Nesta etapa do curso em Tópicos de Direito Ambiental, será analisada uma das mais relevantes legislações ambientais brasileiras: a lei 12.651/12, conhecida popularmente como Código Florestal.
Desde já, é importante destacar que, apesar da nomenclatura usual, a norma não é um código. Ela é formalmente chamada lei de proteção à vegetação nativa, como esclarecido no próprio art. 1º-A, e deve ser assim referida em provas e concursos.
“Art. 1º-A. Esta Lei estabelece normas gerais sobre a proteção da vegetação, áreas de Preservação Permanente e as áreas de Reserva Legal; a exploração florestal, o suprimento de matéria-prima florestal, o controle da origem dos produtos florestais e o controle e prevenção dos incêndios florestais, e prevê instrumentos econômicos e financeiros para o alcance de seus objetivos.”
Trata-se de lei federal que estabelece normas gerais sobre a proteção da vegetação nativa, abordando temas como áreas de preservação permanente (APPs), reservas legais, exploração florestal, controle de origem dos produtos florestais, entre outros.
Seu escopo é bastante amplo e integra instrumentos econômicos e regulatórios para alcançar objetivos ambientais.
Os princípios orientadores da lei estão elencados no parágrafo único do art. 1º-A e revelam um compromisso com a conservação da biodiversidade, dos recursos hídricos, do solo e do sistema climático.
“Art. 1º-A. [...]
Parágrafo único. Tendo como objetivo o desenvolvimento sustentável, esta Lei atenderá aos seguintes princípios:
I - afirmação do compromisso soberano do Brasil com a preservação das suas florestas e demais formas de vegetação nativa, bem como da biodiversidade, do solo, dos recursos hídricos e da integridade do sistema climático, para o bem estar das gerações presentes e futuras;
II - reafirmação da importância da função estratégica da atividade agropecuária e do papel das florestas e demais formas de vegetação nativa na sustentabilidade, no crescimento econômico, na melhoria da qualidade de vida da população brasileira e na presença do País nos mercados nacional e internacional de alimentos e bioenergia;
III - ação governamental de proteção e uso sustentável de florestas, consagrando o compromisso do País com a compatibilização e harmonização entre o uso produtivo da terra e a preservação da água, do solo e da vegetação;
IV - responsabilidade comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, em colaboração com a sociedade civil, na criação de políticas para a preservação e restauração da vegetação nativa e de suas funções ecológicas e sociais nas áreas urbanas e rurais;
V - fomento à pesquisa científica e tecnológica na busca da inovação para o uso sustentável do solo e da água, a recuperação e a preservação das florestas e demais formas de vegetação nativa;
VI - criação e mobilização de incentivos econômicos para fomentar a preservação e a recuperação da vegetação nativa e para promover o desenvolvimento de atividades produtivas sustentáveis.”
A lei reconhece a função estratégica da agropecuária, mas a partir de uma lógica integrada à preservação ambiental, buscando uma relação harmônica entre produção e conservação.
Essa lógica aparece com mais clareza no incentivo à agrofloresta, ou seja, na possibilidade de combinar atividades agrícolas com a recuperação ou manutenção da vegetação nativa.
Também há estímulo à pesquisa científica e à atuação conjunta do poder público em políticas sustentáveis.
Um dos principais instrumentos previstos na legislação são as chamadas áreas de preservação permanente (APPs).
Conforme o art. 3º, II, APP é a área protegida, com ou sem vegetação nativa, cuja função é preservar recursos hídricos, proteger o solo, manter a estabilidade geológica, facilitar o fluxo gênico da fauna e flora, proteger a biodiversidade e assegurar o bem-estar das populações humanas.
Art. 3º Para os efeitos desta Lei, entende-se por: [...]
II - Área de Preservação Permanente - APP: área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas;
Percebe-se, portanto, que as APPs estão ligadas diretamente à proteção dos ecossistemas mais sensíveis e à manutenção da qualidade ambiental.
Na prática, as APPs funcionam como espaços territoriais especialmente protegidos, conforme reconhecido pela jurisprudência brasileira.
