Sentença Condenatória

Introdução

A sentença condenatória é aquela em que o juiz reconhece a procedência da pretensão punitiva e procede à fixação da pena. Nesse sentido, faz-se importante a observação do princípio constitucional da individualização da pena:

CF/88

Art. 5º. [...]

XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: [...]

Essa necessidade de considerar cada caso unicamente e com todas as suas peculiaridades e circunstâncias para a fixação da pena se dá em 3 momentos:

  • Individualização legislativa: trata-se da previsão/positivação de penas-base, causas de aumento e diminuição, circunstâncias atenuantes e agravantes - é um momento anterior ao fato, é a lei em si;
  • Individualização judicial: momento de fixação da pena (dosimetria), onde o juiz deve seguir o procedimento legal e fundamentar cada uma de suas escolhas de acordo com as especificidades do caso concreto;
  • Individualização executória: elementos que devem ser observados ao longo da execução penal (progressão de regime, remição, etc.).

Dosimetria da Pena

A fixação da pena na prolação da sentença segue um sistema trifásico delineado por Nelson Hungria e positivado no art. 68 do Código Penal:

Cálculo da pena

Art. 68 - A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento.

Primeira Fase

A primeira fase é a fixação da pena-base, onde o magistrado deve utilizar os limites mínimos e máximos do crime em questão e que estão previstos no Código Penal. Através da observação das circunstâncias judiciais, o juiz deve balizar a pena-base: nunca abaixo do mínimo e nunca acima do máximo.

Vamos analisar as circunstâncias judiciais de que trata o art. 59 do Código Penal:

1 - Culpabilidade (Caput)

É a reprovabilidade, o impacto negativo, a relevância social do fato praticado pelo acusado. Quanto mais reprovável, mais grave a aplicação da pena.

2 - Antecedentes (Caput)

Condenações sobre fatos anteriores praticados pelo acusado. Inquéritos policiais e ações penais em curso não podem ser utilizados como critério para agravar a pena-base, visto que a imputação ainda não foi confirmada (vide súmula 444 STJ).

Importante notar que o art. 64, I, do Código Penal prevê a desconsideração de maus antecedentes quando forem condenações anteriores ocorridas em prazo superior a 5 anos, contados da extinção da pena. Assim, se o sujeito é condenado pelo crime, cumpre sua pena e, após 5 anos, é sentenciado novamente, seu crime anterior não será considerado para fins de maus antecedentes e reincidência.

Por outro lado, é possível considerar como mau antecedente a prática de um fato delitivo com condenação que transitou em julgado após a prática do novo crime. Vejamos um exemplo:

  • 2017: Sujeito comete o crime de furto;
  • 2018: Sujeito comete o crime de roubo;
  • 2019: Condenação e trânsito em julgado pelo crime de furto;
  • 2020: Condenação pelo crime de roubo.
  • Na sentença condenatória por roubo, o juiz pode utilizar a condenação de 2019 pelo furto como mau antecedente, mesmo que tenha transitado em julgado em momento posterior à prática do crime de roubo.

Ressalta-se que, no exemplo acima, não há reincidência porque falta o elemento do trânsito em julgado anterior à prática do novo crime. Porém, como foi explicado, a condenação pode ser considerada como mau antecedente. Lembrando, ainda, que o mesmo fato não pode ser mau antecedente e reincidência, visto que configuraria bis in idem (dupla punição pelo mesmo fato).

3 - Conduta Social

Análise do comportamento social do acusado perante à vida comunitária, nos momentos de lazer, no trabalho, como é sua reputação na comunidade.

4 - Personalidade

Valores éticos, morais, elementos que compõem o caráter do acusado. Por se tratar de um critério extremamente subjetivo, é necessário que o juiz tenha provas substanciais para fundamentar um aumento da pena-base apoiado nesta circunstância.

5 - Motivos

Considerar os motivos que estão por trás da prática do crime pelo acusado: o que levou o sujeito a agir dessa forma?

6 - Circunstâncias

Meios, instrumentos e circunstâncias do crime.

7 - Consequências

Tudo aquilo que foi observado como resultado da conduta praticada pelo acusado, enxergando seus impactos na vítima e na sociedade.

8 - Comportamento da vítima

Avaliação do comportamento da vítima enquanto elemento relevante ou condicionante da conduta do acusado.

Segunda Fase

A segunda fase da dosimetria é a valoração das circunstâncias agravantes e atenuantes, previstas nos arts. 61 a 67 do Código Penal. A primeira diferença a ser observada é a natureza das hipóteses do código: as agravantes são taxativas, o juiz não pode se valer de circunstância não prevista expressamente. Já as atenuantes formam um rol exemplificativo, de forma que o magistrado pode considerar outros elementos não previstos na lei, desde que fundamentados.

Diante de uma agravante ou atenuante, a quantidade de diminuição ou aumento é de 1/6 em relação a pena-base. Isso é uma construção jurisprudencial, tendo em vista a ausência de previsão expressa no Código Penal.

