Disponibilidade motivada da ação coletiva

As ações coletivas tem o condão de veicular pleitos dos quais são titulares toda a sociedade. Assim a própria lei estabelece quem tem legitimidade para ingressar em juízo com a demanda. Como não se trata de interesse próprio, é necessário que o autor da demanda traga uma justificativa para a desistência da ação. Na hipótese de o juiz do caso verificar que a desistência da ação é infundada, caberá ao Ministério Público assumir a titularidade da ação.

O que é interessante analisar neste ponto é a possibilidade de desistência pelo parquet, pois há divergência na doutrina especializada. Não há previsão legal de procedimento a ser seguido quando o MP requerer desistência da ação.

Para parcela da doutrina, caso a desistência seja realizada pelo MP, deve ser aplicado, analogicamente, o artigo 28 do Código de Processo Penal. Este dispositivo previa que, caso o magistrado não concordasse com a promoção do Ministério Público para arquivamento do inquérito policial, haveria remessa dos autos ao Procurador-Geral para que retificasse o arquivamento ou oferecesse a denúncia. Foi dito “previa”, no passado, pois o artigo sofreu alterações com o pacote anticrime, modificações essas que encontram-se com a efetividade suspensa pelo Supremo Tribunal Federal.

A nova redação do artigo 28 do Código de Processo Penal retira a ingerência do magistrado da análise do arquivamento, determinando apenas a remessa das peças de informação para o órgão de revisão do Ministério Público. Porém, encontra-se com a efetividade suspensa.

Outra parcela da doutrina, contudo, assevera que, no caso de desistência pelo parquet, deve-se aplicar o art. 9º da Lei de Ação Civil Pública, também em analogia, pois este dispositivo traz o procedimento a ser aplicado no arquivamento de inquérito civil.

O artigo determina que, no bojo do inquérito civil, se o membro do Ministério Público não entender pelo ajuizamento da demanda, promoverá o arquivamento e remeterá as peças de informação para o Conselho Superior.

Perceba a sutil diferença. No procedimento ainda vigente no CPP, o magistrado tem participação sobre a deliberação do arquivamento ou não do inquérito policial. O juiz pode não concordar com a postura do parquet e assim provocar a manifestação do Procurador de Justiça. Na redação do artigo alterada pelo pacote anticrime, a decisão de arquivamento do inquérito policial não passa mais pelo crivo do juiz, se resolvendo inteiramente no âmbito do Ministério Público, pois o promotor de justiça que pretende arquivar deve necessariamente remeter ao órgão superior da instituição para homologação.

Esse procedimento é muito parecido com o que a lei de ação civil pública prevê. Isso porque nunca houve previsão legal para que o magistrado intercedesse na análise do arquivamento do inquérito civil.

Porém, enquanto a suspensão da vigência da redação do art. 28 do CPP, proposta pelo pacote anticrime, estiver valendo, é importante o conhecimento desta discussão.

Por fim, crítica muito severa que ecoa na doutrina sobre a aplicação analógica do art. 28 do CPP é no sentido de que se deve respeitar a ideia de microssistema da tutela coletiva, de forma que havendo procedimento na lei de ação civil pública, mesmo que seja aplicado de forma analógica, este deve ser priorizado.

Máximo benefício da tutela jurisdicional coletiva

Este princípio estabelece que a coisa julgada, nas ações coletivas, apenas atingirá individualmente os particulares para beneficiá-los. Neste contexto se apresenta a figura do transporte in utilibus da coisa julgada, que possibilita que o particular utilize em sua demanda particular a sentença proferida em uma ação coletiva, desde que comprove a identidade fática e jurídica entre a situação julgada e a demandada. 

É importante notar que o Superior Tribunal de Justiça tem entendimento de que o transporte in utilibus da coisa julgada pode se dar inclusive de coisa julgada ocorrida no processo penal. Assim, caso haja condenação por um crime que verse sobre direitos difusos, o particular que sofreu consequências da infração pode utilizar esta coisa julgada para requerer, em ação própria, eventuais ressarcimentos de prejuízos.

