Pessoas Jurídicas - II

Desconsideração da Personalidade Jurídica



Falamos sobre a distinção entre a pessoa jurídica e seus membros, pois ela possui existência autônoma, não se confundindo com quem a criou. Tal situação gera uma blindagem patrimonial.

Entretanto, o art. 50 do Código Civil dispõe que:

Art. 50.  Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. 

§ 1º  Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. 

§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por: 

I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; 

II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e 

III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial. 

§ 3º  O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica. 

§ 4º  A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica. 

§ 5º  Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica.

Nessa ótica, temos que o Código Civil adotou a teoria da desconsideração da personalidade jurídica nos casos em que houver (i) desvio de finalidade; ou (ii) confusão patrimonial.

O desvio de finalidade é a adoção de artifícios através da pessoa jurídica para lesar credores (atrasar pagamentos, evitar obrigações, impedir execuções) ou praticar atos ilícitos (fraudes, estelionato, lavagem de dinheiro, etc.). Nestas situações, o sócio obtém vantagem de diferentes formas: ele pode evitar que uma dívida sua seja cobrada pelo credor, pode ocultar determinado patrimônio individual ou até mesmo cometer um crime econômico, utilizando os cofres da pessoa jurídica para movimentar valores ilegais.

A confusão patrimonial é a mistura inadequada do patrimônio dos sócios e da pessoa jurídica. Pode-se constatar a confusão patrimonial quando valores injustificáveis são movimentados entre a pessoa jurídica e a pessoa física ou quando as obrigações de uma são cumpridas pela outra. Vale dizer que não é qualquer transferência de valores que configura confusão patrimonial, mas apenas aqueles de valores proporcionalmente significantes.

Observados o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial, poderá o juiz desconsiderar a personalidade jurídica para que sejam reparados os atos causados por aqueles que se utilizaram indevidamente da pessoa jurídica para obtenção de vantagens injustas ou ilícitas. Portanto, é a presença do desvio de finalidade ou a confusão patrimonial somada à obtenção de vantagem direta ou indireta que permite a desconsideração da personalidade jurídica. Esta é a chamada Teoria Maior, e é adotada pelo Código Civil.

Existe ainda a Teoria Menor, adotada no Direito do Consumidor e Direito Ambiental, a qual prevê que a mera insolvência da pessoa jurídica permite a desconsideração de sua personalidade. 

Uma vez desconsiderada a personificação outrora dada, ficará ela afastada temporariamente até que o juiz decida. Assim, o que antes era distinto deixa de ser, e os sócios responderão pelos atos praticados, ou seja, confundir-se-á o patrimônio pessoal do sócio com o patrimônio da pessoa jurídica da qual faz parte.

Extinção das Pessoas Jurídicas



A extinção da pessoa jurídica significa dizer que ela chegou ao seu fim.

O art. 1.033 do Código Civil tratou de elencar diversas hipóteses de dissolução da sociedade. Vejamos:

Art. 1.033. Dissolve-se a sociedade quando ocorrer:

I - o vencimento do prazo de duração, salvo se, vencido este e sem oposição de sócio, não entrar a sociedade em liquidação, caso em que se prorrogará por tempo indeterminado;

II - o consenso unânime dos sócios;

III - a deliberação dos sócios, por maioria absoluta, na sociedade de prazo indeterminado;

IV - (Revogado pela Lei nº 14.195, de 2021);

V - a extinção, na forma da lei, de autorização para funcionar.

 Parágrafo único. (Revogado pela Lei nº 14.195, de 2021)

Extinta a pessoa jurídica, haverá a desvinculação das unidades de seus membros e materiais que fundavam sua existência.

Existe ainda a extinção por determinação judicial, a requerimento de qualquer dos sócios, quando for esgotado o fim social, conforme art. 1.034 do Código Civil.

O art. 69 do Código Civil especifica os casos em que serão dissolvidas as fundações. Aqui, existindo uma finalidade ilícita, impossível, ou decorrido o prazo de sua existência, o Ministério Público, ou qualquer outro interessado, poderá promover a extinção da fundação, incorporando seu patrimônio, observado o ato constitutivo ou estatuto, a outra fundação designada pelo juiz que possua fim igual ou semelhante.

Com relação à associação, o art. 61 do mesmo código diz que, previsto em seu estatuto, seus bens serão destinados a entidades igualmente de fins não lucrativos. Não havendo tal previsão, os bens irão para estabelecimento municipal, estadual ou federal de fins semelhantes.

