Atos de Improbidade Administrativa

Segundo o ordenamento jurídico brasileiro, há três modalidades de atos de improbidade administrativa: a) atos que importam enriquecimento ilícito; b) atos que causam prejuízos ao erário e c) atos que atentam aos princípios da administração pública.

Todos esses atos são exclusivamente dolosos, exigindo-se dolo específico para que sejam consumados.

Os atos que importam enriquecimento ilícito estão previstos no rol do art. 9º. Trata-se de um rol exemplificativo, devido ao uso da expressão “notadamente” no caput do artigo.

Para que o ato de improbidade esteja configurado, o agente deve praticar ato que o enriqueça ilicitamente, ou seja, deve receber alguma vantagem indevida. Não necessariamente ocorrerá dano ao poder público, mas deve haver um nexo de causalidade entre o ato e o recebimento da vantagem indevida.

Conforme mencionado anteriormente, os incisos do referido artigo apresentam os exemplos de atos que estão abarcados como enriquecimento ilícito. Nesse sentido:

Art. 9º Constitui ato de improbidade administrativa importando em enriquecimento ilícito auferir, mediante a prática de ato doloso, qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, de mandato, de função, de emprego ou de atividade nas entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente:       

I - receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público;

II - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem móvel ou imóvel, ou a contratação de serviços pelas entidades referidas no art. 1° por preço superior ao valor de mercado;

III - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a alienação, permuta ou locação de bem público ou o fornecimento de serviço por ente estatal por preço inferior ao valor de mercado;

IV - utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiros contratados por essas entidades;

IV - utilizar, em obra ou serviço particular, qualquer bem móvel, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades referidas no art. 1º desta Lei, bem como o trabalho de servidores, de empregados ou de terceiros contratados por essas entidades;        (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)

V - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para tolerar a exploração ou a prática de jogos de azar, de lenocínio, de narcotráfico, de contrabando, de usura ou de qualquer outra atividade ilícita, ou aceitar promessa de tal vantagem;

VI - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para fazer declaração falsa sobre medição ou avaliação em obras públicas ou qualquer outro serviço, ou sobre quantidade, peso, medida, qualidade ou característica de mercadorias ou bens fornecidos a qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;

VI - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para fazer declaração falsa sobre qualquer dado técnico que envolva obras públicas ou qualquer outro serviço ou sobre quantidade, peso, medida, qualidade ou característica de mercadorias ou bens fornecidos a qualquer das entidades referidas no art. 1º desta Lei;        (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)

VII - adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público;

VII - adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, de cargo, de emprego ou de função pública, e em razão deles, bens de qualquer natureza, decorrentes dos atos descritos no caput deste artigo, cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público, assegurada a demonstração pelo agente da licitude da origem dessa evolução;         (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)

VIII - aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetível de ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público, durante a atividade;

IX - perceber vantagem econômica para intermediar a liberação ou aplicação de verba pública de qualquer natureza;

X - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indiretamente, para omitir ato de ofício, providência ou declaração a que esteja obrigado;

XI - incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei;

XII - usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei.

Em relação aos atos de improbidade que causam prejuízo ao erário, esses também estão apresentados em rol exemplificativo. Para configuração do prejuízo ao erário deve-se verificar o efetivo dano ao patrimônio público, a conduta dolosa específica e o nexo de causalidade entre a ação ou omissão e esse prejuízo.

São necessários alguns esclarecimentos sobre o termo "Erário". O conceito de "Erário" é mais específico que patrimônio público, representando o patrimônio financeiro e econômico, não abarcando os bens culturais, sociais ou abstratos, por exemplo.

Os atos de improbidade dessa espécie estão previstos no art. 10, sendo atos que causam perda patrimonial, desvio patrimonial, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades públicas. Nesse sentido, os incisos do referido artigo apresentam exemplos de atos abarcados:

