Dando continuidade ao curso de Tópicos em Direito Ambiental, nesta aula vamos abordar a relação entre o Direito Ambiental e a Constituição Federal de 1988.
O foco será compreender como o ordenamento jurídico brasileiro incorporou a proteção ambiental como valor fundamental, em consonância com a evolução de uma visão biocentrista no cenário internacional.
Na aula anterior, discutimos o biocentrismo, corrente filosófica que reconhece valor intrínseco à natureza e entende o meio ambiente como sujeito de direitos.
Esse novo paradigma levou ao abandono da visão puramente utilitarista, na qual o meio ambiente é protegido apenas como um bem disponível ao uso humano.
Esse deslocamento de paradigma implicou a necessidade de inclusão da proteção ambiental não apenas nas políticas públicas e legislações infraconstitucionais, mas nas próprias Constituições, na jurisprudência e em todos os instrumentos normativos nacionais.
Duas Constituições que serviram de referência nesse movimento são:
Ambas foram inovadoras ao integrar a proteção ambiental em seu texto constitucional, com enfoque preservacionista. Serviram de modelo para a Constituição Brasileira de 1988.
A Constituição Federal de 1988 incorporou o Direito Ambiental como um valor central e o elevou à categoria de direito fundamental, mesmo que ele não esteja expressamente listado no art. 5º.
No cenário internacional, essa tendência é consolidada: o Direito Ambiental é reconhecido como um direito humano de terceira geração, de caráter difuso e coletivo.
Um exemplo importante dessa abordagem está na Opinião Consultiva nº 23 da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que reconhece a relação direta entre a proteção ambiental e a efetivação de outros direitos humanos, como o direito à vida, à saúde e à dignidade.
O coração da proteção ambiental na CF/88 está no art. 225, cujo caput dispõe:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
O STJ, no AgRg no REsp 1.434.797, afirmou que o direito ambiental é um limite constitucional intocável e intransponível, ou seja, não pode ser suprimido ou reduzido.
Art. 225 [...]
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
VIII - manter regime fiscal favorecido para os biocombustíveis destinados ao consumo final, na forma de lei complementar, a fim de assegurar-lhes tributação inferior à incidente sobre os combustíveis fósseis, capaz de garantir diferencial competitivo em relação a estes, especialmente em relação às contribuições de que tratam a alínea "b" do inciso I e o inciso IV do caput do art. 195 e o art. 239 e ao imposto a que se refere o inciso II do caput do art. 155 desta Constituição.
VIII - manter regime fiscal favorecido para os biocombustíveis e para o hidrogênio de baixa emissão de carbono, na forma de lei complementar, a fim de assegurar-lhes tributação inferior à incidente sobre os combustíveis fósseis, capaz de garantir diferencial competitivo em relação a estes, especialmente em relação às contribuições de que tratam o art. 195, I, "b", IV e V, e o art. 239 e aos impostos a que se referem os arts. 155, II, e 156-A.
Responsabilidade pela recuperação do meio ambiente degradado, especialmente nas atividades de exploração mineral.
Art. 225 [...]
§ 2º Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.
Estabelece a responsabilidade penal, civil e administrativa para condutas lesivas ao meio ambiente
Art. 225 [...]
§3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
Define como patrimônio nacional:
Art. 225 [...]
§4º A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.
Vedada a alienação ou uso indevido das terras essenciais à preservação ambiental.
Art. 225 [...]
§5º São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais.
Somente podem ser instaladas em locais determinados por lei, devido à periculosidade de seus resíduos.
Art. 225 [...]
§6º As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas.
Permite o uso de animais em manifestações culturais, desde que não haja crueldade (ex: vaquejada).
Art. 225 [...]
§ 7º Para fins do disposto na parte final do inciso VII do § 1º deste artigo, não se consideram cruéis as práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam manifestações culturais, conforme o § 1º do art. 215 desta Constituição Federal, registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro, devendo ser regulamentadas por lei específica que assegure o bem-estar dos animais envolvidos.
Além do art. 225, o Direito Ambiental está presente em vários outros dispositivos constitucionais, reafirmando sua condição de direito humano:
A Constituição Federal de 1988 consagrou a proteção ambiental como um pilar da vida digna, conectando-a com a dignidade da pessoa humana, os direitos sociais, o desenvolvimento sustentável e o bem-estar das gerações futuras.
O art. 225 é a espinha dorsal dessa proteção, mas seu espírito está presente em todo o texto constitucional.
Na próxima aula, vamos continuar a explorar os princípios do Direito Ambiental e entender como eles orientam a aplicação concreta das normas ambientais no Brasil.