Introdução

O crime de estelionato está previsto no artigo 171 do CP. Vejamos:  

Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:

Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis. 

O bem jurídico protegido por esse crime é a inviolabilidade patrimonial da vítima, atingida pela prática desses atos enganosos ou fraudulentos do agente. Pelo quantum de pena mínima e máxima cominados no crime em questão, é possível, em tese, admitir a suspensão condicional do processo.

O sujeito ativo desse delito pode ser qualquer pessoa (crime comum), enquanto que o sujeito passivo será a pessoa que foi enganada ou prejudicada. Importante destacar que se a vítima for incapaz, o crime que o agente comete não será o do art. 171, mas do art. 173 (abuso de incapazes). 

A conduta punida é a de lesar a vítima em seu patrimônio, ao fazer com que ela entregue voluntariamente seu patrimônio por meio de atitudes ardilosas, astutas, espertas, mentirosas. 

Portanto, são requisitos para a existência do crime de Estelionato:

  1. Fraude: Emprego de artifício, ardil, aptos a enganar alguém. A aptidão de enganar é o que garante que o estelionato em questão não seja um crime impossível. 
  2. Vantagem ilícita: É preciso que a conduta seja voltada a realizar uma vantagem ilícita, injusta.
  3. Prejuízo alheio: É preciso haver prejuízo à vítima. 

Algumas observações importantes: 

  • A fraude bilateral não exclui o crime, já que a conduta não admite esse tipo de compensação.
  • Os tribunais entendem que o agente que realiza estelionato e falsificação de documentos, via de regra, incorre em concurso formal, já que os bens jurídicos lesionados são diversos. No entanto, se o documento falso se exaure no estelionato (crime meio), o crime será absorvido por ele, conforme a súmula 17 do STJ. 

A voluntariedade consiste no dolo de induzir ou manter alguém em erro com a finalidade específica de obter vantagem indevida. O dolo, portanto, não abrange somente a vontade consciente de induzir ou manter a vítima no erro, mas também a vontade de se utilizar o meio fraudulento, além da voluntariedade na obtenção da vantagem ilícita e a ocorrência do prejuízo alheio. 

Portanto, o dolo no estelionato é a vontade consciente de: 

  1. Induzir ou manter alguém em erro
  2. Utilizar-se de meio fraudulento
  3. Obter vantagem ilícita às custas do prejuízo da vítima

Esse crime só se consuma após a efetiva obtenção da vantagem indevida em prejuízo alheio (crime de duplo resultado), ao contrário da extorsão que já estudamos, que independe da percepção da vantagem. 

Essa figura delituosa permite a incidência na forma privilegiada, desde que o réu seja primário e que o prejuízo seja de pequeno valor. Poderá haver, por isso, substituição da pena de reclusão pela detenção, ou diminuir essa pena de 2/3, ou ainda só aplicar a pena de multa. 

Formas Equiparadas ao Estelionato

Disposição de coisa alheia como própria

O §2º do artigo 171 traz seis formas equiparadas às disposições do caput, impondo as mesmas penas desta. Vejamos:

§ 2º - Nas mesmas penas incorre quem:

Disposição de coisa alheia como própria

I - vende, permuta, dá em pagamento, em locação ou em garantia coisa alheia como própria;

O ato de dispor de coisa móvel alheia é equiparado ao estelionato, como podemos perceber no Inciso I do §2º. Isso porque se a coisa não é do agente, ele não poderá dispor dela, uma vez que atos de disposição são atos conferidos ao proprietário ou possuidor. Em razão do princípio da legalidade, o rol do inciso em questão é taxativo, de modo que caso haja disposição fora das hipóteses elencadas no dispositivo, o agente não incorrerá nesse tipo penal. 

Não basta que o agente mantenha o terceiro em erro. É necessário também que esse agente saiba que a coisa em questão não é dele e pertence a um terceiro. 

Alienação ou oneração fraudulenta de coisa própria

§ 2º - Nas mesmas penas incorre quem:

Alienação ou oneração fraudulenta de coisa própria

II - vende, permuta, dá em pagamento ou em garantia coisa própria inalienável, gravada de ônus ou litigiosa, ou imóvel que prometeu vender a terceiro, mediante pagamento em prestações, silenciando sobre qualquer dessas circunstâncias;

Essa hipótese é o inverso da anterior, pois a coisa é própria, do próprio agente (coisa móvel própria). No entanto, a coisa em questão é inalienável, ou seja, não pode ser vendida. Além da venda da coisa inalienável, é preciso que haja uma omissão do agente, que silencia-se quanto a essas circunstâncias. Por decorrência lógica dessa redação, temos que o agente tem consciência da inalienabilidade da coisa. 

