Formas Qualificadas
Qualificadora X Majorante
A qualificadora não se confunde com majorante.
A qualificadora ocorre quando o próprio tipo penal estabelece uma nova escala penal, quando há um preceito secundário diverso. Em termos simples, a qualificadora ocorre quando o texto da lei traz novos elementos ao tipo penal, e esses novos elementos aumentem a pena máxima e mínima.
A majorante, por outro lado, ocorre quando o dispositivo prevê uma fração de aumento da pena.
A diferença prática entre elas é que a qualificadora traz uma nova escala penal, e quando da condenação do agente, o juiz irá aplicar essa nova escala desde a primeira fase da dosimetria da pena. Já a majorante só é considerada na terceira fase da dosimetria da pena.
Vamos agora analisar as qualificadoras que o artigo 184 do CP prevê para o crime de Violação dos Direitos de Autores.
Reprodução com o Intuito de Lucro
A primeira qualificadora encontra-se no parágrafo primeiro do artigo 184. Observe:
§ 1º Se a violação consistir em reprodução total ou parcial, com intuito de lucro direto ou indireto, por qualquer meio ou processo, de obra intelectual, interpretação, execução ou fonograma, sem autorização expressa do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor, conforme o caso, ou de quem os represente:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
O verbo núcleo do tipo permanece o mesmo: "Violar".
Nessa qualificadora, o legislador entendeu que a violação por reprodução deve ser punida mais severamente, porque proporciona maior lesão ao bem jurídico.
Cabe destacar que "reproduzir" significa "copiar em vários exemplares".
O tipo penal também estabelece que a reprodução, nesse caso, deve ser feita visando a obtenção do lucro direto ou indireto. Esse é o especial fim de agir, ou seja, a intenção que deve ser perquirida pelo agente para o enquadramento no tipo penal.
No caso do lucro direto, a pessoa já aufere imediatamente a atividade econômica. No lucro indireto, contrariamente, a vantagem econômica vem de forma oblíqua. Por exemplo, no caso de um comerciante que reproduza uma determinada música em seu estabelecimento, sem recolher o valor correspondente pelos direitos autorais ao Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição), ele poderá ser condenado com base na qualificadora que estamos estudando se for comprovado que a sonorização do ambiente favoreceu suas vendas. Note que se trata de vantagem econômica oblíqua, indireta, porque não foi a venda da música que lhe rendeu dinheiro, mas sim favoreceu a venda de seus produtos.
Ademais, destaca-se que só há crime se a reprodução não tiver autorização expressa. Caso haja autorização para a utilização dos direitos autorais, a conduta é atípica.
Distribuição com Intuito de Lucro
A segunda qualificadora encontra-se no parágrafo segundo do artigo 184 do CP. Vamos ao texto:
§ 2º Na mesma pena do § 1º incorre quem, com o intuito de lucro direto ou indireto, distribui, vende, expõe à venda, aluga, introduz no País, adquire, oculta, tem em depósito, original ou cópia de obra intelectual ou fonograma reproduzido com violação do direito de autor, do direito de artista intérprete ou executante ou do direito do produtor de fonograma, ou, ainda, aluga original ou cópia de obra intelectual ou fonograma, sem a expressa autorização dos titulares dos direitos ou de quem os represente.
Trata-se de um tipo misto alternativo, porque o dispositivo traz vários verbos que podem subsistir para o cometimento do delito, ou seja, o núcleo do tipo apresenta 8 (oito) verbos (distribui, vende, expõe à venda etc.). Nesse caso, a prática, pelo agente, de um dos verbos já representa o enquadramento na figura delitiva. Se houver a prática de mais de um verbo por uma mesma pessoa, não há concurso de crimes, mas sim a pessoa responde por apenas um crime do art. 184, §2º, do CF.
Ademais, há uma discussão doutrinária sobre a forma qualificada do parágrafo segundo acerca da venda, nas ruas, de cópias de obras fonográficas, como DVDs, CDs etc. Nesse caso, a doutrina considerou que venda nesses comércios populares não deveria ser considerada crime, com base nos princípios da adequação social e da insignificância. Ambos os princípios são decorrência do princípio do Direito Penal da intervenção mínima, que estabelece que o Direito Penal só deverá ser aplicado quando as outras esferas do Direito se mostrarem insuficientes na sanção de uma determinada conduta. Nesse contexto, o princípio da adequação social diz que o Direito Penal não deve ser aplicado em relação a condutas socialmente aceitas, mesmo quando criminalizadas pela norma penal. O princípio da insignificância, por sua vez, estabelece que o Direito Penal não deve ser aplicado quando a lesão ou o perigo for irrelevante ou tolerável em relação a um determinado bem jurídico.
Diante desses princípios, o Superior Tribunal de Justiça firmou o seguinte entendimento na Súmula nº 502:
“Presentes a materialidade e a autoria, afigura-se típica, em relação ao crime previsto no art. 184, § 2º, do CP, a conduta de expor à venda CDs e DVDs piratas.”