Mas e se não houver, no Município, Estado ou Distrito Federal em que a associação tinha sede, outro ente sem fins lucrativos?

Neste caso, os bens remanescentes deverão ser devolvidos à Fazenda do Estado, do Distrito Federal ou da União. (art. 62, § 2º, do CPC).

 Atenção! Devemos saber que a extinção da pessoa jurídica não se opera de modo instantâneo. Ora, havendo bens de seu patrimônio e dívidas a resgatar, ou seja, ativos e passivos, continuará a pessoa jurídica em fase de liquidação, respeitada a publicação necessária. Finalizada a liquidação, será promovido o cancelamento da inscrição da pessoa jurídica.

Lei nº 14.382/22

Essa lei acrescentou o art.48-A ao Código Civil. Vejamos:

Art. 48-A. As pessoas jurídicas de direito privado, sem prejuízo do previsto em legislação especial e em seus atos constitutivos, poderão realizar suas assembleias gerais por meio eletrônico, inclusive para os fins do disposto no art. 59 deste Código, respeitados os direitos previstos de participação e de manifestação.  

Procurador Municipal (INAZ do Pará) - 2019
Questão 1.

O Código Civil Brasileiro determina que as pessoas jurídicas podem ser de direito público, interno ou externo, e de direito privado. Com fulcro na referida legislação, assinale a opção que consiste em pessoa jurídica de direito público interno:

A
Os partidos políticos;
B
As organizações religiosas;
C
Os Estados estrangeiros;
D
As associações;
E
As autarquias, inclusive as associações públicas.
Procurador do Ministério Público de Contas (CESPE) - 2019
Questão 2.

Acerca da desconsideração da personalidade jurídica, julgue os itens seguintes.

I A constatação da insolvência e a inexistência de bens do devedor são suficientes para a desconsideração da personalidade jurídica.

II O abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, enseja a desconsideração da personalidade jurídica.

III Na teoria da desconsideração inversa da personalidade jurídica, pessoa jurídica pode responder por obrigação de sócio que lhe tenha transferido seu patrimônio com o intuito de fraudar credores.

Assinale a opção correta.

A
Apenas o item I está certo.
B
Apenas o item II está certo.
C
Apenas os itens I e III estão certos.
D
Apenas os itens II e III estão certos.
E
Todos os itens estão certos.
Técnico Superior Jurídico (FGV) - 2019
Questão 3.

Pedro, morador de uma área carente, recebeu uma carta informando-o que estava em débito com a anuidade da associação de moradores do seu bairro. Ressalte-se que Pedro, no fim do ano anterior, tinha solicitado o seu desligamento da associação, o que foi indeferido sob o argumento de que a associação atuava em benefício dos moradores.

À luz do ocorrido, Pedro procurou a Defensoria Pública e solicitou orientação, sendo-lhe informado, corretamente, que o seu requerimento foi indeferido de:

A
modo correto, pois todos os moradores devem permanecer vinculados à referida associação;
B
forma equivocada, pois ninguém pode ser obrigado a permanecer associado;
C
modo correto, pois, como Pedro se associou de modo voluntário, não poderia desligar-se da associação;
D
forma equivocada, pois a associação de moradores deveria demonstrar que atuou em benefício de Pedro durante o ano
E
modo correto, pois o pedido de desligamento só teria eficácia 2 (dois) anos depois.
Analista Judiciário - Oficial de Justiça (2018 (FGV) - 2018
Questão 4.

Um grupo de biólogos decide organizar uma pessoa jurídica para apoiar a pesquisa científica. Não pretendem acometer finalidade econômica à atividade do novo ente, mas desejam, de toda forma, participar ativamente da administração da entidade.

Diante desse quadro, deve-se indicar ao grupo de biólogos a constituição de:

A
partido político
B
associação
C
grupo de amigos
D
sociedade
E
organização religiosa
Exame de Ordem Unificado - XIX (FGV) - 2016
Questão 5.

Júlia, casada com José sob o regime da comunhão universal de bens e mãe de dois filhos, Ana e João, fez testamento no qual destinava metade da parte disponível de seus bens à constituição de uma fundação de amparo a mulheres vítimas de violência obstétrica. Aberta a sucessão, verificou-se que os bens destinados à constituição da fundação eram insuficientes para cumprir a finalidade pretendida por Júlia, que, por sua vez, nada estipulou em seu testamento caso se apresentasse a hipótese de insuficiência de bens.

