Doutrina da Proteção Integral



O Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA, foi promulgado em 1990 para consolidar as diretrizes da Carta Magna e as diretrizes dos tratados internacionais sobre direitos das crianças e adolescentes (especialmente a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças - ratificada pelo Brasil em 1990).

O ECA é divido em uma Parte Geral, a qual prevê os Direitos Fundamentais, e em uma Parte Especial, a qual contém disposições pertinentes ao atendimento institucional e o acesso à Justiça. Nota-se uma significativa diferença entre o ECA e o Código de Menores de 1979, o qual gerava a intervenção do Estado somente quando verificava-se a "situação irregular", ou seja, quando as crianças e adolescentes não estavam inseridos dentro de uma família, ou estavam sendo privados de condições essenciais à sua subsistência, saúde e educação, ou estavam expostas a "perigo moral" ou possuíam "desvio de conduta".

A Constituição de 1967 também não previa quaisquer direitos, adotando apenas um fundamento assistencialista e repressor, e não de juridicização de direitos fundamentais. Portanto, nota-se que a legislação referente a crianças e adolescentes em vigor anteriormente, não continha qualquer previsão a respeito do direito ao crescimento e desenvolvimento digno e saudável das crianças e adolescentes.  Tal doutrina da "situação irregular" considerava as crianças e adolescentes como objetos de tutela e intervenção e não como sujeitos de Direito. Porém, com o novo olhar jurídico da Constituição Federal de 1988 sobre as crianças e adolescentes, a doutrina da "situação irregular" foi substituída pela doutrina da proteção integral. 

Veja a diferença entre a doutrina da situação irregular e da proteção integral no quadro abaixo:

ASPECTOS

Código de Menores
(Lei 6.697/79)

Estatuto da Criança e do Adolescente
(Lei 8.069/90)

Doutrinário

Situação Irregular

Proteção Integral

Caráter

Filantrópico

Política Pública

Fundamento

Assistencialista

Direito Subjetivo

Competência Executória

União/Estados

Município

Modelo Decisório

Centralizador

Participativo

Institucional

Estatal

Co-Gestão Sociedade Civil

Organização

Piramidal Hierárquico

Rede

Gestão

Monocrática

Democrática

Doutrina da Proteção Integral

A doutrina da proteção integral é adotada no artigo 1º  do Estatuto da Criança e do Adolescente:

Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente.

A ideia principal dessa doutrina é o fato de as crianças e adolescentes estarem em uma fase de desenvolvimento, sendo sujeitos de Direito e não apenas objeto de tutela e intervenção dos adultos. Assim, são titulares do direito à vida, à liberdade, à saúde, à segurança, à educação, como todas as demais pessoas, com a diferença de que, por estarem nessa condição de desenvolvimento, há certas especificidades em relação a esses direitos. Assim,  para que esses direitos sejam observados, faz-se necessária a atribuição de deveres à família, à sociedade e ao Estado de forma solidária, ou seja, tanto na esfera pública quanto na espera privada, todos devem observar os deveres a serem cumpridos a fim de garantir os direitos das crianças e adolescentes. Vejamos o art. 227 da Constituição Federal:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

No mesmo sentido, tem-se o art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente que traz a previsão legal expressa do direito à prioridade absoluta, corolário da proteção integral: 

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:
a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;
b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;
c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.

Vale ressaltar que a doutrina da proteção integral garante juridicidade aos direitos das crianças e adolescentes e assim, os deveres atribuídos à sociedade, ao Estado e à família não são uma obrigação apenas moral, mas sim exigíveis ao Poder Judiciário caso não estejam sendo cumpridos. Um exemplo disso é a impetração de mandado de segurança para garantir o direito à vaga em escola pública para uma criança.

Além disso, para implementar as diretrizes propostas pela doutrina da proteção integral, o Estatuto da criança e do adolescente reformula todo o sistema de políticas públicas e rede de atendimento da criança e do adolescente, passando a prevê-los de forma municipalmente organizada, contemplando diversas possibilidades de participação da sociedade civil.

É importante observar que o Estatuto da Criança e do Adolescente é um instrumento multidisciplinar no sentido de que articula, em uma só lei, normas de Direito Penal, Civil e Administrativo.

Exame de Ordem Unificado - VII (FGV) - 2012
Questão 1.

Com forte inspiração constitucional, a lei 8.069/90 consagra a doutrina da proteção integral da criança e do adolescente, assegurando-lhes direitos fundamentais, entre os quais o direito à educação. Igualmente, é-lhes franqueado o acesso à cultura, ao esporte e ao lazer, preparando-os para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, fornecendo-lhes elementos para seu pleno desenvolvimento e realização como pessoa himana. De acordo com as disposições expressas no Estatuto da Criança e do Adolescente, é correto afirmar que