  • O inciso I trata da facilitação do incorporação de erário ao patrimônio particular.
  • O inciso II trata de permitir ou concorrer para que pessoas privadas utilizem coisas públicas sem as devidas formalidades necessárias e legais.
  • A doação para pessoas físicas ou jurídicas, mesmo que para fins educativos ou assistenciais, erário público sem os devidos trâmites legais está prevista no inciso III.
  • Os incisos IV e V tratam da permissão ou facilitação de alienação, permuta ou locação de bem ou serviço mais barato ou mais caro que o preço de mercado.
  • Os incisos VI, VII, VIII, e IX tratam, respectivamente: a) de operação financeira realizada sem a observância das normas legais e regulamentares, ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea; b) da concessão de benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades; c) da frustração da licitude de processo licitatório ou seletivo e também da dispensa indevida desses procedimentos; d) de ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas.
  • O inciso X menciona a ação ilícita na arrecadação de tributo, bem como na conservação do patrimônio público.
  • Os demais incisos (XI a XXII) elencam as seguintes condutas: a) liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir para sua aplicação de forma irregular; b) permitir, facilitar ou concorrer para que terceira enriqueça ilicitamente, mesmo que o autor não tenha benefício; c) permitir o uso particular de bens públicos ou servidores; d) celebrar contrato ou instrumento para prestação de serviços sem as formalidades; e) celebrar contrato de rateio de consorcio público sem suficiente e previa dotação ou outra formalidade necessária; f) facilitar ou concorrer para a incorporação ao patrimônio particular sem formalidades; g) permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica pública ou privada receba, por parceria, sem as formalidades; h) agir para a configuração de ilícito na celebração, fiscalização e analise de prestação de contas de parcerias; i) liberar recursos de parcerias sem as formalidades legais ou influir para sua aplicação irregular; e j) conceder, aplicar ou manter benefício financeiro ou tributário contrário à Lei do ISS.

Ainda no artigo 10, o parágrafo 1º reforça que só haverá imposição de ressarcimento quando a inobservância de formalidades legais ou regulamentares implicar perda patrimonial efetiva. Ademais, o parágrafo 2º do artigo 10 traz importante previsão que também delimita o conceito de atos que causam prejuízo ao erário. Segundo o dispositivo, a mera perda patrimonial decorrente da atividade econômica, ou seja, uma possibilidade natural da atividade, não acarreta improbidade, salvo se comprovado dolo específico.

O terceiro e último tipo de ato de improbidade é aquele que atenta contra os princípios da administração pública. Trata-se de um rol taxativo, pois o artigo não menciona a expressão “notadamente”.  Importante reforçar que apenas as condutas dolosas (com dolo específico) caracterizam esses atos.

Segundo o art. 11 os atos que atentam contra princípios da administração correspondem a uma ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas presentes nos incisos:

  • Revelar fato ou circunstância sigilosa que conhece por causa das atribuições.
  • Negar publicidade para atos oficiais, salvo informação sigilosa prevista em lei.
  • Frustrar em ofensa a imparcialidade o caráter concorrencial de concurso público, chamamento ou de procedimento licitatório. Nesse ponto, deve-se diferenciar tal hipótese do ato que causa prejuízo ao erário. Em relação a esse último, trata-se de caso em que se frusta a licitude e não o caráter concorrencial do procedimento.
  • Deixar de prestar contas obrigatórias, desde que tenha condições para isso, com finalidade de ocultar uma irregularidade.
  • Revelar ou permitir conhecimento de teor de medida política ou econômica que pode impactar o mercado antes da divulgação oficial.
  • Descumprir as normas relativas a celebração, fiscalização e aprovação de contas de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas.
  • Praticar na administração ato de publicidade enaltecendo a própria imagem, ferindo a imparcialidade.

O inciso XI do artigo 10 merece especial destaque. O dispositivo menciona a conduta de "nomear cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas".

Sobre o tema, é relevante mencionar também a Sumula Vinculante 13 que tem como objetivo evitar o nepotismo, em razão da conduta violar princípios da Administração Pública, sendo aplicável também para o nepotismo cruzado. Veja-se a redação:

A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal. 

Nesse ponto, é relevante mencionar que o STF reconhece exceções à aplicabilidade dessa Súmula Vinculante, em especial para indicações políticas em cargos de confiança, quando não há abusividade na nomeação. Nesse mesmo sentido, o afirma que a mera nomeação ou indicação política por parte dos detentores de mandato eletivo, não configura ato de improbidade. Para configurar nepotismo, nos termos do artigo 10, parágrafo 5º, há que se verificar o dolo específico do agente em lesar o Poder Público em decorrência da nomeação. 

Por fim, nos termos do parágrafo 1º, para haver responsabilização por improbidade administrativa nos termos do artigo 10, há que se verificar o dolo específico. Essa orientação está consagrada na Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, promulgada pelo Decreto nº 5.687/2006. Conforme o parágrafo 2º, esse entendimento é válido para qualquer ato previsto na própria lei ou em outras que abordem atos de improbidade.

O parágrafo 3º afirma que o enquadramento da conduta como violadora de princípios administrativos depende da demonstração objetiva da prática ilegal no exercício das funções. 

Nos termos do parágrafo 4º do artigo 10, ainda que a configuração de improbidade por violação aos princípios independa de danos ao erário ou de enriquecimento ilícito dos agentes públicos, os atos devem acarretar lesividade relevante.

 

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