Áreas de Preservação Permanente (APP) - Regime Jurídico

Outras APP

Além das APP previstas no art. 4º, as quais vimos nas aulas anteriores, o art. 6º dá margem para a criação de outras APP que poderão ser criadas por ato do Chefe do Poder Executivo para atender a certas finalidades previstas nos incisos do referido art. 6º, confira: 

Art. 6º Consideram-se, ainda, de preservação permanente, quando declaradas de interesse social por ato do Chefe do Poder Executivo, as áreas cobertas com florestas ou outras formas de vegetação destinadas a uma ou mais das seguintes finalidades
I – conter a erosão do solo e mitigar riscos de enchentes e deslizamentos de terra e de rocha;
II – proteger as restingas ou veredas; 
III – proteger várzeas;
IV – abrigar exemplares da fauna ou da flora ameaçados de extinção;
V – proteger sítios de excepcional beleza ou de valor científico, cultural ou histórico;
VI – formar faixas de proteção ao longo de rodovias e ferrovias;
VII – assegurar condições de bem-estar público;
VIII – auxiliar a defesa do território nacional, a critério das autoridades militares;
IX – proteger áreas úmidas, especialmente as de importância internacional.

É Possível Explorar Economicamente as APP?

A regra é pela impossibilidade de exploração econômica das APP, já que se trata de uma obrigação propter rem de reparar o dano, isto é, decorre da própria coisa e a acompanha. 

Porém, há algumas pouquíssimas exceções a essa regra: para obtenção de água por pessoas ou animais (art. 9º do Código Florestal) ou em casos de utilidade pública, interesse social ou de baixo impacto ambiental (nos termos dos arts. 8º e 3º, VIII, IX e X, também do Código Florestal Brasileiro).

Utilidade Pública

Trata-se de situações envolvendo segurança nacional, infraestrutura, transporte, energia, telecomunicações, defesa civil e outros casos definidos pelo Presidente da República. Por exemplo: uma região de fronteira em que seja necessário construir uma base da Polícia Federal, a fim de proteger a segurança nacional.

É importante destacar que nesse rol do art. 3º, inciso VIII do Código Florestal, estava incluída na situação de utilidade pública a gestão de resíduos e competições esportivas. Contudo, o STF entendeu que esse trecho do dispositivo é inconstitucional. Ademais, em outra decisão, o STF decidiu que só haverá intervenção em APP por utilidade pública se não houver alternativa técnica ou locacional. Por exemplo: se for possível fazer a intervenção em outra região, é injustificável alterar a APP.

OBSERVAÇÃO: Em se tratando de nascentes, dunas e restingas, todas APP, a única hipótese de intervenção é em caso de utilidade pública.

Interesse Social

As hipóteses de intervenção nas APP pautadas no interesse social estão elencadas no art. 3º, inciso IX, do Código Florestal. Segundo o dispositivo, é considerado de interesse social:

  • Controle do fogo e da erosão;
  • Exploração sustentável na pequena propriedade;
  • Esportes, lazer e atividades educacionais;
  • Assentamentos humanos;
  • Captação de água;
  • Obtenção de areia, argila, saibro e cascalho;
  • Outros casos definidos pelo Presidente da República.

Nesse caso, o STF também reforçou que a intervenção pautada no interesse social só se justifica se não houver alternativa técnica ou locacional.

Atividades de Baixo Impacto Ambiental

As atividades de baixo impacto ambiental que justificam a intervenção em APP estão listadas no artigo 3º, X, do Código Florestal. São elas:

  • Pequenas vias de acesso interno;
  • Captação de água, exigindo-se a outorga do Poder Público;
  • Trilhas para ecoturismo;
  • Rampa de lançamento de barcos;
  • Moradia de agricultores e familiares;
  • Cercas;
  • Pesquisa científica;
  • Coleta de produtos não madeireiros;
  • Plantio de espécies nativas;
  • Manejo florestal sustentável;
  • Outras atividades definidas pelo CONAMA.

Outras Hipóteses de Intervenção em APP

Pequenas Propriedades

Em pequenas propriedades rurais familiares (de até quatro módulos fiscais), pode ser legalmente realizado plantio de culturas temporárias e sazonais às margens dos rios (agricultura de vazante), desde que não haja supressão de vegetação de novas áreas de vegetação nativa, seja conservada a qualidade da água, do solo e haja a proteção da fauna silvestre, nos termos do art. 4º, §5º do Código Florestal. 

O mesmo se aplica para terras indígenas e demais áreas de povos e comunidades tradicionais que façam uso coletivo da terra, conforme previsto no parágrafo único do art. 3º, do Código Florestal Brasileiro.

