Tipo penal

O artigo 213 do Código Penal conceitua o crime de estupro como o ato de "constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso".
Dessa maneira, a estrutura do tipo é:

  • "Constranger" mediante violência ou grave ameaça: aqui, o verbo “constranger” possui o sentido de coagir, obrigar ou forçar alguém a fazer algo.

  • Por violência: emprego da força física para imobilizar a vítima ou até mesmo de tortura psicológica, violência psicológica.

  • Grave ameaça: a grave ameaça é a promessa de um mal iminente e verossímil. Trata-se da intimidação com o objetivo de fazer com que a vítima faça ou consinta com que seja feito algo contra a sua vontade.

O crime de estupro pode ser cometido de duas formas:

  • Pela conjunção carnal: penetração do pênis na vagina, ainda que incompleta.

  • Através de ato libidinoso: será considerado ato libidinoso aquele que tem a finalidade de satisfazer a lascívia, contra a vontade da vítima e em ofensa à moralidade sexual. Veja que, se o agente procurar satisfazer sua lascívia mediante toque no braço da vítima, este ato não será considerado libidinoso por não ofender a moral sexual padrão, a menos que haja juntamente a ele outros elementos que o tornem sexual.

A vítima poderá ser coagida a praticar ato sexual (comportamento ativo) ou a permitir que com ela se o pratique (comportamento passivo). Antes da alteração promovida pela Lei n° 12.105/2009, o crime de estupro era conceituado como o ato de constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça. Dessa maneira, o estupro somente era consumado através da conjunção carnal e só poderia ser cometido por homem contra mulher.

Além disso, o atentado violento ao pudor era concebido como o ato de constranger pessoa, mediante violência ou grave ameaça, forçando-a a praticar ou permitir que com ela se praticasse ato libidinoso diverso da conjunção carnal (sexo oral, anal, etc.). Ele poderia ser cometido por homem ou mulher, contra qualquer pessoa. Porém, com o advento da Lei n° 12.105/2009, o crime de atentado violento ao pudor foi absorvido pelo crime de estupro (observe-se que não houve abolitio criminis, não se suprimiu alguma conduta do Código Penal). Assim, o que antes era considerado atentado violento ao pudor é, agora, tido também como estupro, ou seja, independentemente de haver conjunção carnal ou não, haverá crime de estupro se a vítima for constrangida mediante violência ou grave ameaça a praticar ato sexual.

Vejamos abaixo o quadro comparativo da alteração promovida pela Lei n° 12.105/2009 no crime de estupro:


NOVA REDAÇÃO

REDAÇÃO ANTERIOR

TÍTULO VI
DOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL

TÍTULO VI
DOS CRIMES CONTRA OS COSTUMES

CAPÍTULO I
DOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE SEXUAL

CAPÍTULO I
DOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE SEXUAL

Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.

 

Nomenclatura: estupro;
Sujeito ativo: homem – possibilidade de coautoria ou participação de mulher - para a conjunção carnal; qualquer pessoa para outro ato libidinoso;
Sujeito passivo: mulher – para a conjunção carnal; qualquer pessoa para outro ato libidinoso.

Art. 213. Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça:
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.

Nomenclatura: estupro;
Sujeito ativo: homem – possibilidade de co-autoria ou participação de mulher;
Sujeito passivo: somente a mulher.

*Art. 214. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal:
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.

Nomenclatura: atentado violento ao pudor;
Sujeito ativo: qualquer pessoa;
Sujeito passivo: qualquer pessoa.

Art. 213.  ...

§ 1o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.

§ 2o Se da conduta resulta morte: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

Formas qualificadas.

*Art. 223. Se da violência resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.

Parágrafo único - Se do fato resulta a morte:
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 25 (vinte e cinco) anos.

Formas qualificadas.

Assim, não é exigido que haja contato físico entre a vítima e o agressor ou, ainda, entre terceiro, mas exige-se que a vítima seja envolvida de forma corpórea no ato libidinoso de alguma forma.  Dessa maneira, a dignidade sexual não é ofendida apenas por atos físicos, mas também pelo transtorno psíquico que causa. Pode-se citar como exemplo o crime de estupro virtual, que embora não seja mencionado expressamente pelo Código Penal, tem sido aceito pela doutrina e jurisprudência. Ele ocorre quando o agente, mediante grave ameaça e através de meios digitais, constrange a vítima a praticar ato sexual virtual. Todavia, há quem entenda que, neste caso, não se configura o crime de estupro por não haver proximidade física entre a vítima e o agente. Existiria, assim, o crime de constrangimento ilegal.

Neste sentido, questiona-se: o beijo forçado pode ser considerado estupro? A doutrina se divide quanto à classificação de atos semelhantes ao beijo forçado. O entendimento majoritário é que o beijo forçado não constitui crime de estupro, mas contravenção de importunação ofensiva ao pudor, prevista no art. 61, do Decreto-Lei n.º 3.688/41 (Lei de Contravenções Penais). Contudo, o beijo forçado será configurado estupro se houver violência física empregada com a intenção de satisfazer a lascívia contra a vontade da vítima.

