Furto: Modalidades Qualificadas
Momento da destruição; obstáculo descontínuo
Agora vamos falar de algumas particularidades das formas qualificadas do crime de furto.
Iniciaremos nossa análise pela primeira hipótese de furto qualificado trazida pela lei:
I - com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa;
Como falamos anteriormente, o obstáculo deve anteceder a coisa a ser furtada, ou seja, deve ter sido rompido com a finalidade de acesso ao alvo do furto, sendo que a violência contra o próprio objeto do crime não qualifica a conduta.
O STJ já se pronunciou sobre o tema, conforme julgado abaixo:
CRIMINAL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. FURTO. DESTRUIÇÃO OU ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO. VIDRO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. SUBTRAÇÃO DE APARELHO SONORO. CONFIGURAÇÃO DA QUALIFICADORA DO INCISO I DO § 4º DO ART. 155 DO CP. EMBARGOS ACOLHIDOS. 1. A subtração de objetos localizados no interior de veículo automotor, mediante o rompimento ou destruição do vidro do automóvel, qualifica o furto. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. 2. De rigor a incidência da qualificadora do inciso I do § 4º do art. 155 do CP quando o agente, visando subtrair aparelho sonoro localizado no interior do veículo, quebra o vidro da janela do automóvel para atingir o seu intento, primeiro porque este obstáculo dificultava a ação do autor, segundo porque o vidro não é parte integrante da res furtiva visada, no caso, o som automotivo. 3. Comprovada por perícia a destruição do obstáculo, não há como afastar a qualificadora prevista no art. 155, § 4º, I, do Código Penal. 4. Embargos de divergência acolhidos para dar provimento ao recurso especial do Ministério Público para restabelecer a sentença que reconheceu a qualificadora tipificada no art. 155, § 4º, I, do Código Penal. (EREsp 1.079.847/SP. Terceira Seção, DJE de 5/9/2013)
Dessa forma, a quebra de vidro para subtração de objeto que está dentro do veículo qualifica a conduta, pois o vidro é obstáculo à coisa, e é destruído para atingi-la. Agora, se intenção é furtar o próprio veículo, o vidro não pode ser considerado obstáculo, pois já é a própria coisa. Nessa situação, por conseguinte, não incide essa qualificadora.
II - com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza;
Como vimos, o abuso de confiança é a única qualificadora do furto apontada como subjetiva por boa parte da doutrina, por envolver consideração de natureza emocional (a relação de confiança existente entre o criminoso e a vítima).
No abuso de confiança, demos o exemplo da relação entre empregado e empregador, um dos mais frequentes vínculos desse tipo de situação.
Contudo, vale ressaltar que a relação empregatícia, por si só, não caracteriza o abuso de confiança, sendo necessário demonstrar que essa relação de vínculo entre as pessoas existia no exercício do emprego.
Por exemplo, na situação do empregado que furta no seu primeiro dia de trabalho, não é possível dizer que já existia uma relação de confiança entre o criminoso e seu empregador.
No furto mediante fraude, há o emprego de meio para induzir em erro a vítima do furto, a qual diminui a vigilância sobre o bem.
A outra modalidade é a escalada, que, como vimos, é o aceso extraordinário ao ambiente para que o furto possa ser praticado. A escalada pode ocorrer tanto na entrada quanto na saída do ambiente, e não consiste necessariamente em escalada literalmente, como já vimos.
A destreza, por sua vez, é a habilidade na prática do furto sem ser notado. Aqui é importante dizer que, caso haja flagrante no momento da subtração do bem, a qualificadora será afastada. Se o agente foi pego no momento do cometimento do crime, é possível dizer que não houve destreza na sua execução (caso houvesse, sequer teria sido flagrado).
Comumente, esse tipo de ação é descoberta por meio de imagens de câmeras de segurança existentes nos locais, modo pelo qual se confirmará a destreza do agente na prática do crime.
III - com emprego de chave falsa;
Como vimos, qualquer chave falsa caracteriza a qualificadora, lembrando que a chave original furtada não é chave falsa.
IV - Mediante concurso de duas ou mais pessoas.
Praticar o furto com o auxílio de outra pessoa gera uma probabilidade maior de sucesso do crime, motivo pelo qual se qualifica a conduta. Aqui é importante destacar algumas situações que podem ser cobradas em provas e concursos: Não é necessário que todas as pessoas que participem do furto sejam imputáveis, ou seja, ainda que um inimputável auxilie no cometimento do crime, estará configurada a qualificadora.
