da vítima que tem seu carro preenchido com bombas, as quais poderiam vir a matar quem quer que estivesse dentro do veículo bem como terceiros à sua volta.
[...]
V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime:
VII – contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição: (Incluído pela Lei nº 13.142, de 2015)
Os arts. 142 e 144 da CF mencionados acima referem-se, respectivamente, aos agentes das Forças Armadas e da Segurança Pública.
[...]
VIII - com emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido
A Lei 13.964/19 (Lei anticrime) acrescentou o inciso VIII ao art. 121, qualificando o homicídio com emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido - culminando pena de 12 a 30 anos. Inicialmente, esse dispositivo foi vetado, mas o congresso derrubou o veto e a sua vigência foi retomada.
[...]
IX - contra menor de 14 (quatorze) anos
[...]
Pena - reclusão, de doze a trinta anos.
Crime Hediondo
Já vimos que, em regra, o homicídio simples não é considerado hediondo. No entanto, conforme a segunda parte do inciso I do art. 1º da Lei 8.072/90, o homicídio qualificado é hediondo. Disso resulta que é um crime insuscetível de anistia, graça, indulto, fiança, além de outros efeitos da Lei, modulados pela jurisprudência.
Feminicídio
O crime de feminicídio foi previsto nos incisos VI e VII do §2º do art. 121 do Código Penal, situado no Capítulo I (Crimes contra a vida). O feminicídio é também uma forma de homicídio qualificado, que se diferencia de suas demais espécies pela qualidade especial da vítima e pelas razões que levam ao cometimento do crime.
Art.121. [...]
§2° Se o homicídio é cometido: (…)
Feminicídio (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)
VI - contra a mulher por razões da condição de sexo feminino: (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015) [...]
Pena - reclusão, de doze a trinta anos.
Ou seja, o sujeito passivo do feminicídio é sempre mulher.
Ademais, a motivação do homicídio aqui é sempre relacionada à violência de gênero contra a mulher. O §2º-A especifica os casos em que pode-se identificar essa motivação.
[...]
§2o-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve: (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)
I - violência doméstica e familiar; (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)
II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher. (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)
Devemos entender o ambiente doméstico como o espaço em que há um convívio permanente de um mesmo grupo de pessoas, independentemente de ligação familiar sanguínea entre elas. A família compreende os parentes de todos os graus, consanguíneos, equiparados ou por afinidade, assim como os cônjuges. Veja que, no caso do inciso II, explicita-se o desprezo à condição de mulher como motivo encorajador ou ensejador da agressão fatal cometida pelo autor do crime.
Causas de aumento de pena
Além do próprio aumento da pena-base do feminicídio se comparado ao homicídio simples, essa espécie de crime contra a mulher poderá ainda ter a pena aumentada (na terceira fase de dosimetria), de 1/3 até a metade, em três casos:
[...]
§7o A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado: (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)
I - durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto; (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)
II - contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência; (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)
III - na presença de descendente ou de ascendente da vítima. (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)
Homicídio culposo
O crime de homicídio culposo está previsto no §3º do art. 121 do Código Penal, situado no Capítulo I (Crimes contra a vida).Definição de Culpa
A culpa diz respeito à subjetividade na conduta do agente: à intenção ou consciência quanto à prática da conduta definida como crime. Ela se verifica quando, não havendo propriamente a má intenção do agente de causar algum mal, ele não fez tudo o que deveria ter feito para evitar um possível estrago.
A definição de crime culposo está prevista no próprio CP, na parte geral:
Art. 18 – Diz-se o crime: [...]
Crime culposo (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
II - culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Diz-se que a culpa se desdobra em três: a imprudência, a negligência e a imperícia. Vamos entender melhor estes conceitos:
- Imprudência: corresponde a uma atitude positiva (ação), em que o sujeito age sem a cautela necessária, vindo a provocar um resultado lesivo. Sabemos que agir com imprudência é agir sem tomar a devida cautela. Exemplo: motorista dirigindo em alta velocidade.
- Negligência: corresponde a um deixar de fazer (omissão), ou seja, o sujeito se abstém de fazer aquilo que a diligência normal impõe. Exemplo: médico que esquece de retirar um bisturi de dentro do paciente.
- Imperícia: corresponde a uma inaptidão de profissional para a atividade ou o ofício que se está a exercer. Exemplo: engenheiro elétrico assina um projeto de construção de um grande edifício sem conhecimento técnico para o fazer - o profissional habilitado seria o engenheiro civil.
Prevê ainda o parágrafo único do art. 18 do CP:
Art. 18. [...]
Parágrafo único - Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Ou seja, em regra, os crimes culposos só são punidos se a lei assim determinar expressamente.
Classificação de culpa
- Culpa consciente: o resultado é previsto pelo agente, mas este pensa poder evitar o resultado por meio de suas habilidades e espera que ele não aconteça. Há excesso de confiança do agente. Exemplo: atirador de facas de um circo. Ao atirar uma faca, ele certamente acredita que não machucará a vítima.
- Culpa inconsciente: o agente não prevê o resultado apesar de ele ser previsível. Nesta modalidade de culpa é que se encaixam a imprudência, negligência e imperícia. Exemplo: em plena rodovia, enquanto dirigindo em alta velocidade, um motorista atropela alguém que atravessava a rua em lugar impróprio para pedestres.
- Dolo eventual: muito parecido com a culpa consciente, o agente prevê o resultado, não quer que ele aconteça, mas assume seu risco escancaradamente. Exemplo: motorista que corre a 100km/h numa rua onde há muito movimento de pedestres e cuja velocidade permitida é 60km/h.
Prevê o §3º do art. 121 do CP:
Art.121. [...]
Homicídio culposo
§3º Se o homicídio é culposo: (Vide Lei nº 4.611, de 1965)
Pena - detenção, de um a três anos.
No homicídio culposo, justamente, o legislador entendeu que a pena-base deveria ser menor que a do homicídio comum (praticado com dolo).
Isenção de pena
O legislador previu, ainda, no §5º do art. 121, que o autor do homicídio culposo poderá ser isento de pena no seguinte caso:
Art.121. [...]
§5º Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária. (Incluído pela Lei nº 6.416, de 24.5.1977)
Exemplo: pessoa que, ao conduzir veículo com negligência, mata outra pessoa e fica tetraplégico. Juiz poderá dispensar a aplicação da pena em vista das graves consequências da ação já sofridas pelo indivíduo.
Causas de aumento de pena – Homicídio culposo e doloso
O §4º prevê ainda o aumento da pena (na terceira fase da dosimetria) do homicídio culposo e doloso:
Art.121. [...]
Aumento de pena
§4o No homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as conseqüências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante. Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos. (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003) […]
§6o A pena é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado por milícia privada, sob o pretexto de prestação de serviço de segurança, ou por grupo de extermínio. (Incluído pela Lei nº 12.720, de 2012)
Como podemos ver acima, no homicídio culposo, há três hipóteses em que a pena pode ser aumentada em 1/3: Se resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício; se agente deixa de prestar socorro imediato à vítima; se agente não procura diminuir consequências de seus atos; se agente foge para evitar a prisão em flagrante.
No caso do homicídio doloso, haverá o aumento de 1/3 da pena se este for cometido: contra pessoa menor de 14 ou maior de 60 anos (assim como ocorre no feminicídio); por milícia privada, sob o pretexto de prestação de serviço de segurança, ou por grupo de extermínio.