Princípios do Processo Administrativo

Funções dos Princípios

A primeira grande função de um princípio é dar uma direção ao comportamento do legislador e do administrador. O princípio serve como verdadeiro norte, bússola, diretriz na conduta e, em especial, na criação de leis e atos normativos.

Ainda, os princípios servem para integrar lacunas que o sistema venha a apresentar. Logo, quando o ordenamento não tiver regra específica, o emprego dos princípios faz com que seja possível uma resposta coerente.

Uma terceira função muito importante dos princípios é a interpretação, no sentido de tornar as normas sistematizadas e coerentes, em todos os diferentes âmbitos. Por fim, os princípios também têm função no controle, de forma que é possível verificar que certa conduta está contraria aos princípios e, assim, desaprová-la.

Evidentemente, se aplicam ao processo administrativo todos os princípios administrativos em geral, previstos no art. 37 da Constituição Federal, como a legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Além deles, existem princípios específicos do processo administrativo a serem estudados. 

Princípio da Ampla Defesa

É um princípio previsto no art. 5º, LV, Constituição Federal.

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

Talvez o mais importante dos princípios, a ampla defesa, desde a Constituição Federal de 1988, é aplicada indubitavelmente nos processos administrativos. Portanto, a ampla defesa e o contraditório vão além dos processos judiciais, e também além dos processos administrativos punitivos, alcançando todos os processos administrativos imagináveis quando se verifica um conflito potencial ou real de direitos ou interesses. 

A ampla defesa importa o direito de apresentar uma denúncia ou representação, bem como a requisição de atos administrativos, certidões e manifestações, assim como anulação e revogação de atos. Ainda, o direito de produzir provas, de permanecer calado, apresentar alegações finais, recorrer e solicitar a revisão de sanções inadequadas.

Em uma visão inicial, costuma-se apontar a ampla defesa como o direito de defesa prévia, defesa técnica e duplo grau de julgamento. Todos estes aspectos são apresentados pelo Processo Administrativo, mas com ressalvas. A defesa técnica, como será visto, não é, em regra, obrigatória. A defesa prévia é a regra, mas pode ser afastada, através de uma defesa diferida, nos casos em que a demora na tomada da decisão pode acarretar severos prejuízos.

Por exemplo, se um prédio em ruínas está prestes a cair, é evidente que sua interdição e demolição devem se dar mesmo antes de defesa do proprietário. O duplo grau de julgamento, como será visto no capítulo de recursos, pode ser limitado quando a lei específica prevê julgamento administrativo em instância única. 

Direito de Defesa e Representação

O exercício da ampla defesa não está necessariamente relacionado à representação do sujeito por um profissional da advocacia, quando se trata da Administração Pública. Logo, enquanto, salvo raras exceções, os conflitos judiciais exigem a capacidade postulatória, os processos administrativos não exigem, em regra, a participação de uma defesa técnica, exatamente pela possibilidade de ulterior procura ao Poder Judiciário. Dentre as exceções, uma é importante: a defesa técnica é exigida na apuração de falta grave durante a execução penal. 

Súmula Vinculante nº 5. A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição.

Princípio do Contraditório

Assim como a ampla defesa, o processo administrativo deve observar sempre o contraditório, que é necessário para que haja a própria defesa. Ele se traduz em ser citado ou intimado, em obter acesso aos autos, acompanhar a produção probatória e acessá-las, saber os motivos utilizados pela autoridade e etc.

A Lei de Acesso à Informação determina, em seu art. 21, caput, que não se pode negar acesso à informação que seja necessária à tutela judicial ou administrativa de direitos fundamentais. Logo, a informação sigilosa não é argumento para evitar que alguém tenha acesso a ela, quando for necessária à defesa de direitos fundamentais.

O contraditório se explicita em um importante tripé: deve o sujeito, ator processual, ter o conhecimento dos atos e fatos que possam lhe interessar e afetar, se manifestar acerca deles, a fim de tentar influir na decisão e na condução do processo, e ter sua manifestação considerada. A simples ciência sobre a decisão sem garantia dos demais itens faz com que não haja um contraditório efetivo. 

