Modalidades de Prisão Cautelar - Prisão em Flagrante

A prisão em flagrante é uma das modalidades de prisão cautelar, prevista nos artigos 301 a 310 do CPP. É assim definida por Guilherme Nucci:

“É a modalidade de prisão cautelar, de natureza administrativa, realizada no instante em que se desenvolve ou termina de se concluir a infração penal.”

Ainda segundo a doutrina, a prisão em flagrante tem natureza jurídica de ato complexo. Isto porque ela inicia como um ato administrativo (pela ação do delegado de polícia) e finaliza como um ato judicializado (pela atuação do juiz de direito).

Requisitos

Para que ocorra a prisão em flagrante, faz-se necessário a presença de dois requisitos: o fumus boni juris e o periculum in mora

O fumus boni juris é a “aparência de tipicidade”, obtida pelos elementos revelados na lavratura do auto de prisão. Já o periculum in mora se faz presente de forma presumida, ou seja, presume-se que haja perigo na demora da atuação do Estado quando o agente é flagrado cometendo o delito.

Não há consenso doutrinário sobre a capacidade avaliativa do delegado de polícia no ato de lavratura do auto de prisão em flagrante. Para a doutrina tradicional, o delegado só tem atribuição para avaliar tipicidade formal (ou seja, o enquadramento do fato à norma.) Todavia, para doutrinadores mais modernos, o delegado também poderá avaliar a tipicidade material (como nos casos com excludentes de ilicitude ou de culpabilidade ou nos casos que se enquadrem no princípio da insignificância). 

Flagrante facultativo X Flagrante obrigatório (compulsório)

Embora o ato de prender em flagrante seja obrigatório ao agente de polícia, o CPP estabelece que este ato não é exclusivo da autoridade policial, podendo o cidadão também prender em flagrante. Vejamos o que ele diz:

Art. 301.  Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.

Assim, entende-se que a prisão em flagrante se subdivide em duas categorias. São elas:

  • Flagrante facultativo: aquele que pode ser cumprido por qualquer do povo, com base no exercício regular de direito, sem caráter obrigatório. A maioria da doutrina entende que o guarda civil municipal e o policial de folga enquadram-se nesta categoria.
  • Flagrante obrigatório ou compulsório: aquele que deve ser realizado pelo agente da autoridade policial, com base no estrito cumprimento do dever legal, com caráter obrigatório.
 Atenção! Nos crimes de ação penal pública condicionada à representação do ofendido, o flagrante só poderá ser lavrado mediante representação da vítima. Nos crimes de ação penal privada, o flagrante só poderá ser lavrado mediante requerimento da vítima (interpretação do artigo 5º do CPP).

Espécies de Prisão em Flagrante

O códex divide ainda a prisão em flagrante em diversas espécies, quais sejam: flagrante próprio, flagrante impróprio, flagrante presumido, flagrante provocado, flagrante forjado, flagrante esperado, flagrante diferido e flagrante nos crimes permanentes, habituais e continuados.

O flagrante próprio ou propriamente dito, também chamado de flagrante real ou flagrante verdadeiro ou flagrante perfeito. Refere-se à prisão do agente que está cometendo ou acabou de cometer a infração penal. Está previsto nos incisos I e II do artigo 302 do CPP.

Art. 302.  Considera-se em flagrante delito quem:

I - está cometendo a infração penal;

II - acaba de cometê-la;

Já o flagrante impróprio ou imperfeito, também chamado de flagrante irreal ou quase flagrante. Está previsto no inciso III do mesmo artigo e refere-se à prisão do agente que é perseguido pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, logo após uma situação que faça presumir ser ele o autor da infração.

Art. 302.  Considera-se em flagrante delito quem:

III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;

Ressalta-se, aqui, que não existe prazo limite pré-estabelecido para caracterização do flagrante impróprio. Deve-se apenas observar o início imediato da perseguição ao sujeito, podendo ela, inclusive, perdurar por dias sem descaracterização do flagrante. 

Há também o flagrante presumido, ficto ou assimilado. Previsto no inciso IV do artigo 302 do CPP, ele se dá sempre que, logo depois do crime (apenas numa curta janela de tempo), o agente é encontrado com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.

