Introdução

Na aula o professor elencou o regramento previsto no ordenamento para a fixação de competência em diversas leis que tratam de direitos coletivos. 

Para enriquecer este tema vamos comentar o Conflito de Competência julgado pela 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça publicado no informativo de jurisprudência 662.

Trata-se da deliberação de competência e de prevenção de foro para as diversas ações ajuizadas em decorrência do desastre ambiental ocorrido em Brumadinho, com o rompimento das barragens de uma empresa mineradora.

Como as ações propostas eram de natureza diversas, ou seja, havia ações civis públicas, ações individuais e ações populares, o Superior Tribunal de Justiça analisou as peculiaridades diante deste caso concreto (STJ. 1ª Seção. CC 164.362-MG, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 12/06/2019).

Em 2019, houve o rompimento de uma barragem de rejeitos de minério, localizada em Brumadinho (MG). O rompimento resultou em um terrível desastre ambiental e humanitário. Felipe, na condição de cidadão, ajuizou ação popular contra a União, o Estado de Minas Gerais e a Vale S.A., pedindo para que os réus fossem condenados a recuperar o meio ambiente degradado, pagar indenização pelos danos causados e pagar multa por dano ambiental. Como Felipe mora em Campinas (SP), ele ajuizou a ação no foro de seu domicílio e a demanda foi distribuída para a 2ª Vara Federal de Campinas (SP). Ocorre que na 17ª Vara Federal de Minas Gerais existem ações individuais, ações populares e ações civis públicas tramitando contra os mesmos réus e envolvendo pedidos semelhantes a essa ação popular ajuizada em Campinas.

Quem é competente para julgar esta ação popular: o juízo do domicílio do autor ou o juízo do local em que se consumou o ato danoso? O juízo do local onde se consumou o dano (17ª Vara Federal de Minas Gerais). 

Regra geral: em regra, o autor pode ajuizar a ação popular no foro de seu domicílio, mesmo que o dano tenha ocorrido em outro local. Isso porque, como a ação popular representa um direito político fundamental, deve-se facilitar o seu exercício.

Exceção: o STJ entendeu que o caso concreto envolvendo Brumadinho era excepcional, com inegáveis peculiaridades, que impõem a adoção de uma solução diferente para evitar tumulto processual em uma situação de enorme magnitude social, econômica e ambiental. Assim, para o STJ é necessário superar, excepcionalmente, a regra geral. Entendeu-se que seria necessário adotar uma saída pragmática para permitir uma resposta do Poder Judiciário aos que sofrem os efeitos desta grande tragédia.

A regra geral do STJ deve ser usada quando a ação popular for isolada. Contudo, no caso de Brumadinho havia uma ação popular em Campinas (SP) competindo e concorrendo com várias outras ações populares e ações civis públicas, bem como com centenas, talvez milhares, de ações individuais tramitando em MG, razão pela qual, em se tratando de competência concorrente, deve ser eleito o foro do local do fato.

Em face da magnitude econômica, social e ambiental do caso concreto, é possível a fixação do juízo do local do fato para o julgamento de ação popular que concorre com diversas outras ações individuais, populares e civis públicas decorrentes do mesmo dano ambiental.

Conexão, continência e litispendência

Os institutos da conexão, continência e litispendência foram previstos e positivados no Código de Processo Civil, e por essa razão é possível afirmar que foram pensados para aplicação no bojo do processo individual, tomado como empréstimo para o processo coletivo.

A conexão e continência, em breve síntese, é a relação de semelhança entre duas ações. Na conexão há duas causas com pedido ou causa de pedir comuns. Na continência há duas ações com as mesmas partes e causa de pedir, mas o pedido de uma é mais abrangente que o pedido da outra. Via de regra, a consequência da conexão e continência é a reunião das ações.

Porém, há casos em que, em razão da competência material ou do rito processual, não é possível a reunião das duas ações. Como um dos fundamentos mais importantes do instituto da conexão é evitar decisões conflitantes, em casos de não ser possível a reunião, deve-se suspender uma das ações.

Já a litispendência ocorre quando uma ação ajuizada é idêntica a outra já em trâmite. Serão consideradas idênticas se apresentarem as mesmas partes, causa de pedir e pedido. Neste caso a ação que foi proposta depois deve ser extinta sem solução do mérito, que será resolvido no bojo da primeira ação proposta.

Para a adaptação das ações coletivas tem-se que o conceito de parte deve ser alargado. Isso porque quem ajuíza ação coletiva, com exceção da ação popular, são legitimados extraordinários, tais como o Ministério Público, as associações, a Defensoria Pública, entre outros. Assim deve-se levar em conta a titularidade do direito em si para concluir pela litispendência.

Este é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça. Vejamos a ementa do Resp 1.726.147:

RECURSO  ESPECIAL.  PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IDENTIDADE DE    BENEFICIÁRIOS.    LEGITIMADO    EXTRAORDINÁRIO.   SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL.  LITISPENDÊNCIA  ENTRE  AÇÕES  COLETIVAS.  OCORRÊNCIA.RECURSO PROVIDO.
1.  Segundo  a  jurisprudência  do  STJ,  nas  ações coletivas, para análise  da  configuração de litispendência, a identidade das partes deve  ser  aferida  sob  a  ótica  dos  possíveis  beneficiários  do resultado  das  sentenças,  tendo em vista tratar-se de substituição processual por legitimado extraordinário.
2. Recurso especial provido para extinguir o processo sem julgamento do mérito.