Outro ponto controvertido é a necessidade da presença física das pessoas que auxiliam na prática do crime. Há duas posições, sendo que uma sustenta a necessidade da presença de todos no momento do crime e uma que sustenta a possibilidade da qualificadora mesmo que um ou mais participantes da ação criminosa não esteja no local no ato da subtração, desde que auxilie de alguma forma.
A maior parte da doutrina entende que, na redação da qualificadora, não há nenhuma previsão que determine a necessidade da presença no ato da subtração, bem como que o artigo 29 do Código Penal define como partícipe quem, de qualquer forma, contribua para o cometimento da infração.
§ 4º-A A pena é de reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos e multa, se houver emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum.
Antes dessa inovação legislativa, os magistrados aplicavam o crime de explosão em concurso com o crime de furto. Contudo, o crime de explosão tem características diversas que não se encaixam na hipótese do emprego direcionado do explosivo para o furto, o que ocasionava diversas reformas de sentença em segunda instância.
§ 4º-B. A pena é de reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa, se o furto mediante fraude é cometido por meio de dispositivo eletrônico ou informático, conectado ou não à rede de computadores, com ou sem a violação de mecanismo de segurança ou a utilização de programa malicioso, ou por qualquer outro meio fraudulento análogo.
A Lei 14.155/2021 inseriu uma nova modalidade qualificada de furto, que ocorre quando o furto mediante fraude é cometido por meio de dispositivo eletrônico ou informático, conectado ou não à rede de computadores, com ou sem a violação de mecanismo de segurança ou a utilização de programa malicioso, ou por qualquer outro meio fraudulento análogo.
A pena é de reclusão, de 4 a 8 anos e multa.
Um exemplo de incidência dessa qualificadora seria a realização de saques ou transferências bancárias na conta corrente da vítima sem o seu consentimento, por meio da clonagem do cartão ou da senha da vítima, ou por meio de furto do cartão, ou por meio da internet.
É importante destacar aqui que basta que a fraude seja eletrônica para que o crime se configure, pois, o tipo penal não exige que haja violação de senha ou mesmo conexão com internet.
§ 4º-C. A pena prevista no § 4º-B deste artigo, considerada a relevância do resultado gravoso:
I – aumenta-se de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), se o crime é praticado mediante a utilização de servidor mantido fora do território nacional;
II – aumenta-se de 1/3 (um terço) ao dobro, se o crime é praticado contra idoso ou vulnerável.
A Lei 14.155/2021 inseriu, também, majorantes para o furto qualificado mediante fraude por meio eletrônico. Isso significa que esse crime terá uma causa de aumento de pena variável, a depender da relevância do resultado gravoso.
- Se o crime for praticado por meio da utilização de servidor mantido fora do território nacional, a pena é aumentada de 1/3 a 2/3. A majorante se justifica em razão da dificuldade de se impedir um delito praticado a partir de um servidor localizado fora do Brasil.
- Se o crime for praticado contra idoso ou vulnerável, a pena é aumentada de 1/3 ao dobro. A majorante se justifica em razão da vítima, que apresenta maior vulnerabilidade.
§ 5º - A pena é de reclusão de três a oito anos, se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior.
Como vimos anteriormente, o furto de veículo para posterior transporte a outro Estado ou para o exterior também é situação que qualifica o crime.
É necessário que o bem efetivamente seja transportado para que se possa falar em crime consumado na forma qualificada.
No caso da tentativa, é necessário que se demonstre que a efetiva intenção do agente era o transporte do veículo. Caso não reste comprovada essa intenção, o crime será classificado como furto simples.
§ 6º- A pena é de reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos se a subtração for de semovente domesticável de produção, ainda que abatido ou dividido em partes no local da subtração.
Como vimos, essa situação se aplica no caso de furto de animais de produção (gado, cabras, porcos, etc.).
§ 7º A pena é de reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos e multa, se a subtração for de substâncias explosivas ou de acessórios que, conjunta ou isoladamente, possibilitem sua fabricação, montagem ou emprego.
Aqui, reforçando, o legislador buscou prevenir a prática do furto com emprego de explosivos.
Um ponto interessante para discussão nessa hipótese é a situação em que o agente furta o explosivo e ele mesmo o utiliza em furto posterior.
Defende a doutrina que, caso isso ocorra, o criminoso deverá apenas ser enquadrado no furto com emprego de explosivo, uma vez que a subtração do material é meio para a consecução do crime.