Elas podem ser classificadas em dois grandes grupos.
O primeiro são as APPs hídricas, localizadas ao redor de nascentes, margens de rios, lagos, lagoas e reservatórios artificiais.
O segundo grupo corresponde às APPs de relevo, localizadas em topos de morros, encostas com declividade acentuada, restingas, dunas e áreas semelhantes.
É importante observar que as APPs podem existir tanto em zonas rurais quanto em zonas urbanas. Por exemplo, é comum encontrar matas ciliares protegidas por lei dentro de cidades cortadas por rios.
Apesar dessa ampla presença, a regra geral é que as APPs sejam intocáveis, ou seja, áreas em que não se permite o uso econômico. Contudo, a lei admite exceções nos casos de utilidade pública, interesse social ou de baixo impacto ambiental, desde que respeitadas as condições previstas.
Além das APPs, a legislação trata da reserva legal, outro instrumento central da política ambiental brasileira.
Segundo o art. 3º, III, e o art. 12 da lei, a reserva legal é uma área localizada dentro de imóvel rural, cuja finalidade é garantir o uso sustentável dos recursos naturais, promover a conservação da biodiversidade e servir como abrigo para a fauna e flora nativas.
Também busca reabilitar os processos ecológicos e permitir um equilíbrio produtivo da terra.
Art. 3º Para os efeitos desta Lei, entende-se por: [...]
III - Reserva Legal: área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, delimitada nos termos do art. 12, com a função de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção de fauna silvestre e da flora nativa;
Art. 12. Todo imóvel rural deve manter área com cobertura de vegetação nativa, a título de Reserva Legal, sem prejuízo da aplicação das normas sobre as Áreas de Preservação Permanente, observados os seguintes percentuais mínimos em relação à área do imóvel, excetuados os casos previstos no art. 68 desta Lei: [...]
A reserva legal é obrigatória em todos os imóveis rurais, e sua extensão deve obedecer a percentuais mínimos, que variam segundo a região e o tipo de bioma.
Na Amazônia Legal, os imóveis localizados em áreas de floresta devem manter 80% da propriedade como reserva legal; nas áreas de cerrado, 35%; e nos campos gerais, 20%. Fora da Amazônia Legal, a exigência padrão é de 20% do imóvel rural.
Localização |
Percentual mínimo de RL |
|---|---|
Floresta na Amazônia Legal |
80% |
Cerrado na Amazônia Legal |
35% |
Campos gerais na Amazônia |
20% |
Demais regiões do país |
20% |
A lei admite a possibilidade de compensação da reserva legal, ou seja, o cumprimento da obrigação ambiental em outro imóvel, desde que dentro do mesmo bioma e respeitada a identidade ecológica da área.
Além disso, o Supremo Tribunal Federal já confirmou que essa compensação não pode resultar na diminuição do percentual legal mínimo.
Existem situações em que a exigência da reserva legal pode ser dispensada. O principal caso é aquele previsto no art. 68, que trata das chamadas áreas consolidadas.
Art. 68. Os proprietários ou possuidores de imóveis rurais que realizaram supressão de vegetação nativa respeitando os percentuais de Reserva Legal previstos pela legislação em vigor à época em que ocorreu a supressão são dispensados de promover a recomposição, compensação ou regeneração para os percentuais exigidos nesta Lei.
Se a supressão da vegetação ocorreu respeitando os limites da legislação em vigor à época, e antes da nova lei de 2012, o proprietário pode ser dispensado de recompor o novo percentual exigido.
Também há dispensa para áreas destinadas a obras públicas de abastecimento de água, tratamento de esgoto, geração de energia, subestações, linhas de transmissão, rodovias e ferrovias.
É fundamental entender a diferença entre APP e reserva legal.
As APPs possuem modalidades (hídrica e de relevo) e são, via de regra, intocáveis. Já a reserva legal não se subdivide em modalidades e pode ser utilizada de forma sustentável, inclusive com práticas agroflorestais.
As APPs podem existir em áreas urbanas e rurais, enquanto a reserva legal é obrigatória exclusivamente em áreas rurais.
