Começo da Personalidade Natural e Personalidade Jurídica do Nascituro
O artigo 2º do Código Civil preceitua que:
“a personalidade da pessoa começa no nascimento com vida, mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.
Por óbvio, nascituro é aquele que já foi concebido, mas ainda não nasceu.
Com esta simples conceituação, inicia-se a discussão.
Grande parcela da doutrina deduz que o embrião não está incluso no artigo 2º do Código Civil; outra parte da doutrina defende a proteção referente ao nascituro também ao embrião pré-implantatório in vitro ou crioconservado, ou seja, aquele que sequer foi introduzido no ventre materno.
E esse nem é o maior embate, já que o card principal é reservado à personalidade civil do nascituro, vez que o artigo 2º insiste em utilizar os termos nascimento e concepção sem o cuidado devido, pondo em conflito as teorias natalistas e concepcionalistas.
Para a teoria natalista, prevalente na doutrina clássica, o nascituro não pode ser considerado pessoa, já que a Lei exige o nascimento com vida para a aquisição de personalidade civil. Do ponto de vista prático, a teoria nega ao nascituro mesmo os direitos fundamentais mais básicos, por ser este considerado “coisa” para fins legais.
A teoria concepcionista sustenta que o nascituro é pessoa humana, devendo ter todos os seus direitos resguardados pela Lei. É a teoria aceita e retratada no Enunciado I do Conselho da Justiça Federal e do Superior Tribunal de Justiça, aprovado na I Jornada de Direito Civil.
Enunciado I. A proteção que o Código defere ao nascituro alcança o natimorto no que concerne aos direitos da personalidade, tais como nome, imagem e sepultura.
Não bastasse, a adoção da linha concepcionalista foi confirmada com a publicação do Informativo nº 547, do STJ.
Há, por fim, uma terceira teoria, chamada de teoria da personalidade condicional, na qual é defendido que a personalidade civil começa com o nascimento com vida, mas os direitos do nascituro estão sujeitos a uma condição suspensiva, isto é, são direitos eventuais. Trata-se de teoria essencialmente patrimonialista, parecidíssima com a teoria natalista, pois que se preocupa também, antes, com as obrigações do que com os direitos e deveres. Ora, sob a ótica desta teoria, o nascituro não se trata de objeto, mas de alguém que, eventualmente, será sujeito de direitos e deveres.
Neste diapasão, para fins de melhor entendimento, analisaremos a classificação da professora Maria Helena Diniz:
Segunda a autora, a personalidade jurídica poderia ser classificada em formal e material:
- a personalidade jurídica formal é aquela relacionada aos direitos da personalidade, o que o nascituro já tem desde a concepção, e
- a personalidade jurídica material mantém relação com os direitos patrimoniais, que somente são adquiridos pelo nascituro com o nascimento com vida.
O nascituro, portanto, não tem personalidade jurídica material. Para estes casos, a lei assegura direitos patrimoniais existentes em potencial, os quais podem ser adquiridos ao se nascer com vida.
Nesse ínterim, em razão da ausência da personalidade jurídica material, o natimorto não integraria a linha sucessória, visto que, segundo o artigo 1.798, do CC, não são legitimados à sucessão. Nem teria ele qualquer direito patrimonial.
Vejamos: A doação feita ao nascituro é válida desde que aceita pelo seu representante legal (art. 542, do CC). Na sucessão testamentária, os filhos de pessoas indicadas pelo testador, ainda que não concebidos, mas desde que vivas ao abrir-se a sucessão, podem ser chamadas a suceder (artigo 1.799, inciso I, do CC). Para este caso, o juiz nomeará, após a liquidação ou partilha, um curador (artigo 1.800, do CC).
Importante a previsão do parágrafo 3°, do artigo 1.800, do Código Civil, no qual resta evidente a importância do nascimento com vida:
§ 3° Nascendo com vida o herdeiro esperado, ser-lhe-á deferida a sucessão, com os frutos e rendimentos relativos à deixa, a partir da morte do testador.
Como identificar o natimorto? Há um exame que determina se uma criança nasceu com vida ou não. É o exame chamado de docimasia hidrostática de galeno, no qual o médico legista põe o pulmão da criança falecida em um recipiente com água. Se a criança chegou a respirar, ainda que por um breve momento, o pulmão boia; se não, ele afunda, e daí conclui-se que ela já nasceu morta.