A Teoria das Incapacidades e o Estatuto da Pessoa com Deficiência

Introdução

Destacamos que algumas das principais alterações definidas pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência a outras legislações dizem respeito à normativa sobre capacidade civil, definida entre os primeiros artigos do Código Civil.

A diretriz que orienta essas alterações é a definida no artigo 6º do Estatuto da Pessoa com Deficiência:

Art. 6º A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para:
I - casar-se e constituir união estável;
II - exercer direitos sexuais e reprodutivos;
III - exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar;
IV - conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória;
V - exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e
VI - exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.

Assim, o Estatuto traz uma presunção de plena capacidade da pessoa com deficiência: a regra, portanto, passa a ser a de plena capacidade civil, sendo que a incapacidade civil, relativa ou absoluta, até poderá ser reconhecida, desde que de forma excepcional e amplamente justificado.

Esta determinação muda com profundidade as determinações até então vigentes no Código Civil, que definia, de plano, a incapacidade absoluta ou relativa de pessoas com deficiência, conforme o tipo de deficiência apurada.

Nessa antiga sistemática, o binômio que designava a relação entre capacidade da pessoa com deficiência era o de dignidade – vulnerabilidade, de modo que a consideração de sua incapacidade importava em uma intenção de proteção, a partir da premissa de sua vulnerabilidade – o que, de certo modo, é uma abordagem lamentavelmente capacitista.

Com o Estatuto, o binômio que passa a orientar as normas sobre capacidade civil é o de dignidade – liberdade, concretizando assim as diretrizes reconhecidas desde a Convenção de Nova Iorque.

Incapacidade civil absoluta e relativa no Código Civil

A incapacidade civil absoluta era definida no artigo 3º do Código Civil, do seguinte modo:

Art. 3º - São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:
I – os menores de dezesseis anos;
II – os que, por enfermidade ou deficiência mental não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos;
III – os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.

Definia-se, assim, a incapacidade absoluta, de plano, de pessoas com deficiência mental “sem discernimento necessário” para a prática de atos da vida civil. A partir das alterações promovidas pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, o artigo 3º do Código Civil vige com a seguinte redação:

Art. 3º - São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos.

Incapacidade absoluta, agora, no art. 3º do Código Civil, envolve apenas o critério etário: são absolutamente incapazes apenas os menores de 16 anos, chamados menores impúberes. Não há mais pessoas maiores de idade consideradas, de plano, absolutamente incapazes.

Por sua vez, a incapacidade civil relativa era definida no art. 4º do Código Civil da seguinte forma:

Art. 4º - São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer:
I – os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
II – os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido;
III – os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo;
IV – os pródigos.
Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por legislação especial.

Conforme as diretrizes do Estatuto, não mais se considera a incapacidade relativa, de plano, de pessoas com “deficiência mental”, “discernimento reduzido” ou “sem desenvolvimento mental completo”.

As alterações, orientadas pelos princípios da Convenção de Nova Iorque, tornaram a disciplina sobre incapacidade civil relativa da seguinte forma:

Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer: 
I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico; 
III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; 
IV - os pródigos.
Parágrafo único.  A capacidade dos indígenas será regulada por legislação especial.

 

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