Diante da situação narrada, assinale a afirmativa correta.  

A
A disposição testamentária será nula e os bens serão distribuídos integralmente entre Ana e João.
B
O testamento será nulo e os bens serão integralmente divididos entre José, Ana e João.
C
Os bens de Júlia serão incorporados à outra fundação que tenha propósito igual ou semelhante ao amparo de mulheres vítimas de violência obstétrica.
D
Os bens destinados serão incorporados à outra fundação determinada pelos herdeiros necessários de Júlia, após a aprovação do Ministério Público.
Exame de Ordem Unificado - XV (FGV) - 2014
Questão 6.

Paulo foi casado, por muitos anos,no regime da comunhão parcial com Luana, até que um desentendimento deu início a um divórcio litigioso. Temendo que Luana exigisse judicialmente metade do seu vasto patrimônio, Paulo começou a comprar bens com capital próprio em nome de sociedade da qual é sócio e passou os demais também para o nome da sociedade, restando, em seu nome, apenas a casa em que morava com ela.

Acerca do assunto, marque a opção correta

A
A atitude de Paulo encontra respaldo na legislação, pois a lei faculta a todo cidadão defender sua propriedade, em especial de terceiros de má-fé
B
É permitido ao juiz afastar os efeitos da personificação da sociedade nos casos de desvio de finalidade ou confusão patrimonial, mas não o contrário, de modo que não há nada que Luana possa fazer para retomar os bens comunicáveis.
C
Sabendo-se que a “teoria da desconsideração da personalidade jurídica” encontra aplicação em outros ramos do direito e da legislação, é correto afirmar que os parâmetros adotados pelo Código Civil constituem a Teoria Menor, que exige menos requisitos
D
No caso de confusão patrimonial, gerado pela compra de bens com patrimônio particular em nome da sociedade, é possível atingir o patrimônio da sociedade, ao que se dá o nome de “desconsideração inversa ou invertida'',de modo como matrimoniais e comunicáveis
Exame de Ordem Unificado - VI - Reaplicação (FGV) - 2012
Questão 7.
Roberto, por meio de testamento, realiza dotação especial de bens livres para a finalidade de constituir uma fundação com a finalidade de promover assistência a idosos no Município do Rio de Janeiro. Todavia, os bens destinados foram insuficientes para constituir a fundação pretendida pelo instituidor. Em razão de Roberto nada ter disposto sobre o que fazer nessa hipótese, é correto afirmar que
A
os bens dotados deverão ser convertidos em títulos da dívida pública até que, aumentados com os rendimentos, consigam perfazer a finalidade pretendida.
B
os bens destinados à fundação serão, nesse caso, incorporados em outra fundação que se proponha a fim igual ou semelhante.
C
a Defensoria Pública do estado respectivo, responsável por velar pelas fundações, destinará os bens dotados para o fundo assistencial mantido pelo Estado para defesa dos hipossuficientes.
D
os bens serão arrecadados e passarão ao domínio do Município, se localizados na respectiva circunscrição.
Analista Legislativo Municipal - Área Legislativa (FGV) - 2018
Questão 8.

Por meio de escritura pública, Juscelino institui Fundação Pró-Meio Ambiente (FPMA), que tem por objeto a pesquisa de tecnologia para o desenvolvimento sustentável. Destinou, para a pessoa jurídica, determinado número de bens, os quais, no entanto, verificou-se que são insuficientes para a constituição da FPMA.

Tendo em vista que nada se dispôs no estatuto acerca dessa hipótese, sobre o destino dos bens da Fundação, é correto afirmar que:

A
serão destinados a outra fundação de livre escolha a ser efetuada por Juscelino;
B
incorporarão o patrimônio do Município em que foi constituída;
C
serão destinados a fundo próprio do Ministério Público Estadual;
D
retornarão ao patrimônio de Juscelino, pois é condição resolutiva tácita de sua constituição a existência de bens suficientes para suas atividades;
E
serão incorporados ao patrimônio de fundação que possua finalidade semelhante.
Exame de Ordem Unificado - XXXVI (FGV) - 2022
Questão 9.

João Paulo, Thiago, Ana e Tereza, amigos de infância, consultam um advogado sobre a melhor forma de, conjuntamente, desenvolverem atividade com o propósito de auxiliar na educação formal de jovens de uma comunidade da cidade ABC.

