Processo para Apuração de Conduta Anticoncorrenciais

Os processos administrativos do CADE são desenvolvidos no TADE – Tribunal Administrativo de Defesa da Economia, com o auxílio da Superintendência-Geral e do DEE – Departamento de Estudos Econômicos.

Eles se dividem em duas espécies: processo de apuração de condutas anticoncorrenciais e processo para controle dos atos de concentração.

O processo para apuração de condutas anticoncorrenciais equivale, somente em grau de comparação, ao processo penal, inclusive quanto as fases dentro do procedimento. Para se ter uma melhor dimensão, antes de o processo de fato se iniciar, a Superintendência pode instaurar um procedimento investigativo, seja o procedimento preparatório de inquérito ou um inquérito propriamente dito.

Os procedimentos preparatório de inquérito e inquérito propriamente são adequados para apurar informações sobre condutas anticoncorrenciais, diferenciando-se entre si quanto a quantidade e qualidade das informações já disponíveis.

O procedimento preparatório é adequado para situações em que os dados até então disponíveis pelo CADE são insuficientes sequer para abrir um inquérito. Equivaleria, portanto, à uma sindicância, uma introdução à investigação. É o que ocorre quando a Superintendência do CADE simplesmente recebe uma denúncia anônima de um cartel e não dispõe de mais nenhum dado a respeito. Ela instaurará um procedimento preparatório e, se for viável, evoluirá para um inquérito de fato.

O procedimento preparatório de inquérito dura 30 dias.

O procedimento de inquérito é adequado para situações em que a o CADE já tem uma boa gama de informações, mas precisa uni-las num documento. Tais dados podem derivar dum procedimento preparatório de inquérito ou de fontes independentes, o que significa que nem sempre o procedimento preparatório de inquérito irá anteceder o inquérito. Há situações em que o inquérito pode ser instaurado diretamente.

O procedimento de inquérito dura até 180 dias prorrogáveis por mais 60 dias, com o total de 240 dias.

Concluído o inquérito, a Superintendência tem 10 dias úteis para arquivar ou apresentar uma denúncia ao TADE, instaurado o processo administrativo.

Interessante apontar que a Superintendência é, ao mesmo tempo, que organiza e fiscaliza o inquérito, diferenciando-se um pouco da função clássica do Ministério Público em relação as polícias, cuja atribuição é fiscalizar, mas não presidir.

Durante o inquérito, a Superintendência pode requerer e até mesmo decretar medidas cautelares que visem preservar o resultado útil do processo ou afastar uma conduta lesiva em potencial. Aqui reside mais uma diferença, uma vez que o Ministério Público pode até requerer, mas jamais decretará medidas cautelares sem a intervenção do Poder Judiciário.

A decisão da Superintendência que impuser medida cautelar desafia um recurso direto para o TADE, apresentado no prazo de 5 dias, mas sem efeito suspensivo automático, uma vez que se presume a regularidade dos atos da Superintendência, dentro da lógica do regime jurídico administrativo.

Embora a Superintendência tenha poderes comparativamente mais amplos dentro do processo administrativo do que o Ministério Público disponibiliza no processo penal, é fato que nenhum dos dois órgãos podem superar, sozinhos, cláusulas de reserva de jurisdição. Caso a medida cautelar pretendida pela Superintendência implique em busca e apreensão em uma casa habitada, por exemplo, será necessário requerer o auxílio da Procuradoria Federal por meio de uma ação jurisdicional.

Nota-se que o auxílio é feito pela Procuradoria Federal e não pelo Ministério Público Federal, o qual se reserva na função de fiscalização, averiguando eventual responsabilidade civil coletiva ou criminal. O MPF, a princípio, atua como um vigilante do processo administrativo para apuração de condutas contrárias a concorrência, enquanto que a Procuradoria Federal pretende auxiliar jurisdicionalmente, quando for necessário executar uma decisão ou superar cláusula de reserva de jurisdição.

Ferramentas de despenalização

Tomando como inspiração as lições da Terceira Via do Direito Penal, em que a Justiça assume não só um papel punitivo, mas também restaurativo, os processos administrativos do CADE para controle de condutas anticoncorrenciais incorporaram duas ferramentas para evitar que a sanção seja o único resultado possível. 

