Deveres das Partes, Procuradores e demais Intervenientes no Processo

Primeiramente, sobre ser parte processual: a condição de parte assegura ao indivíduo o exercício de diversos poderes no âmbito do processo civil, os quais apresentam uma vasta gama de direitos processuais, vejamos:

a) de um lado, o autor assume a condição de parte ao levar sua pretensão ao Poder Judiciário;
b) por outro lado, ao réu cabe defender-se perante as alegações do autor; e
c) ao juiz, por sua vez, cumpre dirimir os conflitos que lhe são apresentados a fim de pacificar os conflitos sociais.

Como será possível observar no estudo a seguir, ao prever uma série de direitos, o Novo Código de Processo Civil (NCPC) também institui uma extensa gama de deveres.

Tem-se que o art. 77 do NCPC visa a abranger não somente autor e réu, como também: juízes, peritos, contadores, assistentes, advogados, estagiários, promotores, defensores, oficias de justiça, e todos que atuem de uma forma ou de outra no processo, embora o artigo esteja inserto no Capítulo II intitulado “Dos Deveres das Partes e dos Procuradores”.

Esses deveres se aplicam a quaisquer processos em suas duas espécies procedimentais, ou seja, aplicam-se tanto ao procedimento comum (art. 318 e seguintes do NCPC) quanto ao procedimento especial (artigos 539 ao 718, também, do NCPC).

Em uma análise mais apurada é possível observar que, ao estipular determinados deveres, a lei não confere meras faculdades às partes – permitindo a elas determinarem seus próprios comportamentos – mas, antes, visa a disciplinar suas condutas de forma objetiva.

Por essa razão, o art. 79 determina a responsabilização por perdas e danos àquele que litigar de má-fé, seja autor, seja réu ou terceiro interveniente; de modo que a sistemática adotada pelo legislador no NCPC pretende evitar que as partes se utilizem do processo de forma indevida.

Como exemplo, podemos citar o disposto no artigo 966, inciso I, do NCPC que prevê como causa de rescisão a ocorrência de prevaricação, concussão ou corrupção por parte do juiz. Em outras palavras, o juiz que não corresponder com seu dever processual está sujeito à cassação de sua decisão, bem como a demais penalidades decorrentes de sua falta processual.

Outra hipótese de responsabilização das partes no processo, diz respeito à formulação de pretensão pelo autor ou à apresentação de defesa pelo réu quando cientes de que suas alegações são destituídas de fundamento, assim, visa o legislador a evitar a formulação de ação ou defesa contrários à disposição expressa de lei.

Responsabilidade das partes e de terceiros por litigância de má-fé

De acordo com a lógica do art. 79, do NCPC, a responsabilidade dos deveres, previstos no art. 77 do NCPC, recai sobre as partes. Em havendo pluralidade de partes - quer no polo ativo quer no polo passivo da relação processual - qualquer litisconsorte pode vir a praticar atos reprováveis ao longo do processo.

Segundo Cássio Scarpinella Bueno (na obra Amicus Curiae no Processo Civil Brasileiro, p. 421-426), a responsabilidade de manter uma conduta reta e proba durante o transcurso processual exigido das partes também recai sobre o amicus curiae (pessoa ou entidade estranha à causa que a vem auxiliar, de ofício ou espontaneamente, fornecendo subsídios e oferecendo esclarecimentos que venham a contribuir com a solução do conflito).

Como você já deve ter percebido, a todos os sujeitos da relação processual recai a responsabilidade do art. 77, independentemente da posição processual que ocupem ou do momento em que passem a ingressar no feito.

Mas, fique atento a que as sanções previstas no art. 77 do NCPC não se aplicam ao Ministério Público! – quer na qualidade de parte, quer na de custus legis (fiscal da lei) - conforme previsto no art. 178 do NCPC. Tampouco se aplicam tais sanções à Defensoria Pública enquanto instituição desempenhando função de representante da parte necessitada (hipossuficiente) em juízo, ou ao Defensor Público com atuação no processo. Ambos gozam do disposto no art. 77, §6º, do NCPC, subtraindo-se de eventuais sanções aplicadas pelo juiz. Também aos advogados públicos e privados, aplica-se essa regra.

É necessário ter em mente, então, que advogados públicos e privados, e membros do Ministério Público e da Defensoria Pública não se submetem às sanções previstas no art. 77, do NCPC, conforme orientação do §6º do mesmo artigo.

Aspecto objetivo dos deveres das partes

Os objetivos gerais dos deveres impostos às partes mostram-se, muitas vezes, intuitivos e naturais. Primeiramente, cumpre garantir que o processo transcorra normalmente, sem procrastinações indevidas e sem desvios ocasionados por comportamento incorreto das partes.

Nesta linha de raciocínio, a formação da convicção do juiz também não pode ser abalada por alegações de fatos inverídicos e levantamentos de questões de direito desarrazoadas ou intencionalmente distorcidas.

A conduta incorreta das partes, por intermédio de seus procuradores, pode se apresentar de duas formas:

  1. aspecto material: quanto ao conteúdo das alegações; e
  2. aspecto formal: quanto à forma das alegações.

Como veremos a seguir, essas condutas são facilmente notadas ao analisarmos a lei e os objetivos por ela traçados dentro de limites eticamente desejados.