 As agravantes e atenuantes não são aplicadas quando constituem o crime ou figuram como elementar, qualificadora, privilégio, causa de aumento ou de diminuição de pena. Assim, se determinada conduta já é o crime, por exemplo, não há porque considerá-la novamente (ne bis in idem).

Em caso de incidência simultânea de duas ou mais circunstâncias, consideram-se primeiro as agravantes e depois as atenuantes. Além disso, alguns aspectos são preponderantes, sendo considerados com um peso maior na fixação da pena:

Art. 67 - No concurso de agravantes e atenuantes, a pena deve aproximar-se do limite indicado pelas circunstâncias preponderantes, entendendo-se como tais as que resultam dos motivos determinantes do crime, da personalidade do agente e da reincidência.

 Segundo a jurisprudência consolidada, a menoridade e a confissão espontânea também são consideradas circunstâncias preponderantes, tendo em vista que revelam a personalidade do agente.

Na incidência de mais de uma agravante, o magistrado deve fazer o aumento simples, não cumulativo. Assim, a agravante 1 aumenta em 1/6 a pena-base e a agravante 2 também, sem colocar o cálculo sobre a pena aumentada.

Nos crimes de ação penal pública, o magistrado pode reconhecer agravantes que não foram alegadas, o que não ocorre nos crimes de ação penal privada.

Segue abaixo a referência dos dispositivos legais das agravantes e atenuantes.

Reincidência

Art. 61 - São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime:

I - a reincidência;

Art. 63 - Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior. 

Art. 64 - Para efeito de reincidência: 

I - não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação; 

II - não se consideram os crimes militares próprios e políticos.

Motivação

Art. 61. [...]

II - ter o agente cometido o crime:

a) por motivo fútil ou torpe;

b) para facilitar ou assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime;

Meio/Modo de execução

Art. 61. [...]

II - ter o agente cometido o crime:

c) à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação, ou outro recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido;

d) com emprego de veneno, fogo, explosivo, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que podia resultar perigo comum;

f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica;

g) com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão;

j) em ocasião de incêndio, naufrágio, inundação ou qualquer calamidade pública, ou de desgraça particular do ofendido;

l) em estado de embriaguez preordenada.

Tipo de vítima

Art. 61. [...]

II - ter o agente cometido o crime:

e) contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge;

h) contra criança, maior de 60 (sessenta) anos, enfermo ou mulher grávida; 

i) quando o ofendido estava sob a imediata proteção da autoridade;

Atenuantes

Art. 65 - São circunstâncias que sempre atenuam a pena:

I - ser o agente menor de 21 (vinte e um), na data do fato, ou maior de 70 (setenta) anos, na data da sentença; 

II - o desconhecimento da lei;

III - ter o agente:

a) cometido o crime por motivo de relevante valor social ou moral;

b) procurado, por sua espontânea vontade e com eficiência, logo após o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe as conseqüências, ou ter, antes do julgamento, reparado o dano;

c) cometido o crime sob coação a que podia resistir, ou em cumprimento de ordem de autoridade superior, ou sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima;

d) confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime;

e) cometido o crime sob a influência de multidão em tumulto, se não o provocou.

Terceira Fase

A terceira fase é o momento em que o magistrado considera as causas de aumento (majorantes) e diminuição (minorantes) de pena. São diferentes das qualificadoras e privilégios: estes últimos são analisados na primeira fase, no momento de fixação da pena-base, visto que a lei prevê patamares (mínimo e máximo) diferentes para essas modalidades de crimes. Por exemplo, a pena-base mínima para o homicídio simples é menor que a pena-base mínima para o homicídio qualificado - são crimes diferentes.

Outro ponto importante é que as majorantes e minorantes estão previstas (em sua maioria) na parte especial do código penal, junto de cada delito, enquanto as agravantes e atenuantes são genéricas, previstas na parte geral do código. Além disso, na terceira fase o juiz pode reduzir aquém do patamar mínimo e superar o limite máximo para o crime em questão (o que não pode ocorrer na segunda fase).

Concurso de majorantes e minorantes

Art. 68. [...]

Parágrafo único - No concurso de causas de aumento ou de diminuição previstas na parte especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua.

As causas da parte especial podem ser computadas como uma só, considerando a maior diminuição ou o maior aumento. Contudo, em relação à parte geral, não há previsão específica, de forma que o juiz deve calcular cumulativamente (em forma de cascata) e considerar todas.

Fixação do Regime Penitenciário

Ao final da dosimetria, o magistrado deve indiciar o regime de cumprimento de pena, sobretudo o penitenciário. Ainda que incorra em hipótese de substituição de privativa de liberdade por restritiva de direitos, deve indicar um regime penitenciário.

São três os regimes de cumprimento de pena:

  • Fechado (art. 34, CP);
  • Semi-aberto (art. 35, CP);
  • Aberto (art. 36, CP).

Além dos dispositivos do código penal, a Lei de Execução Penal regula a aplicação dos regimes de PPL, dos arts. 110 a 119. Quanto à adoção do regime semi-aberto, é admissível aos reincidentes com condenações iguais ou inferiores a quatro anos, se presentes circunstâncias judiciais (art. 59, CP) favoráveis.