Observa-se, portanto, que o STJ rejeitou as teses defensivas doutrinárias, tendo em vista que a venda de CDs e DVDs piratas representa um prejuízo aos autores das obras, à indústria fonográfica e ao próprio Estado, decorrente do não recolhimento dos tributos devidos.
Oferecimento ao Público com Intuito de Lucro
A terceira qualificadora está no parágrafo terceiro do artigo 184 do CP. Veja:
§ 3º Se a violação consistir no oferecimento ao público, mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para recebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, com intuito de lucro, direto ou indireto, sem autorização expressa, conforme o caso, do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor de fonograma, ou de quem os represente:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
O verbo núcleo do tipo permanece o mesmo: "violar".
Nesse caso, percebe-se que a intenção do legislador foi incluir qualquer modalidade que possa surgir em decorrência do avanço da tecnologia. Por exemplo: downloads de música não autorizados, venda de livros pela internet de forma não autorizada, entre outros.
Não Aplicação das Qualificadoras
O parágrafo quarto do artigo 184 traz uma situação em que as qualificadoras não serão aplicadas:
§ 4º O disposto nos §§ 1º, 2º e 3º não se aplica quando se tratar de exceção ou limitação ao direito de autor ou os que lhe são conexos, em conformidade com o previsto na Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, nem a cópia de obra intelectual ou fonograma, em um só exemplar, para uso privado do copista, sem intuito de lucro direto ou indireto.
A doutrina considera que esse dispositivo é inócuo, ou seja, é desnecessário, porque os casos descritos nesse trecho do dispositivo não representam uma violação, não se enquadrando, portanto, no verbo núcleo do tipo penal. Porém, o legislador achou por bem reforçar esses casos de inaplicabilidade das qualificadoras.
Exclusão da Tipicidade
A Lei n. 9.610/1998 aborda um rol exemplificativo de condutas que não representam violação aos direitos autorais. De forma geral, esse rol envolve condutas relativa à limitação ao direito de autor. Veja:
Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais:
I - a reprodução:
a) na imprensa diária ou periódica, de notícia ou de artigo informativo, publicado em diários ou periódicos, com a menção do nome do autor, se assinados, e da publicação de onde foram transcritos;
b) em diários ou periódicos, de discursos pronunciados em reuniões públicas de qualquer natureza;
c) de retratos, ou de outra forma de representação da imagem, feitos sob encomenda, quando realizada pelo proprietário do objeto encomendado, não havendo a oposição da pessoa neles representada ou de seus herdeiros;
d) de obras literárias, artísticas ou científicas, para uso exclusivo de deficientes visuais, sempre que a reprodução, sem fins comerciais, seja feita mediante o sistema Braille ou outro procedimento em qualquer suporte para esses destinatários;
II - a reprodução, em um só exemplar de pequenos trechos, para uso privado do copista, desde que feita por este, sem intuito de lucro;
III - a citação em livros, jornais, revistas ou qualquer outro meio de comunicação, de passagens de qualquer obra, para fins de estudo, crítica ou polêmica, na medida justificada para o fim a atingir, indicando-se o nome do autor e a origem da obra;
IV - o apanhado de lições em estabelecimentos de ensino por aqueles a quem elas se dirigem, vedada sua publicação, integral ou parcial, sem autorização prévia e expressa de quem as ministrou;
V - a utilização de obras literárias, artísticas ou científicas, fonogramas e transmissão de rádio e televisão em estabelecimentos comerciais, exclusivamente para demonstração à clientela, desde que esses estabelecimentos comercializem os suportes ou equipamentos que permitam a sua utilização;
VI - a representação teatral e a execução musical, quando realizadas no recesso familiar ou, para fins exclusivamente didáticos, nos estabelecimentos de ensino, não havendo em qualquer caso intuito de lucro;
VII - a utilização de obras literárias, artísticas ou científicas para produzir prova judiciária ou administrativa;
VIII - a reprodução, em quaisquer obras, de pequenos trechos de obras preexistentes, de qualquer natureza, ou de obra integral, quando de artes plásticas, sempre que a reprodução em si não seja o objetivo principal da obra nova e que não prejudique a exploração normal da obra reproduzida nem cause um prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores.
Art. 47. São livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra originária nem lhe implicarem descrédito.
Art. 48. As obras situadas permanentemente em logradouros públicos podem ser representadas livremente, por meio de pinturas, desenhos, fotografias e procedimentos audiovisuais.
Ação Penal
No que se refere a ação penal que vai ser utilizada para levar a conduta à apreciação do Judiciário. Sobre isso, elucida o artigo 186 do CP:
Art. 186. Procede-se mediante:
I – queixa, nos crimes previstos no caput do art. 184;
II – ação penal pública incondicionada, nos crimes previstos nos §§ 1o e 2o do art. 184;
III – ação penal pública incondicionada, nos crimes cometidos em desfavor de entidades de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou fundação instituída pelo Poder Público;
IV – ação penal pública condicionada à representação, nos crimes previstos no § 3o do art. 184.