Investigação Preliminar

Antes de tudo, é importante pontuar que o inquérito policial é uma das várias espécies de investigação preliminar. Assim, o inquérito policial figura junto das Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs), sindicâncias, dentre outras espécies, no gênero investigação preliminar. 

Conceito

O inquérito policial pode ser definido como um conjunto de atividades desenvolvidas concatenadamente por órgãos os Estado a partir de uma notícia-crime, com caráter prévio e de natureza preparatória com relação ao processo penal em si.

Além disso, o inquérito se serve à averiguação da autoria e das demais circunstâncias de um fato aparentemente delituoso, com objetivo de justificar a instauração ou não do processo, por meio da realização de diligências. 

Com o inquérito, busca-se identificar fontes de prova e colher elementos de informação quanto à autoria e à materialidade da infração penal, possibilitando ao titular da ação penal ingressar em juízo. Ademais, trata-se de procedimento administrativo inquisitório e preparatório presidido pela autoridade policial. 

Como é possível depreender do conceito, o inquérito não é um processo, mas um procedimento administrativo, o que nos leva à conclusão de que ele não possui amplas possibilidades de defesa e de resposta por parte do investigado, caracterizando um procedimento essencialmente inquisitorial

Tratando-se de investigação preliminar, com caráter instrumental, e não de processo, dessa fase não resulta a imposição de uma sanção, pois somente visa ao fornecimento de elementos de informação ao titular da ação penal, o que permite a não observância do contraditório e da ampla defesa.

Nesse caso, pode-se atribuir essa característica à necessidade de dar maior agilidade às investigações, otimizando a identificação de fontes de prova e elementos informativos. 

Dupla Função

Nesse sentido, é importante destacar que o inquérito policial tem uma função preservadora e uma função preparatória

Quanto à função preservadora, o inquérito impede a instauração de um processo penal temerário, ou seja, que parte unicamente de razões arbitrárias, resguardando a liberdade do inocente e evitando custos desnecessários para o Estado.

Isso porque o inquérito fornece elementos informativos e eventuais elementos de prova que permitem ao titular da ação penal ingressar em juízo – ou seja, instaurar a ação penal – com base em um substrato fático mais consolidado, o que se confunde, também, com a função preparatória. Esta, por sua vez, se manifesta no fato de que o inquérito policial tem o condão de embasar e lastrear a ação penal em informações mais sólidas, que foram obtidas previamente, ainda que ao arrepio do princípio do contraditório. 

Finalidades

Como dito, o inquérito policial pode levantar elementos informativos e elementos de prova. Contudo, aqui, vale uma ressalva: elementos informativos não se confundem com provas! 

  • Elementos informativos são produzidos sem o contraditório, sem ampla defesa, sem dialética entre as partes, pois, nesse momento, ainda não há que se falar em acusados (nos termos do art. 5º, LV, da CF/88). Apesar disso, são de extrema importância para a persecução penal, pois auxiliam a formação da opinio delicti do órgão da acusação e podem amparar a decretação de medidas cautelares pelo magistrado. 

  • Já as provas, por sua vez, para serem produzidas, dependem necessariamente do contraditório judicial, o que ocorre, em regra, no curso da ação penal. Quanto às provas, portanto, o contraditório figura como uma verdadeira condição de validade, vez que estas só podem ser consideradas como tal quando houver participação dialética entre as partes. 

Nesse sentido, vale destacar o art. 155 do Código de Processo Penal (CPP)

Art. 155.  O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

Isso significa, basicamente, que, no momento de valorar todas as provas que lastreiam o caso concreto, o juiz não poderá se utilizar apenas dos elementos informativos colhidos no inquérito policial, pois foram produzidos sem o contraditório, sem possibilidade de defesa, sem dar o investigado – e posterior acusado – a chance de desconstituir ou problematizar sua veracidade. Como isso caracterizaria um processo extremamente arbitrário e inquisitorial, o CPP veda a formação da convicção do juiz com base unicamente nos elementos informativos do inquérito, que devem ser a ela complementares, auxiliares, e não sua fonte principal.  Deve ser priorizada, portanto, a apreciação das provas produzidas em juízo (ou seja, com observância do contraditório). 

 Atenção: O artigo apresenta uma ressalva importante: o juiz pode se valer das provas cautelares, não repetíveis e antecipadas, produzidas em sede de inquérito policial, para formar sua convicção. 

Provas Cautelares

São aquelas que, se não produzidas, em razão do decurso do tempo, corre-se o risco da perda do objeto da prova. Elas não demandam autorização judicial e podem ser produzidas em ambas as fases (inquérito e processo penal) sem observância do contraditório no momento de sua formação, pois, nesse caso, fala-se em contraditório diferido.

Nas palavras de Renato Brasileiro de Lima (2020, p. 58), contraditório diferido ou postergado é aquele realizar sobre a prova, após sua formação. Em outras palavras, a observância do contraditório se dá posteriormente, dando-se oportunidade ao acusado e a seu defensor de contestar, no curso do processo, a providência cautelar e/ou a prova obtida em sede de inquérito.

É o caso da interceptação telefônica judicialmente autorizada no curso das investigações. Durante a interceptação, ao investigado não é dado o direito de defesa. Contudo, finda a interceptação, é juntado aos autos o laudo de degravação e o resumo das operações realizadas, dando-se vista à defesa para que possa se manifestar.

Provas Não Repetíveis

São aquelas que, uma vez produzidas, corre-se o risco da perda do objeto de prova em razão do perecimento, desaparecimento ou destruição da fonte probatória. Em razão de sua natureza, não demandam autorização judicial e podem ser, em regra, produzidas em ambas as fases da persecução penal – tanto no inquérito quanto no curso da ação penal – sem observância do contraditório no momento de sua formação.

Exemplo: imagine que uma pessoa tenha sofrido lesões corporais de natureza leve. O exame pericial que se realiza logo depois que a pessoa sofreu a agressão dificilmente terá os mesmos resultados se for efetuado em momento posterior, e até mesmo se for efetuado novamente, pois os vestígios deixados pela infração penal provavelmente desaparecerão com o passar do tempo. Assim, em razão do curto período de tempo que se tem para produzi-la, tal prova independe de autorização judicial e pode ser determinada pela autoridade policial – o Delegado – de imediato. 

Provas Antecipadas

São aquelas produzidas em momento diferente do processo penal em si, mas com observância do contraditório no momento de sua formação. Ou seja, são produzidas em momento processual distinto daquele legalmente previsto ou até antes mesmo do processo, em razão de uma situação de urgência e relevância.

Diferentemente das demais, neste caso, é imperiosa a autorização judicial para sua realização. Um exemplo é a colheita das alegações de uma testemunha que se encontra em estado grave de saúde, acamada em um hospital, com altos riscos de vir a falecer. 

 

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