Medidas Socioeducativas

Características gerais

É importante reiterar que apenas os adolescentes recebem medidas socioeducativas, e depois do devido procedimento judicial. As crianças que cometem atos infracionais recebem medidas protetivas e são atendidas pelo Conselho Tutelar.

As medidas socioeducativas passíveis de aplicação são previstas no art. 112 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que apresenta um rol taxativo: não é possível que o juiz aplique alguma medida de sua opção que não esteja prevista no ECA.

Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:

I - advertência;

II - obrigação de reparar o dano;

III - prestação de serviços à comunidade;

IV - liberdade assistida;

V - inserção em regime de semi-liberdade;

VI - internação em estabelecimento educacional;

VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.

§1º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração.

§2º Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho forçado.

§3º Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições.

A aplicação das medidas não é determinada conforme a pena aplicada ao crime correspondente ao ato infracional, por dosimetria, mas segundo as condições pessoais do adolescente e o contexto do ato infracional.

O ECA estabelece três critérios para a escolha e aplicação das medidas:

  1. Análise da capacidade de o adolescente cumprir a medida;
  2. Circunstâncias que envolvem a prática do ato infracional;
  3. Gravidade do ato infracional.

Como vimos, também só é possível a determinação de medida socioeducativa se comprovadas a autoria e materialidade do ato infracional – com exceção da medida de advertência, que pode ser aplicada se houver apenas indícios da autoria.

Caso o adolescente seja portador de deficiência, a aplicação das medidas socioeducativas deve ainda considerar a acessibilidade e adaptação às suas necessidades, com atendimento especializado.

Em caso de distúrbios de ordem psíquica, que os tornariam inimputáveis mesmo se fossem adultos (art. 26 do Código Penal), devem ser aplicadas medidas protetivas aos adolescentes, que não devem ser submetidos às medidas socioeducativas privativas de liberdade, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça (HC 47178/SP STJ; HC 88043/SP STJ; REsp nº 970401/RS).

É possível ainda tratar da prescrição das medidas socioeducativas, conforme os critérios do art. 109 do Código Penal, segundo entendimento sumulado do Superior Tribunal de Justiça (Súmula nº 338 do STJ).

Para o cálculo da prescrição, considera-se o prazo máximo de duração da medida socioeducativa determinada conforme os critérios do art. 109 do CP, reduzindo-se o prazo de prescrição pela metade, em razão da menoridade (art. 115 do Código Penal).

Determinadas estas características gerais, vamos analisar cada uma das medidas previstas no art. 112 do ECA:

Advertência (art. 115 do ECA)

Consiste em uma reprimenda verbal aplicada pelo juiz ao adolescente, reduzida a termo (registrada) e assinada.

 Esta é a única das medidas socioeducativas que pode ser aplicada diretamente pelo juiz, nos casos de atos infracionais leves, e pode dar-se em conjunto com a remissão judicial.

Obrigação de reparar o dano (art. 116 do ECA)

Esta medida é cabível apenas aos atos infracionais com reflexos patrimoniais.

Devemos nos lembrar do critério fundamental da aplicação da medida, quanto à capacidade de o adolescente cumpri-la.

Justamente por isto, esta medida tem difícil aplicação, uma vez que pela via do ECA não é possível responsabilizar os pais ao cumprimento da medida socioeconômica (art. 91, I do CP).

De qualquer modo, esta medida não se confunde com a indenização cível, que pode ser exigida do adolescente, seus pais ou responsáveis, independentemente da conclusão do procedimento.

Prestação de serviços à comunidade (art. 117 do ECA)

Consiste na realização de tarefas gratuitas de interesse geral em entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres.

Diante da proibição terminante a trabalhos forçados, constante no art. 112, §2º do ECA, a aplicação desta medida deve atender a certas peculiaridades, entendendo-se ser necessária a anuência do adolescente para sua efetivação.

Também, e para não interferir nas atividades escolares e profissionais do adolescente, sua aplicação não pode ultrapassar o período de 8 horas semanais, com duração máxima de seis meses.

O tipo de serviço prestado e a localidade de sua concretização devem levar em consideração as aptidões e condições do adolescente, bem como a frequência à escola e ao trabalho.

Liberdade assistida (art. 118 do ECA)

Esta medida se presta a acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente, e é a que melhor traduz o espírito e o sentido do sistema socioeducativo estabelecido pelo ECA, com grandes condições de surtir resultados positivos, se bem executada.

Isto porque a proposta não é a de uma mera liberdade vigiada, mas de uma intervenção efetiva e positiva por parte do orientador, que acompanhe o adolescente em sua dinâmica escolar, familiar e laboral.

Justamente por isto, a medida não é de aplicação pontual, mas continuada, e tem prazo mínimo de seis meses para se consolidar.

 Apesar de não haver disposição legal nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça entende que a medida de liberdade assistida pode ser aplicada até que o adolescente complete 21 anos, no máximo, em analogia à medida de internação (REsp 1340450/RJ; HC 243524/RJ STJ).

