Estatuto do Desarmamento no Tempo e Princípio da Insignificância

Caso do Art. 3º, IV, da Lei nº 9.437/97

A Lei n° 9.437, de 20 de fevereiro de 1997, foi a primeira lei a criar crimes relacionados ao uso de armas de fogo no país e tipificou, em seu artigo 10, a posse e o porte de arma de fogo de uso permitido, com pena de detenção de 1 a 2 anos. O referido artigo previa ainda uma qualificadora de sua conduta, estabelecida no §3º, inciso IV, dobrando a pena para 2 a 4 anos, e multa, caso o agente que cometesse o delito possuísse condenação anterior por crime contra a pessoa, contra o patrimônio e por tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins.

Com o advento do Estatuto do Desarmamento, a Lei n° 9.437/97 foi revogada e o artigo 10 foi desmembrado nos artigos 12 e 14, que tratam do crime de posse e porte de arma de fogo de uso permitido. Todavia, houve a supressão material do fato criminoso previsto no §3º, inciso IV, do artigo 10. 

Assim, entende-se que houve abolitio criminis somente quanto à qualificadora do artigo 10 e, com isso, aqueles indivíduos que foram condenados, com base nessa qualificadora, a uma pena de 2 a 4 anos e multa, não foram absolvidos, mas sofreram desclassificação para o caput, recebendo pena de 1 a 2 anos, e multa.

Abolitio Criminis Temporalis

O Abolitio Criminis Temporalis refere-se aos casos em que a lei possibilita ao agente, regularizar, num prazo determinado, a sua situação jurídico-penal, isentando-o de responsabilidade. Ou seja, a conduta do agente só será considerada criminosa a partir da data estabelecida pelo início de vigência da lei que tipifica o fato.

No caso do Estatuto do Desarmamento, o abolitio criminis temporalis foi aplicado visando proporcionar àqueles que já possuíam armas de fogo, tempo hábil para regularizá-las, nos termos da nova lei, ou ainda, entrega-las à Polícia Federal, de forma a não incorrer em conduta criminosa. 

Esse “benefício” recaiu sobre dois dispositivos do estatuto, sendo eles o artigo 12, que criminaliza a posse irregular de arma de fogo de uso permitido, e o artigo 16, que tipifica a posse e o porte de arma de fogo de uso proibido irregulares. 

Vigência

Inicialmente, a redação original dos artigos 30 e 32 do Estatuto do Desarmamento previu a suspensão temporária dos artigos 12 e 16 entre os dias 23/12/2003 e 23/10/2005. Todavia, com a promulgação das Leis n° 11.706/2008 e n° 11.922/2009, o término da vigência foi estendido até 31/12/2009, mas somente com relação ao artigo 12, que trata da posse irregular de arma de fogo de uso permitido. 

Assim, na prática, o abolitio criminis temporalis no tocante ao Estatuto do Desarmamento possuiu dois prazos de vigência. O primeiro, relativo ao artigo 16, com duração de 23/12/2003 e 23/10/2005, e o segundo, relativo ao artigo 12, que perdurou entre os dias 23/12/2003 e 31/12/2009.

Quanto aos crimes de posse e porte de arma de fogo cometidos na vigência da lei anterior ao estatuto, Lei nº 9.437/97, a jurisprudência diverge, com dois entendimentos. 

O primeiro, dado pelo Superior Tribunal Federal (STF), no julgamento no HC 98.180, dá conta de que, embora intitulado como Abolitio Criminis Temporalis, os artigos 30 e 32 do Estatuto do Desarmamento são, em verdade, uma norma temporária. Desse modo, seus efeitos não retroagem aos crimes praticados na vigência da Lei n° 9.437/97.

Já o Superior Tribunal de Justiça, em acórdão proferido no AgRg no REsp 1.451.170, entendeu que, sendo previsto o Abolitio Criminis Temporalis no Estatuto do Desarmamento, este se veste do Princípio da Retroatividade Benéfica. Com isso, seus efeitos retroagem para cancelar condenações baseadas na lei anterior. 

Princípio da Insignificância

Em regra, os crimes de posse e porte de arma de fogo de uso proibido e restrito não podem sofrer aplicação do Princípio da Insignificância por se tratar de crimes de perigo abstrato. Isso porque o perigo que a conduta gera ao bem jurídico possui presunção absoluta em lei, devendo ser punida penalmente. Esse precedente foi estabelecido no julgamento do RHC 102.406, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Entretanto, no AgRg no RHC 86.862, do STJ, e no RHC 143.449, do STF, chegou-se à exceção de que, a apreensão de ínfima quantidade de munição, desacompanhada de arma de fogo, excepcionalmente, a depender da análise do caso concreto, pode levar ao reconhecimento de atipicidade da conduta. 

Portanto, caso o agente seja pego com, por exemplo, uma única bala, sem arma de fogo, poderá o juiz deixar de condená-lo nos termos da lei, desde que seja avaliado a ausência de perigo na conduta, com base no Princípio da Insignificância. Todavia, cumpre ressaltar, que o respectivo princípio nunca será aplicado à posse ou ao porte de arma desmuniciada.

Crime Impossível

Refere-se aos crimes impossíveis de consumação, seja por ineficácia do meio ou por absoluta impropriedade do objeto. 

Aplicado ao Estatuto do Desarmamento, em acórdão proferido no HC 445.564, o STJ reputou impossível o crime de posse e porte de arma de fogo que, mediante perícia, provar-se incapaz de disparo, em razão da ausência de perigo abstrato ao bem jurídico.

Encontrou um erro?