Há ainda um ponto de interseção entre as duas figuras: a área de APP pode, em certos casos, ser contabilizada como parte da reserva legal, desde que não implique em novos desmatamentos, esteja conservada ou em recuperação, e o imóvel esteja regularizado no Cadastro Ambiental Rural (CAR) — tema que será aprofundado na próxima aula.
Critério |
APP |
Reserva Legal |
|---|---|---|
Finalidade |
Preservação permanente de áreas sensíveis |
Uso sustentável com conservação ecológica |
Modalidades |
Hídricas e de relevo |
Não se subdivide em modalidades |
Uso econômico |
Vedado, com exceções legais |
Permitido com manejo sustentável |
Localização |
Pode ser urbana ou rural |
Somente rural |
Obrigatoriedade |
Depende do local e da situação ambiental |
Obrigatória em todos os imóveis rurais |
Em julgamento encerrado em outubro de 2024 (ADC 42), o STF modulou os efeitos da decisão que havia declarado inconstitucional a inclusão da "gestão de resíduos" como hipótese de intervenção excepcional em APPs - Áreas de Preservação Permanente, conforme prevista no art. 3º, VIII, b, da lei 12.651/12.
Por maioria, os ministros entenderam que a decisão anterior deveria produzir efeitos apenas para o futuro (efeitos prospectivos). Isso significa que os aterros sanitários já instalados, em funcionamento, ou em processo de instalação ou ampliação, poderão continuar operando até o final de sua vida útil, desde que observem as exigências de licenciamento ambiental e os termos dos contratos de concessão ou autorizações vigentes.
O STF também deixou expresso que não é necessário remover os resíduos já depositados após o encerramento da atividade, desde que sejam respeitadas as normas ambientais e adotadas medidas sustentáveis, como o aproveitamento dos resíduos para geração de energia.
Além disso, a Corte reafirmou a constitucionalidade do art. 48, §2º do Código Florestal, mantendo o conceito de bioma como referência para mecanismos compensatórios.
Houve divergência parcial dos ministros Edson Fachin e Cármen Lúcia, que defendiam a fixação de um prazo máximo de 36 meses para desativação dos aterros localizados em APPs, entendendo que o interesse social na destinação dos resíduos não deve se sobrepor à necessária proteção ambiental contínua.
Dando continuidade ao estudo da lei 12.651/12, conhecida como lei de proteção à vegetação nativa, e popularmente chamada de Código Florestal, esta aula trata de dois instrumentos normativos essenciais para a efetivação da política ambiental rural brasileira:
O Cadastro Ambiental Rural está previsto no art. 29 da lei e consiste em um registro público eletrônico nacional, obrigatório para todos os imóveis rurais, independentemente do tamanho.
A função é integrar as informações ambientais relativas às propriedades e posses rurais, compondo uma base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e combate ao desmatamento.
Art. 29. É criado o Cadastro Ambiental Rural - CAR, no âmbito do Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente - SINIMA, registro público eletrônico de âmbito nacional, obrigatório para todos os imóveis rurais, com a finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento.
Trata-se, portanto, de uma espécie de fotografia ambiental do imóvel rural, permitindo a análise da situação legal da propriedade em relação à vegetação nativa, áreas de preservação permanente, reserva legal e uso do solo.
Com base nesses dados, o poder público pode verificar se o imóvel cumpre a legislação ambiental vigente.
A inscrição no CAR pode ser feita online ou de forma presencial, junto a órgãos estaduais ou municipais de meio ambiente.
Cabe aos estados federados a responsabilidade pela implementação, gestão e análise das informações declaradas no sistema.
Para a efetivação do cadastro, o proprietário ou possuidor deve apresentar alguns documentos básicos, como a identificação pessoal, comprovação de propriedade ou posse e a planta georreferenciada do imóvel. Essa planta permite identificar, com precisão, a localização das áreas de vegetação, de reserva legal e de uso produtivo.
