No Direito Penal, a ilicitude é um dos elementos do crime. Um ato típico, ou seja, que se enquadra perfeitamente na descrição de um crime previsto em lei, só será considerado crime se também for ilícito e culpável. No entanto, existem situações em que um fato típico ocorre, mas não pode ser considerado crime porque está amparado por uma excludente de ilicitude.
Excludentes de ilicitude são causas legais ou supralegais que retiram o caráter ilícito de uma conduta típica. Ou seja, o ato foi praticado, está descrito como crime na lei, mas não será punido porque está justificado por alguma razão aceita pelo ordenamento jurídico.
O Código Penal Brasileiro, em seu artigo 23, apresenta algumas dessas situações:
Art. 23. Não há crime quando o agente pratica o fato:
I – em estado de necessidade
II – em legítima defesa
III – em estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular de direito
Esses são os exemplos clássicos de excludentes de ilicitude, também chamadas de causas de justificação. A doutrina penal também usa expressões como “afastamento da ilicitude” ou “causas descriminantes” para se referir a essas hipóteses.
É importante destacar que o rol do artigo 23 não é taxativo. A doutrina e a jurisprudência aceitam outras hipóteses que não estão expressas na lei, como o consentimento do ofendido, desde que o bem jurídico envolvido seja disponível.
Segundo a doutrina clássica, especialmente o professor Heleno Fragoso, as excludentes de ilicitude podem ser organizadas em três grupos:
Em todos esses casos, há uma ponderação entre bens jurídicos. A justificativa da conduta se baseia na ideia de que, diante de um conflito entre direitos, um deles precisa prevalecer. A conduta do agente é tolerada porque visa preservar um bem maior ou agir dentro dos limites do direito.
Para que a excludente de ilicitude seja reconhecida, é necessário verificar:
Imagine a seguinte situação hipotética: um homem deseja matar seu desafeto e dispara contra ele, acreditando estar praticando um homicídio. Mais tarde, descobre-se que, no momento do disparo, o desafeto estava tentando matar a própria esposa. O tiro, sem intenção, salvou a vida da mulher. Apesar do resultado benéfico, o autor do disparo não pode invocar legítima defesa de terceiro, pois sua intenção era apenas matar o desafeto, e não proteger a vítima. Esse entendimento é seguido por diversos autores, como Assis Toledo, Damásio de Jesus e Rogério Greco, que defendem que a excludente de ilicitude exige consciência da situação justificadora.
Além das causas previstas no artigo 23 do Código Penal, a doutrina reconhece como excludente supralegal de ilicitude o consentimento do ofendido, desde que o bem jurídico envolvido seja disponível e o titular tenha capacidade para consentir.
O consentimento é válido, por exemplo, em situações que envolvam a integridade física, como tatuagens, piercings ou cirurgias plásticas. Nesses casos, embora haja lesão corporal, o consentimento do ofendido retira a ilicitude da conduta. O tatuador ou médico não cometem crime, pois agem com autorização da pessoa interessada.
No entanto, o consentimento não se aplica a bens jurídicos indisponíveis, como o direito à vida. Assim, por mais que uma pessoa deseje morrer ou manifeste vontade de interromper tratamentos médicos, a prática de eutanásia continua sendo ilegal no Brasil. A vida é considerada um bem jurídico indisponível.
Para que o consentimento seja aceito como causa excludente de ilicitude, é necessário observar alguns critérios:
O consentimento deve ser dado pelo titular do bem jurídico e não pode ser substituído por terceiros, salvo nos casos em que a representação legal é admitida por lei. Por exemplo, pais não podem consentir em nome dos filhos para práticas que envolvam riscos indevidos à integridade física sem justificativa médica ou educacional.
Um exemplo comumente citado envolve o crime de violação de domicílio. Se uma pessoa entra em uma casa sem autorização, mas depois recebe o consentimento do morador para permanecer ali, não há crime, pois o titular do bem jurídico (a casa) autorizou a conduta.
As causas supralegais de exclusão da ilicitude são situações não previstas expressamente na lei penal, mas aceitas pela doutrina e jurisprudência como aptas a afastar o caráter ilícito de uma conduta típica.
Em outras palavras: São hipóteses não escritas no Código Penal, mas que, por razões éticas, jurídicas ou de justiça material, são reconhecidas como justificativas válidas para que determinada conduta, embora típica, não seja considerada criminosa.
Exemplo clássico de causa supralegal:
Quando o titular de um bem jurídico disponível consente livremente com a prática do ato.
Exemplo: consentir em realizar uma tatuagem (mesmo havendo lesão corporal, não há crime).
Requisitos para aceitação de causas supralegais:
Requisitos para a Caracterização do Consentimento do Ofendido