Exemplo: caso haja a condenação por um crime ambiental, os titulares de direitos individuais conexos podem ajuizar a liquidação de seu prejuízo decorrente do ilícito e a execução cível pertinente.

Sobre a utilização da coisa julgada em demanda individual, deve-se ressalvar que não há possibilidade para toda e qualquer situação. Este instituto comporta restrições quando o autor da demanda coletiva for associação. Esse caso será abordado oportunamente.

Outra exceção na possibilidade de utilização de julgamento coletivo em favor de particular em ação individual ocorre quando o indivíduo já encontra-se em litigio sobre o mesmo tema, é notificado do ajuizamento da ação coletiva e não opta pela suspensão de sua ação. Esta hipótese será abordada no próximo princípio.

Princípio da ampla divulgação da demanda coletiva

O legitimado coletivo quando promove a ação tem que conferir ampla publicidade e divulgação. Assim, o autor da ação individual já em trâmite deve ser intimado da ação coletiva para que opte por uma das seguintes alternativas:

  1. Requerer a suspensão da sua ação individual para aguardar o desfecho da ação coletiva, e, uma vez esta lhe sendo favorável, realizar o transporte in utilibus; ou
  2. O particular pode optar pelo prosseguimento da sua ação individual e, assim, estará vinculado à sua sorte.

Nesta última hipótese, caso o seu pedido seja julgado improcedente, e a ação coletiva julgada procedente, não poderá o particular utilizá-la para liquidação ou execução cível.

Importante frisar que é o demandado que deve informar no bojo do processo individual a propositura de ação coletiva para que o particular opte ou não pelo requerimento de suspensão.

No Informativo de Jurisprudência 585, foi veiculado julgado do Resp 1.593.142 do Superior Tribunal de Justiça que decidiu que os autores de ações individuais em cujos autos não foi dada ciência do ajuizamento de ação coletiva, e que por isso não requereram a suspensão da demanda, PODEM se beneficiar da coisa julgada coletiva.

A ampla publicidade é importante também para facultar que algum interessado ingresse na demanda como litisconsorte.

Acesso à justiça

No Brasil utiliza-se o modelo ope legis, ou seja, para a defesa dos direitos transindividuais, o microssistema de processo coletivo estabelece um rol de legitimados. No direito comparado é possível encontrar modelo chamado ope judici, no qual o juiz, diante do caso concreto verifica se aquele personagem tem legitimidade para atuar na demanda coletiva. Este sistema é utilizado pelo direito norte-americano.

Economia processual

O princípio da economia processual se estende por diversos ramos do direito. Em sentido mais amplo, este princípio busca a efetividade do processo de forma a afastar a pratica de atos dispensáveis ou inúteis. Busca-se assim aliar o processo, com seu necessário formalismo e com a efetividade, para que se chegue ao final com a solução da contenda dispensado um custo financeiro, humano e administrativo na justa medida, sem excessos.

Interesse jurisdicional no conhecimento do mérito

Este princípio não é exclusivo do processo coletivo. Segundo este postulado, o juiz deverá dar à parte a oportunidade de corrigir vícios sanáveis ao invés de extinguir o processo sem resolução do mérito.

Ele pode ser analisado ao lado de alguns outros que lhes correspondem, tais como a instrumentalidade das formas, economia processual e razoável duração do processo. 

Sendo o vício sanável, é pertinente que a parte tenha a oportunidade de supri-lo e, assim, dar continuidade a marcha processual. Muito penoso para as partes, para o judiciário e, em última análise para toda a sociedade, descartar autos que se findaram sem a análise do mérito, depois de anos de tramitação, esforços das partes para instruí-lo, custo administrativo para o impulso processual. E ainda “obriga” a parte que inicie nova contenda idêntica, com os mesmos objetivos e com a renovação de todos os atos, dispendendo energia desnecessária.

Esse princípio aplica-se ao processo coletivo, que busca a tutela de direitos e interesses pertencentes a toda a coletividade. Se no processo individual é dado ao juiz, quando possível, buscar a sanatória de vícios, com mais razão deve-se buscá-lo no âmbito coletivo.

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