Presidência e Características

Presidência

A Lei nº 12.830/13 dispõe sobre os elementos da condução da investigação preliminar e, em seu art. 2º, determina que a presidência do inquérito policial (IP) e do termo circunstanciado (TC, que é o procedimento previsto para investigação de infrações penais no âmbito dos Juizados Especiais Criminais) é atribuição da autoridade policial. Vejamos a letra da lei:

Art. 2º As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado.
§ 1º Ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais.

Características

Procedimento Escrito

O inquérito policial é um instrumento que deve ser reduzido a termo, ou seja, deve constar concretamente dos autos, nos termos do art. 9º do CPP: 

Art. 9º  Todas as peças do inquérito policial serão, num só processado, reduzidas a escrito ou datilografadas e, neste caso, rubricadas pela autoridade.

Sobre a possibilidade de se utilizar recursos de gravação audiovisual no curso das investigações policiais, há discussão doutrinária, vez que, embora o CPP não faça menção a esse tipo de gravação, é possível fazer uma interpretação progressiva do diploma processual (que entrou em vigor no ano de 1942, quando não existiam recursos tecnológicos nesse sentido) ou uma interpretação subsidiária do art. 405, §1º do CPP:

Art. 405.  Do ocorrido em audiência será lavrado termo em livro próprio, assinado pelo juiz e pelas partes, contendo breve resumo dos fatos relevantes nela ocorridos. 
§ 1º  Sempre que possível, o registro dos depoimentos do investigado, indiciado, ofendido e testemunhas será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinada a obter maior fidelidade das informações .
§ 2º  No caso de registro por meio audiovisual, será encaminhado às partes cópia do registro original, sem necessidade de transcrição. 

Oficiosidade

Dizer que o inquérito policial é um procedimento oficioso significa que, tendo o conhecimento do cometimento da infração penal, a autoridade policial deve instaurar o inquérito policial de ofício (ex officio), nos termos do art. 5º, I, do CPP, exceto nos casos de ação penal pública condicionada à representação e de delitos de ação penal privada.

Assim, se a instauração do inquérito policial está condicionada à manifestação da vítima ou de seu representante legal, uma vez demonstrado o interesse do ofendido na persecução penal, a autoridade policial é obrigada a agir de ofício, determinando as diligências necessárias. 

Oficialidade

A investigação precisa necessariamente ser realizada por agentes constantes do quadro de funcionários da Administração Pública. Em outras palavras, essa característica determina que é vedada a delegação de atividades investigativas a particulares.

Ademais, quem também nunca poderá conduzir a investigação é o juiz, em razão da necessidade de permanecer equidistante das partes, a fim de manter a imparcialidade de seu julgamento. Nesse sentido, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH), inclusive, já se manifestou ao determinar que a atividade investigativa é incompatível com a função de julgador do juiz (Clique aqui para consulta).

Assim, de acordo com a doutrina majoritária, o juiz tem uma função garantidora, ou seja, de dar ao processo um julgamento justo, imparcial, respeitadas as garantias processuais e constitucionais, em razão da adoção do sistema acusatório em nosso sistema processual penal. 

Discricionariedade

A persecução penal no inquérito policial concentra-se na figura da autoridade policial, do Delegado de Polícia, que pode determinar ou postular, com discricionariedade, todas as diligências que julgar necessárias ao esclarecimento dos fatos.

Isso quer dizer que o Delegado, no exercício de sua atribuição, tem uma margem de atuação para determinar, por meio de um juízo de oportunidade e conveniência, quais são as providências essenciais à coleta de elementos de autoria e materialidade da infração penal. Trata-se de um juízo próprio dos agentes da Administração Pública que, apesar de possuir certa margem de autonomia, está adstrito ao que é determinado em lei. 

Inquisitorial

Como visto na aula anterior, o IP é um instrumento inquisitorial. Não há, via de regra, a dialética das partes, o exercício do contraditório e da ampla defesa. Em se tratando de um procedimento administrativo, e não de processo judicial, não há imposição de sanção como resultado, pois o que se visa é a colheita de elementos informativos que sirvam de base à opinio delicti do titular da ação penal e posterior denúncia (função preparatória). 

Contudo, esse entendimento de que o inquérito policial é desprovido da observância do contraditório e da ampla defesa tem sido mitigado em razão de diversos fatores, dentre eles a Lei 13.245/216, que alterou o Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/1994) para estabelecer o direito dos advogados de dar assistência a seus clientes investigados durante a apuração de infrações.

Não observado esse direito, corre-se o risco de ser declarada a nulidade do interrogatório e do depoimento do investigado, tornando-se também nulos todos os elementos investigatórios e probatórios deles decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente.

Além disso, passou a ser direito do advogado a elaboração e apresentação de razões e quesitos durante o curso da investigação. Consta expressamente da lei:

Art. 7º. São direitos do advogado:
XXI - assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração: 
a) apresentar razões e quesitos; 

Assim, a nova redação conferida à Lei 8.906/94 faz questionar a verdadeira natureza jurídica das investigações preliminares, levando parte da doutrina a sustentar que, agora, trata-se de procedimento sujeito ao contraditório diferido e à ampla defesa, em consonância com os mandamentos do art. 5º, LV, da Constituição Federal, cujo teor assegura aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, assim como a assistência de advogado (art. 5º, LXIII, CF/88). 

