Infrações Administrativas
As infrações administrativas estão em rol exemplificativo, como reflexo da elasticidade das condutas que a acompanham. A dinâmica da legislação é apresentar um artigo inicial com expressões propositalmente abertas, as quais mitigam o princípio da taxatividade em prol de conseguir encaixar melhor a criatividade de determinados agentes que praticam irregularidades.
Este artigo inicial é o 36 da Lei Antitruste, que traz quatro elementos fundamentais para que um agente econômico incida na responsabilidade administrativa.
- Prejudicar a livre iniciativa e a livre concorrência
- Dominar mercado relevante de bens/serviços
- Aumentar arbitrariamente os lucros
- Exercer abusivamente a posição dominante
Na prática, o que se percebe é que tais conceitos são geralmente cumulativos. Ou seja, quem prejudica a livre concorrência geralmente aumenta arbitrariamente os lucros e só o faz porque consegue exercer abusivamente uma posição dominante.
Os comportamentos abusivos podem afetar o mercado em sentido HORIZONTAL, caso uma mesma camada de agentes econômicos é prejudicada; ou VERTICAL, quando mais de uma classe é afetada.
Didaticamente, classe de agente econômico é o nicho de mercado. Por exemplo, o produtor de verduras é de uma classe, enquanto que os supermercados que compram as suas verduras para revender são de outra classe. Se o produtor e o revendedor são afetados por causa de um mesmo comportamento, o mercado é afetado em sentido VERTICAL.
Por outro lado, se somente os supermercados são afetados, na cadeia produtiva estamos falando de um só grupo. Essa lesão caracteriza um desrespeito ao mercado em sentido HORIZONTAL.
O que dimensiona com maior precisão o dano vertical ou horizontal é o conceito de mercado relevante.
Uma ideia que não é propriamente jurídica, mas que deriva de uma análise quase geopolítica do impacto de determinado agente econômico na comunidade.
Circunstâncias como importância do produto, espaço geográfico, custos de transação e hábitos dos consumidores são alguns dos elementos que ajudam as autoridades e dimensionar a relevância e o impacto positivo ou negativo que o comportamento de determinado empresário tem na sociedade.
Por exemplo: o leite tem um espaço geográfico menor do que uma televisão, pois é mais perecível (características do produto). Logo, as características do leite privilegiam as empresas que estejam mais próximas do consumidor e, portanto, a sensibilidade do leite, é um fator que dá mais poder aos agentes de mercado.
Precisar este poder não é uma tarefa fácil e tampouco somente matemática, mas de importância fundamental para que não retomemos para época do liberalismo puro, quando uma grande empresa simplesmente destruía toda a pequena atividade ao redor.
Existem duas maneiras de identificarmos abusividade no mercado relevante, sempre por meio de uma análise fática das situações, uma vez que, embora tenhamos várias regras sobre o Direito Econômico, ao cabo a economia em si é um poder de fato, isto é, algo sentido na prática e no dia a dia das pessoas.
A primeira maneira de identificarmos abusividade é a técnica do mercado do produto, em que as autoridades administrativas aumentam o preço do produto propositadamente, para aferir se os consumidores continuarão dependentes. Caso eles continuem a consumir mesmo em condições manifestamente desvantajosas, há uma abusividade em potencial.
Por outro lado, se os consumidores passarem a comprar outro produto, provavelmente não há mercado abusivo, pois existe concorrência.
A segunda maneira é a presunção legal de abusividade quando um agente econômico é, sozinho, detentor de 20% do consumo. Trata-se de uma presunção relativa e que deve permitir ao agente econômico acusado a prova em sentido contrário.
É importante salientar que o simples fato de um agente econômico ter destaque não é algo reprovável. Mesmo que uma atividade empresarial tenha mais de 20% ou os consumidores disponham de poucas opções na concorrência, a conquista mercadológica baseada na simples eficiência não é sinônimo de irregularidade para o Direito. Não se pode punir quem conseguiu lucrar com esforço próprio, sem desrespeitar a legislação.
Curiosamente, este raciocínio é levado ao extremo pela Escola de Chicago, defensora da possibilidade de um monopólio beneficiar a sociedade quando for respeitada a eficácia alocativa. Isto é, não importa se existem muitos ou poucos agentes econômicos concorrendo, o crucial é que as pessoas acessem os produtos ou serviços de maneira eficiente e por um preço justo.