Defraudação de penhor

§ 2º - Nas mesmas penas incorre quem:

Defraudação de penhor

III - defrauda, mediante alienação não consentida pelo credor ou por outro modo, a garantia pignoratícia, quando tem a posse do objeto empenhado;

Essa hipótese pressupõe a existência prévia de um contrato pignoratício, em que haverá, pelo agente, a alienação da coisa dada em penhor sem a autorização do credor. O sujeito ativo é o devedor que conserva a posse da coisa empenhada. O sujeito passivo, como já mencionamos, será o credor titular desse crédito pignoratício. 

Para configurar o tipo em questão, é necessário que o agente tenha plena consciência de que sobre a coisa recaem os efeitos do penhor, e que o credor não tenha autorizado expressamente a venda da coisa.

Fraude na Entrega da Coisa

§ 2º - Nas mesmas penas incorre quem:
Fraude na entrega de coisa
IV - defrauda substância, qualidade ou quantidade de coisa que deve entregar a alguém;

É o ato de adulterar ou diminuir a quantidade de uma coisa que deve ser entregue a alguém. Importante destacar que a conduta deve ser dolosa, ou seja, o sujeito ativo deve ter a consciência de que a coisa a ser entregue foi de fato alterada. Não pode portanto ser fruto de um equívoco por parte do agente. 

Lembrando que se essa fraude for cometida no exercício de atividade comercial, o agente incorrerá no crime do artigo 175 do CP, e não no artigo 171, §2º, IV. 

Fraude para recebimento de indenização ou valor de seguro

§ 2º - Nas mesmas penas incorre quem:
Fraude para recebimento de indenização ou valor de seguro
V - destrói, total ou parcialmente, ou oculta coisa própria, ou lesa o próprio corpo ou a saúde, ou agrava as conseqüências da lesão ou doença, com o intuito de haver indenização ou valor de seguro;

Nessa figura, o agente simula a ocorrência do fato indenizável pelo seguro só para receber o valor indenizatório pactuado no contrato. Portanto, esse tipo pressupõe um contrato de seguro anterior à realização do tipo pelo segurado, que será o sujeito ativo desse delito, em detrimento da seguradora, sujeito passivo. 

O entendimento dominante é de que essa conduta trata-se de crime formal, ocorrendo a consumação independente do recebimento efetivo da indenização. A simples fraude visando o recebimento da indenização já configura o crime em questão. 

Fraude no pagamento por meio de cheque

§ 2º - Nas mesmas penas incorre quem:
Fraude no pagamento por meio de cheque
VI - emite cheque, sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado, ou lhe frustra o pagamento.

A última figura de estelionato assemelhado é a clássica hipótese de emissão de cheque sem fundos. O sujeito ativo será o emitente do cheque, enquanto que o sujeito ativo poderá ser qualquer pessoa que receber esse título de crédito. 

Importante ressaltar que quando houver emissão de cheque pós-datado, caso no momento da compensação o sujeito passivo perceba que ele não tem fundo suficiente, esse fato não será considerado crime. Isso porque o cheque, quando pós-datado, perde a condição de pagamento à vista, não sendo portanto caso de fraude do inciso VI. 

Súmula 554-STF: O pagamento de cheque emitido sem provisão de fundos, após o recebimento da denúncia, não obsta ao prosseguimento da ação penal.

Atenção! Apesar de a aula indicar a Súmula 554 como sendo do STJ, a súmula que veicula essa informação, na realidade, é do STF. 

Outra observação é que a aula apresentou a Súmula 521, do STF (e não do STJ), que atualmente está superada pela Lei 14.155 de 2021. A súmula em questão veiculava que a competência para processamento da ação penal no caso de emissão de cheque sem fundo era no local onde se deu a recusa de pagamento. Essa lei, contudo, incluiu o §4º no artigo 70 do CPP, prevendo que a competência nesse caso será o local do DOMICÍLIO DA VÍTIMA.

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