Princípios Relativos às Nulidades
É essencial a análise dos princípios norteadores das invalidades no processo penal, na medida em que é deles que se extraem quase todas as conclusões sobre a matéria.
Princípio da Instrumentalidade das Formas
O disposto no art. 566 do CPP, segundo o qual “não será declarada a nulidade de ato processual que não houver influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa”, guia o juiz a analisar as questões que envolvam a invalidade do processo ou de atos processuais de acordo com a compreensão de que as formas procedimentais não são um fim em si mesmo, pois têm natureza instrumental, ou seja, são apenas meios destinados a garantir determinada finalidade.
Em relação ao tema, a melhor corrente doutrinária ensina que: “constitui seguramente a viga mestra do sistema das nulidades e decorre da ideia geral de que as formas processuais representam tão somente um instrumento para a correta aplicação do direito; sendo assim, a desobediência às formalidades estabelecidas pelo legislador só deve conduzir ao reconhecimento da invalidade do ato quando a própria finalidade pela qual a forma foi instituída estiver comprometida pelo vício” (Ada Pellegrini Grinover; As nulidades no processo penal,12. ed., p. 27).
Dessa forma, se o ato, apesar de não ser perfeito, conseguir atingir determinado fim a que for destinado, não haverá razão para o reconhecimento de nulidade (art. 572, II, do CPP). Essa regra aplica-se ao processo penal, por analogia, porque é decorrência do Princípio da Instrumentalidade das Formas, a norma prevista no art. 282, § 2º, do Novo Código de Processo Civil, segundo a qual “quando puder decidir o mérito a favor da parte a quem aproveite a declaração de nulidade, o juiz não a pronunciará nem mandará repetir o ato ou suprir -lhe a falta”.
Princípio do Prejuízo
Nos termos do item anterior, temos mais um princípio que representa repúdio a qualquer veneração às formalidades que não se mostrem imprescindíveis ao esclarecimento da verdade. O Código previu que “nenhum ato será declarado nulo se, da nulidade, não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa” (art. 563 do CPP).
Nos termos deste princípio, que é comumentente referido pela expressão francesa pas de nullité sans grief, é pressuposto inafastável para a invalidação de qualquer ato processual a ocorrência de efeitos prejudiciais ao processo ou às partes, mostrando-se inábil, para o decreto de nulidade, a mera imperfeição do ato.
Apesar de alguns doutrinadores afirmarem que o princípio em questão não se aplica às nulidades absolutas, já que, em relação a elas, o prejuízo é sempre presumido, o Supremo Tribunal Federal já se posicionou sobre o tema determinando que a ocorrência de prejuízo é essencial também ao reconhecimento dessa espécie de invalidade:
“A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é de que a demonstração de prejuízo, nos termos ‘do art. 563 do CPP, é essencial à alegação de nulidade, seja ela relativa ou absoluta, eis que (…) o âmbito normativo do dogma fundamental da disciplina das nulidades — pas de nullité sans grief — compreende as nulidades absolutas’. Precedente” (STF — ARE 868.516 AgR/DF — 1ª Turma — Rel. Min. Roberto Barroso — julgado em 26.05.2015 — DJe-121 23.06.2015)
Princípio da Causalidade
Esse princípio guia o alcance dos efeitos do reconhecimento de invalidade de determinado ato, estabelecendo que “a nulidade de um ato, uma vez declarada, causará a dos atos que dele diretamente dependam ou sejam consequência” (art. 573, § 1º, do CPP).
A necessidade de determinar o alcance dos efeitos do reconhecimento de nulidade decorre da circunstância de que, em razão de o processo ser formado por um encadeamento de atos, muitas vezes novos atos foram praticados após aquele que teve sua invalidade decretada de forma consecutiva, sequente a este, de modo a exigir que se decida por sua validade ou pela necessidade de sua repetição.
O Código de Processo Penal adotou o critério com base na relação de subordinação ou de atuação que os atos tenham entre eles, retirando, assim, a oportunidade de contaminação de atos apenas como consequência de sua situação cronológica; ou seja, se o ato subsequente não guardar relação direta com o ato invalidado, não será ele também considerado inválido por conta do anterior.
Em outras palavras, a nulidade decorrente do ato será decretada apenas quando o ato posterior possua relação lógica com a invalidade ocorrida anteriormente, ao passo que, em consequência, devem remanescer inalterados os atos cronologicamente posteriores que não tenham ligação com o ato nulo. Lembremos, sobre o assunto, os ensinamentos do Professor Afrânio Silva Jardim:
“Se um ato perde a sua eficácia por ter sido reconhecida a sua invalidez, somente são atingidos os eventuais direitos, deveres, poderes, sujeições e ônus que daquele ato defluíram, vale dizer, a relação processual é atingida no seu aspecto interno, ou seja, desconstitui -se uma microrrelação que pertencia ao feixe de relações menores que compõem a relação processual. Não se desfaz a relação jurídica como um todo” (Afrânio Silva Jardim. Direito processual penal, 11. ed., p. 57.)
Quando se tratar de ato processual complexo, é necessário observar, ainda, se a invalidade o atinge integralmente ou apenas parcialmente, como, por exemplo, no caso de vício na sentença, que pode ser anulada apenas parcialmente:
“O Supremo Tribunal Federal tem entendimento de que nulidade quanto à dosimetria da pena ‘não vicia inteiramente a sentença e o acórdão das instâncias inferiores, mas diz respeito apenas ao critério adotado para a fixação da pena. Tudo o mais neles decidido é válido, em face do Princípio utile per inutile non vitiatur’ (HC 59.950/RJ, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 01.11.1982)” (STF — HC 94.888/SP — 2ª Turma — Rel. Min. Ellen Gracie — DJe -232 11.12.2009).
Destarte, se a nulidade da sentença refere-se apenas à não observância de regramentos quanto à dosimetria da pena, nova sentença deve ser proferida tão somente quanto ao referido aspecto. O juiz não poderá, sob pretexto de sanar tal vício, alterar outras partes da sentença.
Princípio do Interesse
O postulado em análise, Princípio do Interesse, define basicamente que só pode arguir a nulidade de algum ato aquele que, de fato, tiver interesse em tal. Assim sendo, proíbe-se a arguição de nulidade pelo sujeito que a causou ou pelo sujeito que por ela tenha sido favorecido de alguma forma, e também se veda a arguição de nulidade referente à formalidade em cuja observância só a outra parte possa ter interesse (art. 565 do CPP).
A legislação não admite o comportamento guiado pela má-fé de quem causa o defeito do ato, apenas para posteriormente tentar se beneficiar com a sua invalidação. Trata-se de aplicação, a teoria das nulidades, do postulado da boa-fé objetiva, que incorre em todos os ramos do Direito e do qual deriva a regra de proibição de comportamentos contraditórios (venire contra factum proprium).
Além disso, não é possível, em nosso ordenamento, reconhecer a nulidade quando o ato suscetível de invalidação não tiver causado prejuízo para a parte que a alega, mas tão somente para a parte adversária, pois, nessa hipótese, estará ausente qualquer interesse que justifique o desejo por invalidação do ato. Não faz sentido que a parte desinteressada faça tal arguição pela verdadeira interessada na declaração de invalidade.