Família Anaparental
Conceito e Características
De maneira simples, a família anaparental é aquela que existe sem a presença dos pais. Podem ser constituídas por outros parentes ou mesmo por pessoas sem grau de parentesco.
Os critérios utilizados para o reconhecimento desse tipo de família são a afetividade e a convivência mútua.
Composição
A família anaparental pode ser composta, entre outras formas, por:
- Grupo de irmãos;
- Avós e netos;
- Tios e sobrinhos.
A origem desse tipo de família vem geralmente do falecimento ou abandono dos pais.
Reconhecimento
Não há norma no ordenamento jurídico que reconheça expressamente a família anaparental, mas existe um consenso doutrinário e jurisprudencial de que trata-se de um núcleo familiar válido, legítimo.
Adoção
Tal reconhecimento se reflete na aceitação pelo judiciário da adoção de criança por uma dupla de irmãos. No caso paradigmático enfrentado pelo STJ, o tribunal entendeu que a adoção é válida apesar de não constar expressamente no Estatuto da Criança e do Adolescente, visto que o fator mais importante é a inserção do menor de idade em um ambiente familiar saudável e seguro. Portanto, a interpretação foi de que o conjunto de irmãos constitui uma família apta a realizar a adoção.
Vejamos a ementa do julgado, com alguns destaques nossos:
REsp 1217415 / RS
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ADOÇÃO PÓSTUMA. VALIDADE. ADOÇÃO CONJUNTA. PRESSUPOSTOS. FAMILIA ANAPARENTAL. POSSIBILIDADE.
Ação anulatória de adoção post mortem, ajuizada pela União, que tem por escopo principal sustar o pagamento de benefícios previdenciários ao adotado - maior interdito -, na qual aponta a inviabilidade da adoção post mortem sem a demonstração cabal de que o de cujus desejava adotar e, também, a impossibilidade de ser deferido pedido de adoção conjunta a dois irmãos. A redação do art. 42, § 5º, da Lei 8.069/90 - ECA -, renumerado como § 6º pela Lei 12.010/2009, que é um dos dispositivos de lei tidos como violados no recurso especial, alberga a possibilidade de se ocorrer a adoção póstuma na hipótese de óbito do adotante, no curso do procedimento de adoção, e a constatação de que este manifestou, em vida, de forma inequívoca, seu desejo de adotar.
Para as adoções post mortem, vigem, como comprovação da inequívoca vontade do de cujus em adotar, as mesmas regras que comprovam a filiação socioafetiva: o tratamento do menor como se filho fosse e o conhecimento público dessa condição. O art. 42, § 2º, do ECA, que trata da adoção conjunta, buscou assegurar ao adotando a inserção em um núcleo familiar no qual pudesse desenvolver relações de afeto, aprender e apreender valores sociais, receber e dar amparo nas horas de dificuldades, entre outras necessidades materiais e imateriais supridas pela família que, nas suas diversas acepções, ainda constitui a base de nossa sociedade.
A existência de núcleo familiar estável e a consequente rede de proteção social que podem gerar para o adotando, são os fins colimados pela norma e, sob esse prisma, o conceito de núcleo familiar estável não pode ficar restrito às fórmulas clássicas de família, mas pode, e deve, ser ampliado para abarcar uma noção plena de família, apreendida nas suas bases sociológicas. Restringindo a lei, porém, a adoção conjunta aos que, casados civilmente ou que mantenham união estável, comprovem estabilidade na família, incorre em manifesto descompasso com o fim perseguido pela própria norma, ficando teleologicamente órfã. Fato que ofende o senso comum e reclama atuação do interprete para flexibilizá-la e adequá-la às transformações sociais que dão vulto ao anacronismo do texto de lei.
O primado da família socioafetiva tem que romper os ainda existentes liames que atrelam o grupo familiar a uma diversidade de gênero e fins reprodutivos, não em um processo de extrusão, mas sim de evolução, onde as novas situações se acomodam ao lado de tantas outras, já existentes, como possibilidades de grupos familiares. O fim expressamente assentado pelo texto legal - colocação do adotando em família estável - foi plenamente cumprido, pois os irmãos, que viveram sob o mesmo teto, até o óbito de um deles, agiam como família que eram, tanto entre si, como para o então infante, e naquele grupo familiar o adotado se deparou com relações de afeto, construiu - nos limites de suas possibilidades - seus valores sociais, teve amparo nas horas de necessidade físicas e emocionais, em suma, encontrou naqueles que o adotaram, a referência necessária para crescer, desenvolver-se e inserir-se no grupo social que hoje faz parte. Nessa senda, a chamada família anaparental - sem a presença de um ascendente -, quando constatado os vínculos subjetivos que remetem à família, merece o reconhecimento e igual status daqueles grupos familiares descritos no art. 42, §2, do ECA.
Proteção do Bem de Família
Assim como a questão da adoção, a jurisprudência exerceu papel importante na ampliação do conceito de bem de família para abarcar as famílias anaparentais.
No caso em questão, o apartamento de dois irmãos solteiros era alvo de execução (penhora) mas foi protegido pela decisão do STJ, que entendeu ser um bem de família por ser imprescindível para a convivência do núcleo familiar formado por eles.
Vejamos:
REsp 159851 / SP
EXECUÇÃO. EMBARGOS DE TERCEIRO. LEI 8009/90. IMPENHORABILIDADE. MORADIA DA FAMILIA. IRMÃOS SOLTEIROS. OS IRMÃOS SOLTEIROS QUE RESIDEM NO IMOVEL COMUM CONSTITUEM UMA ENTIDADE FAMILIAR E POR ISSO O APARTAMENTO ONDE MORAM GOZA DA PROTEÇÃO DE IMPENHORABILIDADE, PREVISTA NA LEI 8009/90, NÃO PODENDO SER PENHORADO NA EXECUÇÃO DE DIVIDA ASSUMIDA POR UM DELES. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.