Aspectos Importantes

A falta de estrutura do sistema prisional não justifica a manutenção dos condenados em regime mais gravoso. Por exemplo, diante da falta de vagas no regime semi-aberto, deve-se avaliar os condenados que já estão cumprindo pena, progredindo seu regime para o aberto ou aplicando o regime domiciliar. Todos esses condenados que recebem a progressão pelo motivo de superlotação devem ser monitorados eletronicamente, além de receber a aplicação de pena restritiva de direitos de acordo com cada caso.

Todos esses parâmetros foram fixados no Recurso Extraordinário mencionado abaixo:

Súmula Vinculante 56 STF

A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso, devendo-se observar, nessa hipótese, os parâmetros fixados no RE 641.320/RS.

Por fim, as súmulas 718 e 719 do STF, além da súmula 440 do STJ, determinam que o magistrado deve observar a necessidade de fundamentação idônea e concreta para a fixação do regime prisional. Assim, o juiz não pode se valer de circunstâncias abstratas para determinar o regime de cumprimento de pena em sua sentença.

Substituição da Pena

Após a fixação de um regime prisional, o juiz deve analisar a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade (PPL) por pena restritiva de direitos (PRD). As PRD estão previstas no art. 43 do código penal:

 Art. 43. As penas restritivas de direitos são: 

I - prestação pecuniária;

II - perda de bens e valores; 

III - limitação de fim de semana.

IV - prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas; 

V - interdição temporária de direitos; 

VI - limitação de fim de semana.

As PRD são consideradas autônomas e possuem o caráter de substitutividade, sendo aplicadas no lugar de uma PPL (não são aplicadas de forma cumulativa!). Para que a substituição ocorra, é necessário cumprir com os seguintes requisitos:

  • Análise das circunstâncias judiciais (devem ser favoráveis);
  • Existência de pena não superior a 4 anos (total, ao final da dosimetria);
  • Crime sem violência ou grave ameaça à pessoa;
  • Acusado não reincidente específico em crime doloso (ou preterdoloso);

Nos crimes culposos, apenas a análise das circunstâncias judiciais basta. Quanto aos crimes dolosos, vale fazer algumas ressalvas:

  1. O crime de lesão corporal dolosa leve é visto como infração de menor potencial ofensivo (via de regra) e, por isso, é passível de substituição, além de observar o procedimento do Jecrim;
  2. Excetua-se da regra o caso de crime cometido contra a mulher no âmbito doméstico, vide súmula 588 do STJ.

Quando a condenação não passa de 1 ano, a substituição pode ser por restritiva de direitos ou multa. Nos casos de pena superior a 1 ano e não superior a 4, ocorre a aplicação de duas PRD ou a cumulação de uma PRD com multa.

Suspensão Condicional do Processo

Não sendo caso de substituição da PPL por PRD, o juiz deve analisar a possibilidade de concessão de suspensão condicional do processo (arts. 77 e 78 do CP)

Art. 77 - A execução da pena privativa de liberdade, não superior a 2 (dois) anos, poderá ser suspensa, por 2 (dois) a 4 (quatro) anos, desde que:

I - o condenado não seja reincidente em crime doloso;  

II - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício; 

III - Não seja indicada ou cabível a substituição prevista no art. 44 deste Código.

§ 1º - A condenação anterior a pena de multa não impede a concessão do benefício.

§ 2º A execução da pena privativa de liberdade, não superior a quatro anos, poderá ser suspensa, por quatro a seis anos, desde que o condenado seja maior de setenta anos de idade, ou razões de saúde justifiquem a suspensão. 

Art. 78 - Durante o prazo da suspensão, o condenado ficará sujeito à observação e ao cumprimento das condições estabelecidas pelo juiz. 

§ 1º - No primeiro ano do prazo, deverá o condenado prestar serviços à comunidade (art. 46) ou submeter-se à limitação de fim de semana (art. 48). 

§ 2° Se o condenado houver reparado o dano, salvo impossibilidade de fazê-lo, e se as circunstâncias do art. 59 deste Código lhe forem inteiramente favoráveis, o juiz poderá substituir a exigência do parágrafo anterior pelas seguintes condições, aplicadas cumulativamente: 

a) proibição de freqüentar determinados lugares; 

b) proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do juiz;  

c) comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades.

Pena de Multa

Na fixação da pena de multa, utiliza-se o critério bifásico:

  • Primeiro é o cálculo de dias-multa (10 a 360 dias), de acordo com as circunstâncias judiciais;
  • Depois ocorre a definição do valor do dia-multa (de 1/30 a 5 vezes o valor do salário mínimo vigente ao tempo do fato). O valor pode ser até triplicado de acordo com a capacidade econômica do acusado.

Superadas todas as fases mencionadas acima, o juiz pode decretar ou manter a prisão preventiva ou decretar as medidas cautelares diversas da prisão na sentença condenatória (vide arts. 387, §1º, 319 e 320 do CPP). Para tanto, a decisão deve ser fundamentada e estarem presentes os requisitos fumus comissi delicti periculum libertatis.

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