A
toda  criança  e  todo  adolescente  têm  direito  a  serem  respeitados  por  seus  educadores,  mas  não  poderão  contestar os critérios avaliativos, uma vez que estes são  estabelecidos  pelas  instâncias  educacionais  superiores,  norteados por diretrizes fiscalizadas pelo MEC.
B
é dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente o  ensino  fundamental,  obrigatório  e  gratuito, mas  sem  a  progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao  ensino médio.
C
não existe obrigatoriedade de matrícula na  rede  regular  de ensino àqueles genitores ou responsáveis pela criança  ou adolescente que, por convicções ideológicas, políticas  ou  religiosas,  discordem  dos  métodos  de  educação  escolástica tradicional para seus filhos ou pupilos.
D
os  dirigentes  de  estabelecimentos  de  ensino  fundamental  comunicarão  ao Conselho Tutelar os  casos  de maus-tratos envolvendo seus alunos, a  reiteração de  faltas  injustificadas  e  a  evasão  escolar,  esgotados  os  recursos  escolares,  assim  como  os  elevados  níveis  de  repetência.
Exame de Ordem Unificado - V (FGV) - 2011
Questão 2.
Com nítida inspiração na doutrina da proteção integral, o ECA garantiu à criança e ao adolescente o mais amplo acesso à Justiça, como forma de viabilizar a efetivação de seus direitos, consagrou-lhes o acesso a todos os órgãos do Poder Judiciário, assim como lhes assegurou o acesso a órgãos que exercem funções essenciais à Justiça, como o Ministério Público e a Defensoria. Tendo em conta tal ampla proteção, assinale a alternativa correta.
A
As custas e emolumentos nas ações de destituição do poder familiar, perda ou modificação da tutela deverão ser custeadas pela parte sucumbente ao final do processo.
B
Na hipótese de colisão de interesses entre a criança ou adolescente e seus pais ou responsável, a autoridade judiciária lhes dará curador especial, o mesmo ocorrendo nas hipóteses de carência de representação ou assistência legal, ainda que eventual.
C
Em obediência ao princípio da publicidade, é permitida a divulgação de atos judiciais e administrativos que digam respeito à autoria de ato infracional praticado por adolescente, podendo ser expedida certidão ou extraída cópia dos autos, independentemente da demonstração do interesse e justificativa acerca da finalidade. Tais fatos, no entanto, se noticiados pela imprensa escrita ou falada, devem conter apenas as iniciais do nome e sobrenome do menor, sendo vedadas as demais formas expositivas, como fotografia, referência ao nome, apelido, etc.
D
A assistência judiciária gratuita será prestada aos que dela necessitarem por defensor público, sendo admitida a nomeação pelo juiz de advogado se o adolescente não tiver defensor, não podendo, posteriormente, o adolescente constituir outro de sua preferência.
Exame de Ordem Unificado - XI (FGV) - 2013
Questão 3.
A interpretação e aplicação da Lei n. 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA) deve perseguir os objetivos de proteção integral e prioritária dos direitos das crianças e dos adolescentes, que deles são titulares. Sobre o tema, assinale a afirmativa correta.
A
A aplicação das medidas específicas de proteção previstas pelo ECA pode se dar cumulativamente, devendo a autoridade competente escolher a mais adequada diante das necessidades específicas do destinatário.
B
Se Joana, que tem 09 anos, tiver seus direitos violados por ação ou omissão do Estado, serão cabíveis as medidas específicas de proteção previstas pelo ECA que, dependendo das circunstâncias, não deverão ser aplicadas ao mesmo tempo.
C
Se Júlio, que tem 09 anos, tiver seus direitos violados por abuso ou omissão dos pais, não serão aplicáveis as medidas específicas de proteção, mas, sim, medidas destinadas aos pais ou responsável, previstas pelo ECA.
D
As medidas específicas de proteção previstas pelo ECA devem ser aplicadas de modo a afastar uma intervenção precoce, efetuada logo que a situação de perigo seja conhecida, sob pena de responsabilidade primária e solidária do poder público.
Questão 4.
Acerca da Doutrina da Proteção Integral assinale a alternativa correta:
A
Predominante desde a década de 70 com o Código de Menores, a Doutrina da Proteção Integral entende o menor como um objeto a ser protegido. Segundo essa corrente, os responsáveis têm total poder de decisão sobre a criança e o adolescente.
B
Predominante desde a década de 70 com o Código de Menores, a Doutrina da Proteção Integral entende o menor como um sujeito de direitos. Segundo essa corrente, os responsáveis devem respeitar o melhor interesse do menor.
C
Predominante desde a Constituição Federal de 1988, a Doutrina da Proteção Integral entende o menor como um sujeito de direitos. Segundo essa corrente, os responsáveis têm total poder de decisão sobre a criança e o adolescente.
D
Predominante desde a Constituição Federal de 1988, a Doutrina da Proteção Integral entende o menor como um sujeito de direitos. Segundo essa corrente, os responsáveis devem respeitar o melhor interesse do menor.
E
Predominante desde a Constituição Federal de 1988, a Doutrina da Proteção Integral entende o menor como um objeto a ser protegido. Segundo essa corrente, os responsáveis devem respeitar o melhor interesse do menor.
Questão 5.
Assinale a alternativa correta:
A
A CF/88 rompeu com o Código de Menores, legitimando a punição física como forma de educar.
B
O Código de Menores foi criado na década de 70, sob a Ditadura Militar, e tinha como principal função punir o menor infrator (acima da defesa de interesses do menor).
C
Segundo a CF/88, deve-se aplicar à criança e ao adolescente a responsabilização criminal.
D
A CF/88 rompeu com o Código de Menores, instaurando a Doutrina da Situação Irregular.
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