Outra parcela da doutrina, entretanto, permanece com o entendimento de que a investigação preliminar é um procedimento inquisitorial, reforçando a ideia de que não há possibilidade de sanção direta, bem como que a falta de contraditório e ampla defesa nessa fase é compensada por mecanismos legislativos tendentes a evitar que o juiz firme sua convicção apenas com os elementos informativos nela colhidos (como é o caso do art. 155 do CPP). 

 Atenção: em julgamento da 2ª Turma do STF, concluiu-se que, apesar da alteração do art. 7º, inciso XXI do Estatuto da OAB pela Lei nº 13.245/16, não há necessidade de intimação prévia da defesa técnica do investigado para a tomada de depoimentos orais nesta fase de inquérito policial, sob pena de nulidade.

Para o Ministro, por se tratar de procedimento informativo de natureza inquisitorial, pode haver uma mitigação das garantias do contraditório e da ampla defesa. Há um reforço das prerrogativas do advogado, mas não há direito subjetivo de intimação prévia e tempestiva do calendário de inquirições a ser definido pela autoridade policial (Pet 7.612/DF, Rel. Min. Edson Fachin, j. 12/03/2019). 

Indisponibilidade

De acordo com o art. 17 do CPP, a autoridade policial não poderá mandar arquivar autos de inquérito policial. Diante da notícia de uma infração penal, o Delegado de Polícia não está obrigado à instauração do inquérito policial, devendo, antes de tudo, verificar a procedência das informações e a tipicidade da infração penal em questão.

Contudo, uma vez instaurado o inquérito, não incumbe à autoridade policial promover seu arquivamento, senão por determinação do Ministério Público – mais precisamente, o promotor natural do caso -, com posterior homologação pela instância superior de revisão, nos termos do art. 28, caput¸ do CPP, com redação dada pela Lei 13.964/19 – o Pacote Anticrime. 

Vale adiantar que o inquérito policial poderá ser desarquivado mediante aparição de provas novas, cuja determinação é privativa do Ministério Público (vide Súmula 524 do STF). 

Assim, de acordo com o STJ, são três os requisitos para que uma prova seja considerada prova nova, nos termos do art. 18 do CPP: 

  • que seja formalmente nova, isto é, sejam apresentados novos fatos, anteriormente desconhecidos; 
  • que seja substancialmente nova, isto é, tenha idoneidade para alterar o juízo anteriormente proferido sobre a desnecessidade da persecução penal; e 
  • que seja apta a produzir alteração no panorama probatório dentro do qual foi concebido e acolhido o pedido de arquivamento.  

Vide STJ, 6ª Turma, RHC 18.561/ES, Min. Hélio Quaglia Barbosa, j. 11/04/2006, DJ 1º/08/2005, p. 545.

Sigiloso

O princípio da publicidade dos atos processuais está consagrado na Constituição Federal e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

Assim, a regra é que haja ampla publicidade dos atos praticados no curso da ação penal, ressalvadas as hipóteses em que se justifica a restrição da publicidade, como em casos de defesa da intimidade, interesse social no sigilo e imprescindibilidade à segurança da sociedade e do Estado (BRASILEIRO, 2020, p. 184).

Dessa forma, se até a fase processual da persecução penal admite a restrição da publicidade, por que não o poderia também a fase investigatória, que já possui um acentuado caráter inquisitorial?

Para que sejam bem feitas as investigações e para o sucesso das diligências, é necessário que haja um sigilo sobre isso, sobretudo porque, muitas vezes, o elemento surpresa é o que permite a obtenção de um elemento informativo relevante. Obviamente, esse sigilo não impede que o Ministério Público e o juiz tomem conhecimento do andamento da investigação.

Porém, mais que isso: o advogado tem o direito de examinar, em qualquer instituição responsável por conduzir a investigação, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de investigações de qualquer natureza, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos, em meio físico ou digital, nos termos da Lei nº 8.906/94, art. 7º, XIV, com redação dada pela Lei nº 13.245/16. 

Contudo, é vedado ao advogado e ao investigado consultar informações sobre diligências em andamento, tendo em vista o sigilo interno, que visa assegurar a eficiência das investigações. Assim, somente as informações sigilosas já documentadas podem ser visualizadas pela defesa. Nesse sentido também é o teor da Súmula Vinculante nº 14, cujo teor é o seguinte:

É direito do defensor, no interesse do representado, terá acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.

Dispensável

Tendo em vista que a finalidade do inquérito policial é a coleta de elementos de informação quanto à autoria e à materialidade da infração penal, caso o titular da ação penal já possua esses elementos em mãos, o inquérito policial pode se tornar dispensável.

Essa característica da dispensabilidade decorre de interpretação a contrario sensu do art. 12 do CPP, que preceitua que “o inquérito policial acompanhará a denúncia ou a queixa, sempre que servir de base a uma ou outra”.

Assim, se o inquérito não servir de base, não precisará acompanhá-las. Ademais, o art. 39, §5º do CPP determina que o órgão do Ministério Público dispensará o inquérito se com a representação forem oferecidos elementos que o habilitem a promover a ação penal e, neste caso, oferecerá a denúncia no prazo de 15 (quinze) dias. 

Encontrou um erro?