Corrupção Passiva

Introdução

Art. 317, CP. Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

§1º A pena é aumentada de um terço, se, em conseqüência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional.

§2º Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem:

Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.

O art. 317 do Código Penal é um dos crimes mais importantes para fins de concurso público, até mesmo por ser recorrentemente mencionado na mídia. É a conduta do funcionário público que solicita ou recebe, para si ou para outrem, vantagem indevida, em razão da sua função, ou aceitar promessa.

O objeto é a proteção da moralidade administrativa, prevista no art. 37 da Constituição Federal. Pela pena elevada, somente o acordo de não persecução penal é cabível (pena mínima de até 4 anos). Não se admite a utilização de nenhum dos institutos da Lei nº 9.099/1995.

O sujeito ativo da corrupção ativa é o funcionário em sentido amplo, alcançando até mesmo aquele que ainda não assumiu o posto, mas o utiliza para receber a vantagem indevida. É a mesma lógica do que ocorre com o crime de concussão. Por exemplo, um juiz recém aprovado recebe um valor para arquivar processo que sabe que julgará quando assumir sua futura comarca. Assim como nos demais crimes, é possível o concurso com particular.

Se quem cometer a conduta for o fiscal de rendas, haverá o crime do art. 3º, II, Lei nº 8.137/1990 (crime contra a ordem tributária). Se quem comete o crime é testemunha, perito não oficial, tradutor ou intérprete em processo judicial, policial, administrativo ou juízo arbitral, ocorre o crime do art. 342 do Código Penal com aumento de 1/6 a 1/3 (§1º). Este crime é o de falsa perícia ou falso testemunho e admite a retratação do agente até a sentença do processo em que cometeu a ilegalidade.

Art. 342. Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral: 

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.     

§1º As penas aumentam-se de um sexto a um terço, se o crime é praticado mediante suborno ou se cometido com o fim de obter prova destinada a produzir efeito em processo penal, ou em processo civil em que for parte entidade da administração pública direta ou indireta.

§2º O fato deixa de ser punível se, antes da sentença no processo em que ocorreu o ilícito, o agente se retrata ou declara a verdade.

O sujeito passivo é a Administração Pública e, eventualmente, o sujeito constrangido. O corruptor pratica o crime do art. 333 do Código Penal, que é a corrupção ativa. Isto, portanto, é uma exceção à Teoria Monista. Em regra, quando dois ou mais agentes praticam em conjunto a mesma conduta, eles respondem pelo mesmo crime. O caso da corrupção ativa (oferecer ou prometer vantagem indevida) e da corrupção passiva é uma exceção, assim como ocorre no aborto praticado por terceiro com consentimento da gestante e o aborto consentido pela gestante (arts. 126 e 128, CP).  Ainda, importante lembrar que o agente que dá a vantagem no crime de concussão não comete crime, mas é vítima. 

Características do Crime e Consumação

As condutas são solicitar, implícita ou explicitamente, receber ou aceitar promessa. No caso de solicitar, o próprio agente toma a iniciativa de requerer a vantagem indevida. No caso de receber, a iniciativa parte do corruptor, aquele que comete a corrupção ativa. Por fim, ele pode aceitar a promessa oferecida pelo corruptor, que também comete corrupção ativa. Portanto, somente no caso de solicitação pelo agente público não há crime de quem dá a vantagem indevida. A corrupção ocorre quando a vantagem for entregue não ao agente, mas, por exemplo, a um familiar seu. 

É necessário distinguir este delito do crime do art. 33, parágrafo único da Lei de Abuso de Autoridade. Neste caso, ao contrário da corrupção passiva, não há comercialização da função pública para obteção da vantagem indevida, tampouco a contraprestação. Na realidade, o funcionário público utiliza a sua condição para não cumprir obrigação legal ou obter vantagem ou privilégio indevido. 

O entendimento mais clássico é de que é necessário o nexo causal entre a vantagem em questão e a atividade exercida. A vantagem e a atividade, portanto, devem ter relação, de forma que esta esteja dentro de suas atribuições no serviço público. Contudo, o STJ entendeu em sentido contrário (REsp. 1.745.410/SP), mas ainda prevalece a exigência do nexo causal. 

No julgado em questão, funcionários de aeroporto facilitaram a entrada irregular de um estrangeiro. Segundo a Corte, mesmo que não tivessem a atribuição de realizar o controle de ingresso de estrangeiro, cometeram a corrupção passiva, pois seria necessário aumentar a punição dos crimes contra a moralidade administrativa, dando a ela maior efetividade.

Qual a natureza da vantagem solicitada ou recebida para que haja o crime de corrupção passiva? Parcela da doutrina sustenta que somente vantagens patrimoniais são aptas a configurar o delito, enquanto o entendimento majoritário entende que qualquer retribuição é apta a tipificar a conduta. Por exemplo, o funcionário público que recebe favores sexuais ou apoio político em troca de realizar a atividade em questão.

Existem algumas diferenciações sobre a corrupção passiva. Chama-se corrupção imprópria o ato em que a vantagem é legítima, enquanto, corrupção própria a vantagem ilegítima. Denomina-se corrupção antecedente aquela na qual a conduta se dá antes do recebimento da vantagem, enquanto a corrupção subsequente é quando a atividade ocorre após a vantagem. 

Exige-se o dolo e um elemento subjetivo específico ou especial fim de agir, qual seja, a vantagem para si ou para outrem. No caso de solicitar ou aceitar promessa, o crime é formal, ou seja, basta a realização do núcleo (do verbo), sem necessidade da efetiva entrega da vantagem para a consumação do crime (o mero exaurimento só tem reflexos na dosimetria). Quanto ao verbo receber, o crime é material, isto é, há consumação apenas com o recebimento da vantagem indevida. Ainda, no caso de solicitar (e apenas nesse), cabe tentativa, como no extravio da carta em que o funcionário público solicita a vantagem. 

O art. 317, §1º, CP apresenta uma causa de aumento de pena quando o funcionário público retarda ou deixa de praticar ato de ofício, ou pratica infringindo dever funcional, em razão da vantagem recebida. Ainda, existe uma forma privilegiada, quando o funcionário comete a mesma conduta, mas cedendo a pedindo ou influência de outrem (crime material) – seria uma espécie de “trocas de favores”, pois a vantagem indevida não é para si ou para outrem.

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