Os amigos questionam se deveriam constituir uma pessoa jurídica para tal fim e informam ao advogado que gostariam de participar ativamente da administração e do desenvolvimento das atividades de educação. Além disso, os amigos concordam que a referida pessoa jurídica a ser constituída não deve ter finalidade lucrativa.

Diante do cenário hipotético narrado, o advogado(a) deverá indicar

A
a necessidade de constituição de uma associação e alertar aos amigos que o custeio da referida associação deverá ser arcado por eles, tendo em vista a ausência de finalidade lucrativa.
B
a necessidade de constituição de uma associação que poderá desenvolver atividade econômica, desde que a totalidade dos valores auferidos seja revertida para a própria associação.
C
a constituição de uma fundação, porque é a modalidade mais adequada para que os amigos possam participar ativamente da administração e das atividades de educação.
D
a constituição de uma fundação e alertar aos amigos que o custeio da referida fundação deverá ser arcado por eles, tendo em vista a ausência de finalidade lucrativa e a impossibilidade de aportes financeiros por outras pessoas que não pertencem à fundação.
Exame de Ordem Unificado - XXXV (FGV) - 2022
Questão 10.

Paulo é pai de Olívia, que tem três anos. Paulo é separado de Letícia, mãe de Olívia, e não detém a guarda da criança. Por sentença judicial, ficou fixado o valor de R$3.000,00 a título de pensão alimentícia em favor de Olívia. Paulo deixou de pagar a pensão alimentícia nos últimos cinco meses e, ajuizada uma ação de execução contra ele, não foi possível encontrar patrimônio suficiente para fazer frente às obrigações inadimplidas. Entretanto, Paulo é também sócio da sociedade Paulo Compra e Venda de Joias Ltda., sociedade que tem patrimônio considerável.

Diante desse cenário, assinale a afirmativa correta.

A
Tendo em vista a absoluta autonomia da pessoa jurídica em relação aos seus sócios, não é possível, em nenhuma hipótese, que, na ação de execução, Olívia atinja o patrimônio da pessoa jurídica Paulo Compra e Venda de Joias Ltda.
B
É possível a desconsideração inversa da personalidade jurídica, a fim de se atingir o patrimônio da sociedade Paulo Compra e Venda de Joias Ltda., independentemente de restar configurada a situação de abuso da personalidade jurídica.
C
Ainda que se comprove o abuso da personalidade jurídica, a legislação apenas reconhece a hipótese de desconsideração direta da personalidade jurídica, não se admitindo a desconsideração inversa, razão pela qual não é possível que Olívia atinja o patrimônio da sociedade Paulo Compra e Venda de Joias Ltda.
D
É possível a desconsideração inversa da personalidade jurídica, a fim de que Olívia atinja o patrimônio da sociedade Paulo Compra e Venda de Joias Ltda., caso se considere que Paulo praticou desvio de finalidade ou confusão patrimonial.
Exame de Ordem Unificado - XXXVII (FGV) - 2023
Questão 11.

A Associação Atlética de uma renomada instituição de ensino jurídico brasileira, que possui mais de seiscentos associados, publica edital em seu site e, também, nas redes sociais, de convocação para uma Assembleia Geral, a ser realizada por meio eletrônico, trinta dias após a publicação, tendo como pauta a aprovação das contas dos diretores relativas ao exercício financeiro anterior e a alteração do estatuto.

Diante da situação narrada, assinale a afirmativa correta.

A
A convocação de Assembleia Geral feita pela Associação Atlética apresenta um vício formal que conduz à nulidade absoluta, haja vista a impossibilidade da realização de Assembleia Geral por meio eletrônico.
B
A realização de Assembleia Geral por meio eletrônico é possível juridicamente, desde que respeitada a participação e a manifestação dos associados, salvo para alteração estatutária, que deverá ser feita por reunião presencial, de modo que o edital da Associação Atlética é nulo, admitindo-se a conversão.
C
A realização de Assembleia Geral por meio eletrônico é válida, desde que garantida a participação e a manifestação dos associados, além do respeito às normas estatutárias, inclusive, para a finalidade de alteração dos estatutos.
D
A realização de Assembleia Geral por meio eletrônico é anulável, por falta de previsão legal, admitindo-se, por conseguinte, a convalidação.
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