Um aspecto importante é que, conforme o § 2º do art. 29, o CAR não constitui título jurídico válido para fins de comprovação de domínio. Ou seja, ele serve como instrumento ambiental e não como documento que comprove, por si só, a propriedade ou posse legítima do imóvel.
Art. 29. [...]
§ 2º O cadastramento não será considerado título para fins de reconhecimento do direito de propriedade ou posse, tampouco elimina a necessidade de cumprimento do disposto no art. 2º da Lei nº 10.267, de 28 de agosto de 2001.
Inicialmente, a lei previu prazo para a realização do CAR.
Contudo, com alterações normativas — incluindo modificações em 2017 e 2019 —, o prazo tornou-se indeterminado, mantendo-se, no entanto, sua obrigatoriedade legal.
A ausência de inscrição no CAR gera consequências sérias para o proprietário ou possuidor, como:
O Programa de Regularização Ambiental é o segundo grande instrumento normativo abordado pela lei.
Ele consiste em um conjunto de ações e compromissos firmados entre o proprietário ou possuidor do imóvel e o poder público, visando recompor ou compensar passivos ambientais, ou seja, situações de irregularidade em áreas protegidas da propriedade.
O PRA é direcionado a imóveis rurais em situação irregular, e a adesão se dá por meio da assinatura de um termo de compromisso, no qual são estipuladas etapas e prazos para a regularização, conforme diretrizes estabelecidas por legislação estadual ou distrital.
Para participar do PRA, o imóvel deve estar previamente inscrito no CAR. Essa inscrição é a condição inicial e imprescindível. Uma vez inscrito, o proprietário que constatar passivo ambiental poderá requerer adesão ao PRA, firmando com o ente público o compromisso de regularização.
Entre as vantagens oferecidas pelo PRA, destacam-se:
O PRA, portanto, funciona como um mecanismo de transição e regularização ambiental progressiva, com benefícios tanto para o meio ambiente quanto para o proprietário, que passa a ter segurança jurídica.
Embora a Lei de Proteção à Vegetação Nativa esteja em vigor desde 2012, a implementação do CAR e do PRA tem sido desigual entre os estados brasileiros, já que são de competência estadual. Um estudo do Climate Policy Initiative, da PUC/Rio, acompanha anualmente esse processo.
O relatório de 2024 apontou que foi somente neste ano que todos os estados brasileiros conseguiram montar equipes técnicas para análise do CAR, o que demonstra que, até então, muitos cadastros haviam sido realizados, mas sem verificação efetiva. Isso atrasou diretamente a implementação do PRA, que depende do CAR como etapa prévia.
Atualmente, 20 dos 27 estados da federação já aprovaram legislação específica para operacionalizar o PRA, mas apenas 13 conseguiram aplicá-lo de forma efetiva, com análise, adesão e monitoramento formal.
Aspecto |
Descrição |
|---|---|
Nome técnico |
Cadastro Ambiental Rural (CAR) |
Base legal |
Art. 29 da Lei 12.651/2012 |
Obrigatoriedade |
Obrigatório para todos os imóveis rurais |
Objetivo |
Criar base de dados ambiental para controle, monitoramento e planejamento |
Gestão e análise |
Responsabilidade dos estados e DF |
Documentos necessários |
Identificação pessoal, prova de propriedade/posse e planta georreferenciada |
Limitação jurídica |
Não serve como prova de domínio ou posse |
Consequências da não inscrição |
Impedimento de crédito rural, programas de apoio, novas licenças, adesão ao PRA |
Aspecto |
Descrição |
|---|---|
Nome técnico |
Programa de Regularização Ambiental (PRA) |
Base legal |
Art. 59 e seguintes da Lei 12.651/2012 |
Objetivo |
Regularizar passivos ambientais em propriedades rurais |
Público-alvo |
Imóveis rurais com áreas degradadas ou irregulares |
Condição de acesso |
Inscrição prévia no CAR |
Instrumento |
Termo de compromisso entre proprietário e poder público |
Vantagens |
Suspensão de multas, possibilidade de conversão de penalidades, segurança jurídica |
Marco temporal relevante |
22 de julho de 2008 (Decreto 6.514/2008) |