Este ponto de vista é alvo de maior ceticismo pela Escola de Harvard, a qual prega quase de forma dogmática uma concorrência multifacetada, composta pelo maior número possível de agentes econômicos.
A prática revela que tanto a Escola de Harvard quanto a Escola de Chicago, se levadas de forma religiosa para todas as situações, podem originar problemas. Um número muito grande de agentes econômicos pode desorientar o consumidor, enquanto que um só agente econômico é historicamente uma fonte de abusos.
De todo o exposto, pode-se concluir que um agente econômico com mercado relevante passa a se tornar abusivo quando, por qualquer outro motivo contrário ao interesse público, age de forma independente e indiferente aos demais competidores. As práticas de mercado de outro agente econômico não têm impacto, justamente por conta de seu grande domínio.
Para finalizar a teorização geral, antes do estudo das infrações em espécie, é importante salientar que a análise do comportamento irregular do agente se dá de forma objetiva, não só porque a responsabilidade é objetiva, mas porque é preciso impedir que elementos emocionais influam nas considerações administrativas. O juízo de valor sobre a ganância, por exemplo, em regra, não é essencial para enquadrar ou não o comportamento dentro da infração, embora seja analisado eventualmente para que uma multa seja mais elevada, por exemplo. Porém, não é um elemento essencial.
Infrações Administrativas em Espécies
As infrações administrativas estão em rol exemplificativo, mas aqui serão apresentados os tipos mais importantes.
Cartel
Ocorre quando duas ou mais empresas combinam uma prática abusiva de mercado entre si, seja para submeter o consumidor a um contexto desfavorável, como um aumento elevado de preços, seja para asfixiar ainda mais a concorrência num setor de mercado que já tem poucos concorrentes, como se dá no exemplo clássico dos postos de gasolina.
É indispensável que os agentes econômicos combinem o preço entre si, pois a mera semelhança não é suficiente para concluir pelo cartel, até porque muitas situações socioeconômicas atentam contra os agentes econômicos ao mesmo tempo, fazendo com que todos revisem suas práticas quase que simultaneamente.
As condutas punidas são o cartel propriamente dito e a incitação ao cartel, que nada mais é do que o ato prévio e preparatório de motivar os agentes econômicos e tentar tal combinação.
Esta infração prejudica o mercado em sentido horizontal.
Preço Predatório
Ocorre quando um agente econômico baixa severamente seus preços para eliminar a concorrência e, em seguida, instaurar um monopólio tóxico, com condições desfavoráveis ao mercado.
Denominado internacionalmente de dumping, esta prática é considerada infração porque o agente não reduz o preço em razão de sua eficiência, mas porque objetiva eliminar os demais concorrentes com uma prática irreal.
Ele fixa preços que outros empresários jamais alcançarão e sustenta o prejuízo por um tempo calculado, até que seja o único restante. Neste instante, os preços irão aumentar drasticamente porque se iniciou um monopólio.
É importante atentar que o preço predatório é diferente de preço excessivo, quando o agente econômico simplesmente cobra um preço acima, mas sem planejamento para se tornar um monopolista futuro.
Tampouco pode ser equiparado ao fenômeno da importação abaixo do preço de custo, quando o agente econômico internacional de fato consegue um preço mais baixo em razão de sua eficiência.
De fato, ele é semelhante com o dumping, embora este ocorra na seara internacional e seja analisado pelo Brasil por meio da SECEX e COMEX, não com o CADE.
Esta infração prejudica o mercado em sentido horizontal.
Acordo Vertical
Também chamado de trust, essa prática na realidade um gênero de condutas abusivas que impede os demais agentes econômicos de acessar os bens mais importantes para as suas respectivas atividades produtivas, como os insumos e a mão de obra. É o que ocorre quando um supermercado começa a comprar todos os fornecedores para impedir que os demais supermercados acessem os produtos para a revenda.
Diferentemente do cartel e do preço predatório, o trust atenta contra o mercado vertical, pois toda a cadeia produtiva é prejudicada na medida em que um só agente se torna produtor, fornecedor e distribuidor.
Os contratos de exclusividade são exemplos de acordo vertical, embora essa medida deva ser tomada com receio porque o STJ admite a cláusula de fidelização quando o agente econômico der algum benefício em troca.