Estas ferramentas são o Termo de Compromisso de Cessação e o Acordo de Leniência.

O TCC – Termo de Compromisso de Cessação é o acordo apresentado pela Superintendência, com a aquiescência do acusado e homologação pelo TADE, que paralisa uma prática supostamente irregular sem implicar em confissão. 

São três os requisitos para o TCC → cessação de prática alegadamente ilícita, multa em caso de descumprimento do TCC e contribuição para o Fundo de Direitos Difusos.

O TCC se desenvolve como um negócio processual, a ser apresentado uma única vez na investigação ou no processo do TADE e, como todo negócio, exige a concordância do investigado para que o TADE possa homologar.

A simples apresentação da proposta não suspende o processo administrativo, o que só ocorre com a homologação e aprovação pelo TADE.

O acordo obedece a cláusula rebus sic standibus, o que permite ao CADE rever todas as condições do acordo a qualquer momento, desde que o faça de forma fundamentada. A razão para essa cláusula é o dinamismo do mercado, exigindo que o TCC vá se adaptando.

Nota-se que o TCC é um instituto subjetivo, beneficiando apenas quem celebra o acordo. Uma vez aprovado, o TCC gera título executivo extrajudicial a ser executado pela Procuradoria Federal em caso de descumprimento.

O acordo de leniência, por seu turno, também é um negócio jurídico, mas com o objetivo de obter provas. Enquanto o TCC quer suspender o processo, o acordo quer alimentá-lo, trazer mais informações, daí a natureza do acordo de leniência apontar para um meio de obtenção de prova, e não prova. O acordo de leniência, por si só, não prova nada, mas traz informações que, estas sim, serão provas.

Esta diferença é fundamental porque não é possível condenar unicamente com base no acordo de leniência.

O acordo de leniência é apresentado pela Superintendência ou pelo Conselheiro Relator do TADE e, desde que tenha a concordância do investigado, será aprovado pelo TADE. A proposta é feita de maneira sigilosa para pessoas físicas ou jurídicas, no curso da investigação ou quando o processo já foi instaurado.

As informações obtidas pelo acordo de leniência serão úteis na medida em que forem objetivamente eficazes. Ser objetivamente eficaz é apontar bens, pessoas ou informações que de fato existam e estejam correlatados com a prática irregular. É preciso que a informação seja de fato uma fonte determinante para uma futura solução do conflito.

A recusa do investigado em colaborar não causará prejuízo para a defesa, pois não gera confissão. Na prática, a efetivação deste direito não é fácil, principalmente quando o investigado já concedeu as informações e depois se arrependeu do acordo. Em teoria, ele não é afetado, mas na realidade a situação é mais difícil.

Acordo de leniência e TCC são negócios jurídicos processuais, mas enquanto o TCC não tem confissão, mas paralisação da prática ilícita. O acordo de leniência exige a paralisação da prática ilícita e a confissão. É como se o TCC fosse uma espécie de Termo de Ajustamento de Conduta – TAC, enquanto que o acordo de leniência se aproxima da lógica da colaboração premiada.

Os benefícios do acordo de leniência variam entre a redução de um-terço a dois-terços da pena, até a efetiva extinção do processo administrativo, tudo variando conforme o valor das informações concedidas.

Naturalmente, a extinção da ação é o maior benefício, mas que exige quatro requisitos:

  1. Ser o primeiro colaborador
  2. Confissão e cooperação plenas
  3. Cessação da prática ilícita
  4. Falta de informações pelo CADE.

Uma vez que o acordo seja aprovado, o processo administrativo é suspenso e aguardará as informações objetivamente eficazes do colaborador. 

Se o investigado aderir ao acordo e posteriormente o descumprir, ficará impedido de celebrar um novo acordo de leniência durante três anos.

O acordo de leniência é uma exceção ao princípio da independência das instâncias, pois da sua celebração é possível a suspensão da prescrição penal, enquanto que do seu cumprimento haverá a extinção da prescrição punitiva em matéria criminal. Entretanto, para que tenha de fato esse efeito, é indispensável que o Ministério Público Federal participe das negociações.

Portanto, o acordo de leniência afeta a prescrição administrativa e penal, enquanto que o TCC só influencia a prescrição administrativa.

Encontrou um erro?