Princípio da Gratuidade

Visando o amplo acesso aos direitos exercidos dentro do processo administrativo, seu condicionamento à situação financeira é inadmissível. Logo, eventual barreira financeira que dificulte o direito de defesa é ilegal e inconstitucional. A Lei de Processo Administrativo prevê, nos arts. 2º, parágrafo único, XI e art. 56, § 2º, a gratuidade do processo. 

Logo, ao contrário do que ocorre, em regra, nos processos judiciais, os processos administrativos não existem custas, emolumentos e ônus da sucumbência aos interessados, haja vista a atuação em prol do interesse coletivo. 

A LPA admitia a possibilidade de que uma norma afastasse a gratuidade em situações específicas. Nada obstante, a Súmula Vinculante nº 21 consigna a inconstitucionalidade da exigência de depósito prévio ou arrolamento de bens e dinheiro para a admissão de um recurso administrativo. Portanto, lei não pode afastar a gratuidade nos processos administrativos, salvo, evidentemente, a cobrança das despesas processuais e taxas.

Princípio da Transparência

A transparência se traduz em legalidade e publicidade. É através dela que as pessoas e a própria Administração conseguem controlar a atividade administrativa e suas decisões. Além da Lei de Processo Administrativo, outras leis, como a Lei de Acesso à Informação, a Lei Geral de Licitações e a Lei de Transparência Financeira preveem a transparência.

Princípio da Oficialidade

O princípio da oficialidade determina que a Administração Pública pode agir de ofício no processo administrativo, pois o interesse público é indisponível e cabe à Administração tutelar por ele, como se dá na promoção da saúde coletiva, da educação, do ambiente, etc. 

É um poder-dever, portanto, que faz com que a Administração proteja os interesses primários da Administração. Ao mesmo tempo, transparece como faculdade da Administração de agir com os mesmos fins. Em certos momentos, a ação de ofício é impositiva; em outros, é uma faculdade, uma discricionariedade do administrador público.

Por força da oficialidade, a Administração pode inaugurar processos administrativos. Inclusive, pode até ser obrigada a abrir, como quando toma conhecimento de uma infração em seu âmbito. Durante a instrução (produção de provas), existe a oficialidade. Os interessados podem produzir as provas, mas nada impede que a Administração também o faça. Ela pode, por exemplo, realizar um laudo técnico. 

O princípio da oficialidade é o que justifica que o processo seja mantido mesmo quando o interessado desista ou renuncie a um direito, pois há um interesse público subjacente. A Administração deve sempre decidir os requerimentos que lhe são trazidos, sob pena de praticar uma renúncia ilícita de competência. É possível ainda citar que a Administração tem o poder-dever de revisar as sanções que impõe, inclusive sem necessidade de respeito ao ne reformatio in pejus, ou seja, não precisa respeitar a vedação à reforma da sanção para pior.

Neste sentido, a Súmula 611 do STJ admite que, desde que haja sindicância prévia, a Administração Pública instaure processo administrativo disciplinar com base em denúncia anônima.

Princípio do Formalismo Mitigado

A Administração não é regida por um formalismo exacerbado, mas sim pela instrumentalidade das formas, ou seja, não se deve valorizar em demasia as formas, mas sim seus objetivos. Logo, se a forma não é respeitada, mas o objetivo daquele ato administrativo é atingido, deve o mesmo ser mantido. Claro que situações específicas exigem forma determianda, mas a regra é a liberdade das formas.

Por exemplo, no processo administrativo existe uma fase instrutória, mas, ao contrário do processo judicial, provas novas podem ser juntadas mesmo que o processo já esteja em uma fase mais adiantada, como a recursal. Em regra se busca é a eficiência na Administração Pública, o que exige certa flexibilidade quanto às formas, além da unicidade de jurisdição, haja vista a possibilidade de posterior controle judicial do que ocorrer no processo administrativo.

O princípio do formalismo mitigado é reconhecido no art. 2º, parágrafo único, VIII e IX da Lei nº 9.784/99.