Manguezais e Restingas

O §2º do art. 8º do Código Florestal permite a supressão vegetal em manguezais e restingas, cuja função ecológica esteja comprometida, em razão da execução de obras habitacionais e urbanização, confira: 

Art. 8º A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente somente ocorrerá nas hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental previstas nesta Lei. 
(…) 
§2º A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente de que tratam os incisos VI [restingas] e VII [manguezais] do caput do art. 4º poderá ser autorizada, excepcionalmente em locais onde a função ecológica do manguezal esteja comprometida, para execução de obras habitacionais e de urbanização, inseridas em projetos de regularização fundiária de interesse social, em áreas urbanas consolidadas ocupadas por população de baixa renda.

Áreas Consolidadas em APP

Você se recorda que em nossa segunda aula mencionamos que havia um regime diferenciado no tratamento protetivo de áreas que tinham APP com intervenção até 22/07/2008?! Pois é, são essas as denominas “áreas consolidadas”. 

Para essas áreas há uma flexibilização quanto ao regime jurídico protetivo das APP, sobretudo nos termos dos arts. 61-A a 65 do Código Florestal. 

Assim, nesse regime diferenciado de até 22/07/2008, constam (dentre outras): 

  • Autorização para supressão de vegetação mesmo sem regularização (art. 7º, §3º);
  • Atividades agrossilvipastoris, ecoturismo e turismo rural (art. 61-A);
  • Residências e infraestrutura agrossilvipastoris em mata ciliar;
  • Recomposição mitigada da vegetação.

Desapropriação em APP

Nos termos do entendimento atual do Superior Tribunal de Justiça (veja o exemplo de julgado ementado abaixo), a desapropriação que atinja APP, em regra, não gerará direito à indenização dessa parte do imóvel. Isso porque, naturalmente, a área de APP não gera exploração econômica. 

DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. IMÓVEL. PARQUE NACIONAL DA SERRA DO ITAJAÍ. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO. ÁREAS DE APP, RESERVA LEGAL E MATA ATLÂNTICA. RELEVÂNCIA. ANÁLISE DE FATOS E PROVAS. VIOLAÇÃO DO ART. 1.022 DO CPC/2015 CARACTERIZADA. NULIDADE DO ACÓRDÃO. QUESTÃO PROBATÓRIA. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM. REJULGAMENTO.

I - Na origem Possamai & Cia Ltda. ajuizou ação contra a União e o Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade - ICMBIO com o objetivo de obter indenização decorrente de desapropriação de imóvel que lhe pertencia, localizado no Parque Nacional da Serra do Itajaí.

II - Ação julgada parcialmente procedente, mediante o pagamento de indenização em valor superior ao apontado administrativamente e, em grau recursal, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região reformou o decisum somente para fixar os honorários em 5% (cinco por cento) sobre o valor da indenização e determinar que o percentual de juros e índice de correção monetária observem os constantes da legislação em vigor em cada período em que ocorreu a mora da Fazenda Pública.

III - Recursos especiais interpostos pela União e pelo ICMBio.

RECURSO ESPECIAL DO ICMBIO IV - Opostos embargos de declaração para sanar omissão relativa à exclusão do percentual de terra relativo à APP, reserva lega e Mata Atlântica, o Tribunal a quo silenciou.

VI - O STJ considera que as omissões relevantes, efetivamente capazes de infirmar a conclusão apresentada pelo julgador, autorizam a oposição de embargos de declaração e a consequente violação do art. 1.022 do CPC/2015, caso não sanadas.

VII - A despeito do art. 1.025 do CPC/2015, que reconhece o prequestionamento ficto, quando a análise da matéria omissa demandar revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos se faz necessário anular o acórdão dos embargos declaratórios, com seu consequente rejulgamento, para a devida análise da matéria, sob pena de inobservância ao enunciado sumular n. 7/STJ.

VIII - Na hipótese dos autos, a análise da matéria omissa no tocante à pré-existência de área de Mata Atlântica, com percentual de APP e reserva legal, é relevante para o fim descaracterizar a indenização, e consequentemente os juros compensatórios.

IX - Precedentes jurisprudenciais desta Corte: REsp 1797349/SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 11/09/2020, EREsp 1350914/MS, Rel. Ministro Og Fernandes, Primeira Seção, DJe 15/02/2016, dentre outros.

X - Demandando análise probatória a deliberação acerca da incidência de tais áreas, notadamente os laudos periciais, os autos devem retornar à instância a quo, sob pena de inobservância ao Enunciado Sumular n. 7/STJ.

XI - Recurso especial do ICMBio provido, com a nulidade do acórdão dos declaratórios, e retorno dos autos à origem para rejulgamento, prejudicada a análise das demais questões abordadas, assim como o recurso especial da União.

(REsp 1653036/RS, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/12/2020, DJe 18/12/2020)

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