Ocorre que o desfecho normal para a litispendência no processo individual é, como dito, a extinção da segunda ação. No processo coletivo, em que pese haver vozes em contrário, essa solução não seria a mais adequada. Deve-se então adotar o procedimento da reunião dos processos, solução adotada para o caso de conexão e continência.

Isso se justifica não apenas no princípio da economia processual, pelo fato de se aproveitar eventual arcabouço probatório adquirido em alguma delas, mas também porque esta solução se coaduna com a finalidade social do processo coletivo.

A melhor tutela dos direitos meta individuais se dará com a possibilidade de serem ouvidas de forma plural e inclusiva diversos agentes legitimados. Assim, a extinção dos autos faria com que se perdesse material que poderia servir de contribuição para a melhor solução da causa em prol de um cientificismo que, talvez, não se adeque as finalidades da tutela coletiva como um todo.

Um julgado interessante sobre o tema conexão e litispendência é o Resp 1.525.327, julgado em sede de recurso repetitivo. 

Já foi explicado que as ações coletivas podem correr em concomitância com ações individuais, cabendo ao particular decidir pela suspensão da sua ação. Assim, ao final da ação coletiva, teria a faculdade de escolher se efetua a liquidação e executa a sentença coletiva caso seja procedente ou se continua a sua ação individual caso a ação coletiva não tenha êxito.

Porém, neste julgado supramencionado, o Superior Tribunal de Justiça estabeleceu a suspensão compulsórias das ações individuais, em decorrência da magnitude dos danos decorrentes e da possibilidade de proliferação de diversos processos individuais.

Vamos analisar o informativo 643 do Superior Tribunal de Justiça. O caso concreto, com algumas adaptações, foi o seguinte:

A mineradora Plumbum explorou, durante anos, uma jazida de chumbo no Município de Adrianópolis (PR), que fica na Região Metropolitana de Curitiba. Jazida mineral é um local que contenha grande concentração de um determinado minério ou outra substância natural de valor econômico, que se encontra na superfície ou no interior da terra. Em 1995, as reservas de chumbo esgotaram-se no local e a mineradora decidiu encerrar as suas atividades. Ocorre que, segundo alega o Ministério Público, toneladas de rejeitos de minérios (com elevado teor de chumbo) foram deixadas no local, à céu aberto, sem a menor proteção. Esses rejeitos foram carregados pelas chuvas até o leito do Rio Ribeira, causando graves danos ambientais. Além disso, a poeira tóxica foi levada pelo vento e aspirada pela população da cidade e dos arredores, gerando danos para a saúde da população local. Diversos moradores da região se contaminaram com chumbo, conforme apontam estudos científicos realizados com amostras de sangue coletadas.

Diante desse cenário, em 2001, foram propostas duas ações civis públicas contra a Plumbum, na 11ª Vara Federal de Curitiba, pedindo a condenação da ré:

  • a uma série de obrigações de fazer e não fazer para reparação in natura do meio ambiente;
  • ao pagamento de indenização por danos materiais e morais, difusos e também individuais homogêneos.

As ações coletivas ganharam grande destaque na imprensa e os moradores passaram a ter consciência do risco e dos danos que estiveram submetidos.

Além das ações coletivas, os moradores do local passaram a ingressar com ações individuais pedindo indenização por danos morais. Tais ações individuais foram propostas na Justiça Estadual. Até 2016, havia mais de 2.230 ações individuais sobre o tema. Os Juízes de Direito que receberam essas ações individuais determinaram o sobrestamento das ações individuais até que as ações civis públicas ajuizadas na Vara Federal Ambiental de Curitiba transitem em julgado.

O STJ, no recurso repetitivo REsp 1110549/RS, leading case sobre o tema, consolidou o entendimento no sentido de que:

Ajuizada ação coletiva atinente à macrolide geradora de processos multitudinários, suspendem-se as ações individuais, no aguardo do julgamento da ação coletiva. STJ. 2ª Seção. REsp 1110549/RS, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 28/10/2009.

Assim, é possível determinar a suspensão do andamento de processos individuais até o julgamento, no âmbito das ações coletivas, da responsabilidade da empresa. Deve-se considerar que as ações coletivas implicam redução de atos processuais, configurando-se um meio de concretização dos princípios da celeridade e economia processual.

A coletivização da demanda, seja no polo ativo, seja no polo passivo, é um dos meios mais eficazes para o acesso à justiça, porquanto, além de reduzir os custos, consubstancia-se em instrumento para a concentração de litigantes em um polo,  evitando-se, assim, os problemas decorrentes de inúmeras causas semelhantes. Logo, o mais prudente é o sobrestamento dos feitos individuais até a solução definitiva do litígio coletivo.
 

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