Art. 302.  Considera-se em flagrante delito quem:

IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.

Nas situações específicas de tráfico de entorpecentes, há o chamado flagrante comprovado, trazido pelas leis n.º 10.826/2003 (estatuto do desarmamento) e nº 11.343/2006 (lei de drogas):

Lei n.º 10.826/2003, Art. 17. (...) Pena - reclusão, de 6 (seis) a 12 (doze) anos, e multa.

(...) § 2º Incorre na mesma pena quem vende ou entrega arma de fogo, acessório ou munição, sem autorização ou em desacordo com a determinação legal ou regulamentar, a agente policial disfarçado, quando presentes elementos probatórios razoáveis de conduta criminal preexistente.

Art. 18. (...) Pena - reclusão, de 8 (oito) a 16 (dezesseis) anos, e multa.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem vende ou entrega arma de fogo, acessório ou munição, em operação de importação, sem autorização da autoridade competente, a agente policial disfarçado, quando presentes elementos probatórios razoáveis de conduta criminal preexistente.

Lei n° 11.343/2006, Art. 33. (...)

§1º (...)IV - vende ou entrega drogas ou matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas, sem autorização ou em desacordo com a determinação legal ou regulamentar, a agente policial disfarçado, quando presentes elementos probatórios razoáveis de conduta criminal preexistente.

Com a previsão legal trazida pelos dispositivos supra mencionados, o flagrante comprovado ocorre nas situações em que o agente policial disfarçado solicita ao criminoso a venda de entorpecentes e, nesta oportunidade, efetua a prisão em flagrante.

Destaca-se que, na situação exemplificada, a prisão em flagrante pelo ato da venda de entorpecente caracterizaria flagrante preparado (ou flagrante provocado ou crime de ensaio), o que é vedado pelo STF na Súmula 145, que diz “Não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação.” Porém, no tráfico de drogas, é permitido forjar o flagrante, como única exceção, caracterizando flagrante comprovado em vez de flagrante preparado. Nestes casos, o tráfico de drogas pode ser caracterizado pelo seu armazenamento, mas não pela venda (já que a presença da polícia impossibilita a consumação do delito).

Temos ainda o flagrante forjado ou urdido, que é ilegal e ocorre quando a situação que leva ao flagrante é forjada, plantada. O flagrante esperado ou intervenção predisposta da autoridade policial é semelhante, mas esse sim legal. Ocorre quando o agente policial aguarda o crime acontecer para efetuar a prisão em flagrante do criminoso. Eles se diferem pela ausência de indução ao crime no segundo caso.

Nos casos em que a autoridade policial necessitar retardar a prisão de um sujeito em prol da operação em curso, estaremos diante de um flagrante diferido (ou retardado ou prorrogado ou postergado) ou ação controlada. Conforme Guilherme Nucci:

“É a possibilidade que a polícia possui de retardar a realização da prisão em flagrante, para obter maiores dados e informações a respeito do funcionamento, dos componentes e da atuação de uma organização criminosa.”

Quando o flagrante estiver embasado pela lei de drogas (Art. 53, II, Lei nº11.343/2006) ou pela lei de lavagem de dinheiro (Art. 4º-B, Lei nº 9.613/1998), se dará apenas mediante autorização judicial. Já quando embasado na lei de organização criminosa (Arts. 8º e 9º, Lei nº 12.850/2013), bastará mera comunicação ao juiz.

Por fim, o artigo 303 do CPP prevê a possibilidade de flagrante permanente nos crimes que se prolongam no tempo. Isto é, entende-se o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência (enquanto o crime estiver em curso). Nos crimes habituais, por sua vez, a parte majoritária da doutrina entende não caber prisão em flagrante, posto que, para ser caracterizado, é necessário que ele se repita (como nos casos de curandeirismo do art. 284 do CP e de casa de prostituição do art. 229 do CP). Isto não ocorre nos crimes continuados (Art. 71, CP) por se tratarem de uma ficção jurídica, em que há dois ou mais crimes conectados por espécie e elementos, sendo possível efetuar a prisão em flagrante por qualquer um deles.

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