Acompanhando o adolescente em sua frequência e aproveitamento escolar, desenvolvimento social e familiar, o orientador deve apresentar relatório do caso e diligenciar no sentido de sua profissionalização e da concretização de seus estudos.

Com a frequente avaliação da situação do adolescente, a medida pode a qualquer tempo ser prorrogada, revogada ou substituída por outra medida, conforme se mostre mais adequado ao caso, desde que ouvido o Ministério Público.

Regime de semiliberdade (art. 120 do ECA)

Neste caso, apresenta-se uma restrição parcial da liberdade do adolescente, sendo aplicáveis, subsidiariamente, as disposições relacionadas à medida de internação.

Esta é a medida mais complexa e de mais difícil execução dentre as previstas no ECA. Não há regulamentação mais concreta de sua aplicação, e há poucos programas para sua execução no País.

A medida possibilita que o adolescente realize atividades externas, independentemente de autorização judicial, sendo obrigatórias as atividades de escolarização e profissionalização, devendo retornar à noite para o estabelecimento especializado.

 A intenção é incentivar que as atividades externas se deem de modo regular para o adolescente, e preferencialmente na sua comunidade, a fim de integrá-lo aos laços sociais, familiares e afetivos que lhe são mais próximos.

Os prazos para a aplicação da medida seguem as mesmas determinações impostas à medida de internação: não se estabelece o prazo determinado para seu cumprimento, sendo que a manutenção da medida deve ser reavaliada periodicamente, no máximo a cada seis meses, e por duração não superior a três anos.

A medida pode ser aplicada diretamente, desde o início, ou como forma de transição da medida de internação. Esta transição, contudo, não é obrigatória: não se exige a colocação em regime de semiliberdade como condição para o regime “aberto” de adolescente que estava internado.

Internação (art. 121 do ECA)

Medida socioeducativa mais gravosa prevista no ECA, só pode ser aplicada em casos excepcionais, previstos no art. 122 do ECA:

Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando:

I - tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa;

II - por reiteração no cometimento de outras infrações graves;

III - por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.

 Na hipótese do inciso II, tanto o Supremo Tribunal Federal como o Superior Tribunal de Justiça firmaram entendimento de que, não havendo critério legal quanto à quantidade de “reiterações”, considera-se reiteração para os fins de aplicação da medida de internação o cometimento de outra infração grave (ver RHC 58.447/RJ STJ).

Por sua vez, a hipótese do inciso III configura a internação-sanção por descumprimento de outras medidas socioeducativas, não importando, para tanto, a natureza ou contexto do ato infracional.

De qualquer modo, nestes casos também deve ser respeitado o devido processo legal, dando-se a oportunidade de manifestação do adolescente, e se respeitando o prazo máximo de três anos para sua aplicação (com reavaliação periódica a cada seis meses, no máximo), conforme a Súmula nº 265 do Superior Tribunal de Justiça.

Durante a aplicação desta medida, o adolescente é privado de liberdade e mantido em estabelecimento especializado (Fundação Casa), podendo, contudo, realizar atividades externas, conforme autorização da equipe técnica da entidade e salvo expressa determinação judicial em contrário.

Quanto ao local de execução da medida, aplicam-se os mesmos critérios já vistos a respeito da internação provisória: a medida de internação deve ser cumprida em entidade exclusiva para adolescentes, em local distinto do destinado ao abrigo, conforme critérios de idade, compleição física e gravidade da infração dos internos.

Se não houver local nesses moldes na comarca, o adolescente pode aguardar em estabelecimento destinado a adultos, desde que em repartição isolada e por prazo máximo de 5 dias, até poder ser transferido a estabelecimento para adolescentes na localidade mais próxima.

Passado este prazo, se não for possível sua transferência para outro estabelecimento adequado, o adolescente deve ser colocado em liberdade.

A execução da medida deve atender a três princípios básicos:

  1. Brevidade (a medida deve ter aplicação pelo menor tempo possível, sendo avaliada a necessidade de sua manutenção periodicamente);
  2. Excepcionalidade (deve ser aplicada somente quando não houver outra medida mais adequada ao caso concreto, ou seja, aplicada em último caso, subsidiariamente); e o
  3. Respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.

Vale reiterar que não é determinado prazo específico para o cumprimento da medida de internação, cuja necessidade e adequação deve ser reavaliada periodicamente, a cada seis meses, no máximo. Assim, os parâmetros de prazo determinados em lei dizem respeito à periodicidade da avaliação da medida e ao tempo máximo de sua duração, que é de três anos – dentro deste prazo, a medida pode se estender até os 21 anos de idade do adolescente, a partir do que deverá ser colocado em liberdade.

Para o cômputo do prazo máximo para a medida de internação, também deve ser considerado o período em que o adolescente porventura esteve em internação provisória (art. 108 do ECA).

 

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