À análise desses deveres e à conduta almejada pelo ordenamento, interessarão somente as regras que reprimem a má-fé e lhe impõem o dever de indenizar (como já visto no art. 79 do NCPC). Vejamos:

1. Dever de veracidade:

O primeiro dever imposto às partes no NCPC consiste em expor os fatos conforme a verdade. Há uma discussão doutrinária a respeito do que seria essa verdade buscada pelo direito. Haveria, pois, a verdade formal e verdade material. Atualmente, tem-se considerado que a verdade é uma só, e é esta que se deve buscar. Segundo Araken de Assis (na obra Processo Civil Brasileiro. Volume II. Tomo I. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2015.p. 277), porém, o processo civil não tem por objetivo alcançar a verdade em todas as suas espécies - inclusive a verdade histórica - o que se busca é a verdade instrumental, permitindo ao juiz aplicar o direito à espécie.

Partindo dessa lógica, a doutrina se divide em duas correntes:

Para os adeptos do Princípio Dispositivo, o autor da ação estaria autorizado a apresentar na inicial os fatos da forma que lhe sejam mais favoráveis. Claro, não distorcendo a realidade de forma a cometer calúnia.

A exemplo, poderia uma mulher alegar abuso contra o marido discorrendo sobre graves infrações aos deveres do casamento e sobre grandes desrespeitos e agressões a ela dirigidos, no entanto, a autora expõe somente os fatos referentes àquilo que mais a preocupam, ou àquilo cujas provas entende ser mais convincente. Talvez não queira expor os fatos perante a sociedade a fim de evitar maiores constrangimentos, enfim. Essa corrente de pensamento permite a omissão de certos fatos por parte do autor para garantir o sucesso da demanda.

Já, os adeptos do Princípio da Igualdade admitem que tal omissão também possa ser cometida pelo réu em sua oportunidade de defesa, isto é, na ocasião de apresentar contestação nos termos do art. 341 do NCPC. Dessa forma, tanto ao réu quanto ao autor caberia o dever de veracidade, sendo permitida a omissão de certos fatos como estratégias processuais.

Mas, atenção, a alegação de fatos inverídicos por qualquer das partes a mercê de colocar a parte adversa em sérias dificuldades é vedada pelo art. 77, I, do NCPC!

Do contrário, se o Poder Judiciário proferisse decisão com base em alegações inverídicas apoiado pela farsa arquitetada por uma das partes, ter-se-ia uma decisão injusta, de maneira que o ordenamento jurídico confere à parte contrária socorrer-se com a ação rescisória prevista no art. 966, VI, do NCPC, tamanha a importância desse dever de verdade.

2. Dever de probidade

Recai sobre as partes e sobre todos que participem do processo a exigência de comportamento leal e de boa-fé na atuação processual conforme disposto nos artigos 5º e 77 do NCPC.

É valido mencionar que, para parte da doutrina, o dever de probidade decorre do dever de veracidade, já para outra, enquanto o dever de veracidade remete ao conteúdo da atividade das partes (caráter material), o dever de probidade, por sua vez, se refere à forma destas atividades (caráter formal).

Na prática, em geral, presume-se boa-fé, de maneira que o descumprimento ao dever de probidade constitui exceção, havendo diversas disposições no NCPC que confirmam essa regra.

Como exemplo, tem-se a situação em que a parte alega não poder antecipar um determinado pagamento que se lhe exige e, se vencida, arcar com as custas do processo sem que isso lhe cause prejuízo ao seu sustento, garantindo-lhe a lei o benefício da gratuidade (art. 99, §3º, NPCP), cabendo, entretanto, prova em contrário da parte adversa (art. 100, NPCP).

Nesse exemplo, a parte que requer o benefício da gratuidade transfere à outra o ônus de demonstrar a inveracidade das alegações, no entanto, é válido ressaltar que o benefício da gratuidade não isenta a parte de sofrer as sanções por litigância ímproba (art. 98, §4º,NCPC) em atenção à responsabilidade social, caso requeira o benefício indevidamente.

Assim, o dever de probidade apresenta-se de duas maneiras:

  • Dever de probidade positivo: reclama-se das partes obediência estrita às regras do contraditório do processo respeitando as faculdades da parte adversária.

Nesse aspecto, a lei institui a fixação das provas documentais na inicial para o autor (art. 319, NCPC) e na contestação para o réu (art. 434, NCPC) cabendo às partes, desde o início, “pôr as cartas na mesa”. Caso se ocultem os documentos (produzindo-os posteriormente), incorrerá a parte em deslealdade processual.

  • Dever de probidade negativo: consiste nas hipóteses em que as partes se comportam de má-fé no processo. Apesar de inexistir definição explícita no Código do que seja boa-fé, as hipóteses de má-fé elencadas no art. 80, do NCPC, permitem concluir, a contrario sensu, que aquilo que não se enquadre nas hipóteses de má-fé, seja boa-fé. Aquilo que não se proíbe está permitido.

3. Dever de seriedade

As partes têm o dever de fundamentar suas pretensões conforme o direito. O acesso à justiça exige seriedade das partes. O art. 77, inciso II, por exemplo, exige às partes o dever de não formular pretensões ou apresentar defesas destituídas de fundamento.

Assim, litigar convencido de que não se tem direito significa movimentar a máquina judiciária por mera rivalidade ou competição.

4. Dever de economia

A economia visa à obtenção do máximo de resultados com o mínimo de esforços. Nesta senda, a economia processual visa a minimizar o tempo para o processo atingir suas próprias finalidades.

Por essa razão, o artigo 77, inciso III, constrange as partes a não produzirem provas e não praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou defesa do direito.

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