Natureza dos Precedentes

No Direito Ocidental, há duas formas de aplicação de normas jurídicas, o common law e o civil law. No common law, há grande valoração de precedentes, inclusive sendo de grande relevância o estudo dos chamados casos paradigmáticos, havendo um tendência a conservar decisões anteriores a casos repetitivos. Já o civil law trata-se da lógica do direito codificado, com a interpretação e fundamentação das decisões com base nas normas escritas, positivadas.

Entretanto, desde a década de 70, com a emergência de diversos novos direitos previstos e novas relações jurídicas, os modelos passaram a ser flexibilizados e dinamizados, reciprocamente recebendo influências entre si. Como exemplo, existe a solução de macrolides com direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, além do empoderamento dos precedentes, que passam a ter força vinculante dependendo do caso, em paralelo às leis. Tais ideias foram importadas e adaptadas da common law.

No Brasil, por exemplo,  a prática tem demonstrado que as diferenças de decisões em casos semelhantes possuem efeitos muito ruins, prejudicando a isonomia e a segurança jurídica previstos na Constituição. As possíveis causas apontadas para essa dispersão decisória seriam fatores culturais,  a educação jurídica desigual, a estrutura e organização do Poder Judiciário, que recebe pouca atenção, historicamente, por parte da doutrina, as novas técnicas legislativas, baseadas em cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados, de maneira a permitir uma melhor adequação ao caso concreto, o controle difuso de constitucionalidade, que, na prática, autoriza que cada julgador defina seu próprio ordenamento jurídico, afastando normas que julgue inconstitucionais, e o neoconstitucionalismo, que insere, no panorama jurídico, valores e princípios abstratos, que levam à maior dificuldade de definição de sentidos. 

O CPC diz que os precedentes devem ser instáveis, íntegros e independentes. Existe a obrigação dos tribunais a uniformizar sua jurisprudência, conforme art. 926, caput. Com efeito, no cenário constitucional, é injustificável que uma mesma corte possua decisões conflitantes. Impõe-se a unidade interna corporis. A principal novidade, nesse ponto, é o leque de instrumentos conferidos ao Judiciário para que alcance tal fim: para além da via ordinária recursal, apresentam-se os incidentes de assunção de competência (art. 947) e de resolução de demandas repetitivas (arts. 976-987), analisados em tópicos próprios.

Após a uniformização, há que se manter a jurisprudência estável – sem modificações constantes –, íntegra – una – e coerente – com o dever de autorreferência dos julgadores, tanto sob a ótica horizontal (magistrados que compõem o próprio tribunal) como vertical (julgadores subordinados ao tribunal que fixou a tese).

Há 6 tipos de efeitos: autorizante, autorizando a criação de novos direitos, obstativo, impedindo recursos que se oponham a ele, vinculativo, onde lides com mesma discussão e mesma solução, persuasivo, que induz ao julgador a aplicar graças a sua coerência com devida e extensa justificativa, revisional, que revisa entendimentos contrários do próprio julgador, e rescindente, que em casos específicos rescindo coisa julgada, tornando inconstitucional, exclusivamente de competência do STF.

O termo precedente se refere a fatos pretéritos. Ela existe desde os primórdios do Direito Romano. Jurisprudência é espécie de precedente que ocorreu diversas vezes, em todos os casos tendendo a uma mesma direção, o que permite que se possa inferir que o tribunal possui o entendimento consolidado sobre determinado tema. Nem sempre são vinculantes.

O artigo 927 traz um rol de precedentes com força vinculante, existindo algum grau de divergência conceitual na doutrina, tratando-se dos precedentes à brasileira, pois a Constituição apenas reconhece dois, que são o controle abstrato e concentrado do STF e a edição de sumulas vinculantes, nos dois primeiros incisos do referido artigo.
Haveria limitação dos poderes dos magistrados, algo não tolerável a não ser se previsto expressamente na constituição. Entretanto, a maior parte da jurisprudência reconhece a constitucionalidade de todas as hipóteses do referido artigo.

Para além do tratamento da jurisprudência e das súmulas, o Código de 2015 impõe a observância, por todos os juízes, de certos entendimentos: decisões do Supremo Tribunal em controle de constitucionalidade, até em razão do efeito vinculante e da eficácia erga omnes estatuídos pela Constituição, súmula vinculante, também do Supremo Tribunal Federal e por idênticas razões, acórdãos em incidentes de assunção de competência e de resolução de casos repetitivos, assim entendido o gênero composto pelo incidente de resolução de demandas repetitivas e pelo julgamento de recursos repetitivos pelos tribunais superiores (art. 928), súmula do Supremo Tribunal, em matéria constitucional, e do Superior Tribunal de Justiça, em matéria de legislação federal, e orientações do plenário ou do órgão especial do tribunal. 

Dentre os efeitos dos precedentes estão os efeitos vinculativo e persuasivo. No caso concreto, se há um caso semelhante a um anterior, é necessário que haja a correlação entre o caso atual e o precedente mesmo sem a manifestação da parte, mediante uma sentença normal ou própria. O inciso VI do art. 489, § 1º, do CPC de 2015, estabeleceu esse sistema de stare decisis ao determinar que não é fundamentada a decisão que deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. 

A não aplicação de precedentes pode ocorrer legitimamente sob a forma de distinção (distinguishing) ou de superação (overruling). Quando regularmente aplicada, a distinção não configura desrespeito à jurisprudência, mas, sim, a sua correta interpretação, à luz dos casos concretos subsequentes, que possuam outras circunstâncias essenciais, que não se identificam ou não se subsumem aos do precedente, indicando que o caso concreto deve ser apreciado sob outros valores ou parâmetros.

O distinguishing preserva a racionalidade dos julgados anteriores, ao mesmo tempo que agrega novas razões, à luz de fatos diferentes apresentados ao Judiciário. A superação pode decorrer de razões variadas, como a modificação normativa subsequente, no âmbito constitucional ou infraconstitucional; de novas circunstâncias políticas, econômicas ou sociais, causando a revisão do precedente diante de nova realidade; ou mesmo uma possibilidade de autocrítica a partir de argumentos surgidos no futuro ou preexistentes.

O Código trata expressamente da modulação dos efeitos, prestigiando os particulares e o ente público que tenham se portado de acordo com a tese jurídica vigente até então (art. 927, § 3º). Trata-se de uma modalidade de tutela da confiança do cidadão, contra o Poder Público (Vertrauensschutzgrundsatz). Afinal, se alguém se comporta de acordo com o entendimento que o Estado entendia correto, não poderá se prejudicar por mudanças súbitas. Por isso, a modulação é não só possível como recomendável, “como autêntica norma de direito transitório ou intertemporal”, enquanto exigência de segurança jurídica.
 

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