É o que decidiu o Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, no Agravo Regimental no Recurso Especial n° 1705120/SC, no qual o agente "agarrou a vítima de 16 anos à força, beijou sua boca, mordeu seu rosto e passou a mão nos seios, nádegas e vagina, por cima da roupa, a fim de satisfazer a sua lascívia", o que foi justamente considerado estupro.

Convém ressaltar que o crime de estupro está previsto na Lei n° 8.072, de 25 de julho de 1990, que trata dos crimes hediondos.

Sujeito ativo

Qualquer pessoa, seja homem ou mulher. Trata-se de crime comum.

Este crime admite coautoria e participação.

O coautor é aquele que emprega violência ou grave ameaça contra a vítima, sem realizar com ela a conjunção carnal ou o ato libidinoso. Será coautor, também, aquele que realizar, juntamente com outra pessoa, atos sexuais com a vítima.

Já o partícipe será aquele que estimular a prática do estupro, ainda que sem realizar qualquer ato executório nesse sentido.

Sujeito passivo

O sujeito passivo é qualquer pessoa maior de 14 anos, apta a discernir.

Cabe ressaltar que, durante muito tempo, entendia-se que não era possível ocorrer estupro nas relações matrimoniais. Todavia, este entendimento não mais se sustenta. Há, inclusive, aumento de metade da pena se o crime for cometido por cônjuge ou companheiro, de acordo com o artigo 226, inciso II do Código Penal.

Deve-se mencionar, também, que o sujeito passivo poderá ser a prostituta, quando forçada a realizar ato sexual indesejado, ainda que mediante pagamento.

Consumação

A consumação do crime de estupro se dá com a conjunção carnal ou a prática do ato libidinoso diverso, como o sexo oral, anal, o toque em regiões íntimas do corpo sem consentimento.

Tentativa

Admite-se a tentativa quando o agente emprega violência ou grave ameaça com a finalidade de realizar ato sexual com a vítima mas não o consuma por circunstâncias alheias à sua vontade. Trata-se, portanto, de crime plurissubsistente, aquele que se perfaz com vários atos, bastando que se concretize um deles para considerar-se iniciada a execução do crime. Caso não sejam exauridos todos os atos descritos no tipo, o crime não se terá dado por inteiro e se considerará tentado. (O crime unissubsistente, por sua vez, não admite tentativa pois se conclui inteiramente com um simples ato).

Elemento subjetivo

O elemento subjetivo é o dolo, consubstanciado na intenção de tolher a liberdade sexual da vítima mediante violência ou grave ameaça.

Pena

 
  • A pena prevista para este crime é de reclusão, de 6 a 10 anos.
  • Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima tem entre 14 e 18 anos, a pena será de reclusão de 8 a 12 anos.            
  • Além disso, se, da conduta, resultar morte, a pena será de reclusão de 12 a 30 anos.

Figuras qualificadas:

  • Lesão corporal grave: deve-se observar que, caso se tratem de lesões corporais leves, elas são absorvidas pelo crime de estupro. Entende-se que o agente possui dolo quanto ao estupro e culpa em relação à lesão corporal grave. Caso assim não seja, e o agente possua de início a intenção de provocar lesão corporal grave na vítima, ele responderá pelo crime de estupro simples em concurso material com o crime de lesão corporal grave.

  • Vítima entre 14 e 18 anos: note-se que, se a vítima for menor de 14, configura-se o crime de estupro de vulnerável.

  • Morte: tal qual na lesão corporal grave, pressupõe-se que, neste caso, houve dolo quanto ao crime de estupro e culpa quanto ao resultado morte. Porém, se o agente intencionalmente matar a vítima, ele responderá por estupro simples em concurso material com o crime de homicídio qualificado.

Concurso de crimes

Existe divergência doutrinária e jurisprudencial quanto à classificação do crime de estupro quando o agente, em um mesmo contexto, praticar contra a vítima conjunção carnal e ato libidinoso. Existem os seguintes entendimentos doutrinários:

  • Tipo penal misto alternativo: tanto a conjunção carnal quanto a prática de atos libidinosos contra a vítima consistem crime único. Esta é a posição majoritária.

  • Tipo penal misto cumulativo: há crime continuado ou um concurso material de delitos quando o agente pratica cópula e atos libidinosos contra a vítima, pois há previsão de mais de um delito (há previsão de atos distintos) no mesmo tipo penal.

Processo e Julgamento do Crime

Antes da Lei 12.015/2009 a ação penal prevista para os crimes sexuais era privada. Mas, com a lei 12.015/2009, para os crimes previstos no Capítulo I, do Título VI, do Código Penal, a ação penal passou a ser pública condicionada à representação da vítima. E para o caso de vítima menor de 18 anos ou vulnerável, a ação penal passou a ser pública incondicionada. 

Entretanto, isso mudou mais uma vez com a Lei 13.718/2018, que determinou que nos Capítulos I e II, do Título VI do CP, a ação penal é pública incondicionada, ou seja, não depende-se mais da representação da vítima. 

Art. 225.  Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se mediante ação penal pública incondicionada.  

Classificação Doutrinária do crime

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