VIII – observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados;
IX - adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados;

Princípio da Isonomia

Os processos administrativos, muitas vezes, contrapõem a Administração Pública e o interessado, compostos de dois polos diversos. Aquela, inclusive, costuma assumir dois papéis: parte e julgadora. Logo, uma parte tem mais poder dentro do processo que a outra. Mesmo quando existe, além da Administração, dois ou mais interessados em conflito, é possível que as partes sejam assimétricas.

Tendo tudo isto em vida, a condução do processo administrativo com isonomia e imparcialidade é fundamental. Existem várias maneiras de garantir a isonomia, como a utilização das regras de impedimento e suspeição, de forma que sujeitos que possam ser parciais sejam afastados do processo, regras sobre inversão do ônus da prova, quando é muito custoso ou difícil que uma das partes produza a prova.

Ainda, a Lei de Processo Administrativo determina que algumas pessoas têm prioridade na celeridade de tramitação do processo: pessoas com deficiência, doenças graves e com mais de 60 anos.

Princípio da Boa-fé e Proteção da Confiança

A boa-fé, quando se fala em processo administrativo, se decompõe em duas situações. Primeiramente, a boa-fé objetiva, que se refere aos comportamentos que a Administração e os administrados devem ter nas relações. É um standard de comportamento que vai além da intenção. Ainda, a boa-fé subjetiva, que é a confiança legítima sobre a conduta do Estado. O administrado cria confiança em ato ou expectativa no mesmo, sobre o qual se pautará a boa-fé subjetiva.

Diversos dispositivos da Lei de Processo Administrativo tutelam a boa-fé em seu âmbito, como a atuação conforme os padrões de probidade, decoro e boa-fé (art. 2º, parágrafo único, IV), a impossibilidade de que uma nova interpretação venha a retroagir, a fim de proteger a confiança legítima depositada pelo interessado (art. 2º, parágrafo único, XIII), o dever de cooperação entre as partes (art. 3º, I), de agir conforme padrões de lealdade, urbanidade e boa-fé (art. 4º, II), a necessidade de que toda alteração jurisprudencial seja motivada (art. 50, VII), a decadência do poder que a Administração tem de anular seus atos (art. 54) e a revisão de sanções impostas (art. 65).

Uma nova interpretação mais benéfica ao administrado pode retroagir? Sim, pois, neste caso, não haverá prejuízo aos seus interesses e à proteção da confiança legítima. É exatamente com base nesse raciocínio que eventuais mudanças de interpretação devem ser justificadas e motivadas pela Administração.

Princípio da Razoabilidade

O último princípio do processo administrativo a ser estudado é a razoabilidade, termo utilizado no direito dos EUA, chamado pelos alemães de proporcionalidade em sentido amplo (que seria dividida em adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito). 

Um ato estatal, dentro do processo ou não, deve ser razoável, ou seja, adequado, necessário e proporcional em sentido estrito. Uma ação é adequada quando atinge o fim desejado; é necessária quando é a que atinge o fim infringindo menos direitos fundamentais possíveis; é proporcional em sentido estrito quando gera mais benefícios que malefícios.

O art. 2º, parágrafo único, caput, VI e IX indicam claramente situações pautadas no princípio da razoabilidade.

Art. 2º  A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:

VI - adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público;

IX - adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados.

Ainda, o art. 29, § 2º e o art. 37, ao tratarem da instrução (produção probatória), estabelecem a menor onerosidade na instrução em relação ao interessado. Se, por exemplo, ele depende de um documento que está nos arquivos do Estado, o próprio Estado deve juntá-lo ao processo.

A razoabilidade, evidentemente, vai além da instrução e abarca também a decisão administrativa, que deve refletir o que houve e o que irá causar (diagnose e prognose). A LINDB é clara ao determinar que o administrador deve levar em consideração a necessidade e a adequação da medida imposta, sua relação com outras alternativas e suas consequências, em especial quanto aos ônus e bônus decorrentes da decisão.

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